Vinícola Santa Augusta: do lazer familiar a um negócio da família
A bela propriedade dos De Nardi, na linha Santa Bárbara, próximo da SC-303, em Videira, era para ser um refúgio rural. Mas a decisão, em 2003, de plantar pés de uvas Izabel, vender os frutos para outras vinícolas e fazer vinho para consumo próprio mudou o projeto e transformou o local em outro negócio da família. “O primeiro vinho, feito em 2005, animou o círculo familiar, então decidimos fazer a nossa vinícola”, contou Taline De Nardi, diretora da casa Santa Augusta, que na época tinha apenas 16 anos. Entusiasta da ideia, Taline estudou enologia em Bento Gonçalves (RS) e começou a participar de eventos para divulgar os vinhos que produzia e aprender mais sobre a matéria. “Estava em uma palestra, queria entender de vinhos, o palestrante falava e eu pensava ‘na Santa Augusta não é assim’, dizia outra coisa, eu pensava de novo, ‘na Santa Augusta não é assim’, ali vi que estava errada”, relatou a jovem.
Para corrigir os erros e dar novos rumos ao empreendimento, a diretora da vinícola decidiu contratar um especialista na área e indicou ao pai, Claudir, um dos professores do curso de Enologia. “Chamei o pai na festa de formatura e apresentei o Jeferson Sancinetto, uma semana depois estávamos reunidos com a família”, descreveu. Em 2011, já sob a supervisão de Sancinetto, a vinícola produziu o primeiro espumante Santa Augusta. “Hoje não me vejo fazendo outra coisa, colho uva, ajudo cuidar do parreiral, tenho prazer de mostrar um vinho que produzi. Era o hobby do pai, é trabalho para mim”, justificou Taline, que diversificou o negócio para torná-lo sustentável.
Como dispunha de capital para ampliar a linha de produção, a Santa Augusta passou a produzir vinhos e espumantes para outras vinícolas. Atualmente são utilizados 32 tanques de aço inoxidável que custaram, em media, R$ 100 mil cada um. “Processamos a uva para outras oito vinícolas”, informou Taline De Nardi. “As vinícolas trazem as uvas até aqui e nós cuidamos do resto”, contou Jeferson Sancinetto. Em alguns casos, como a Casa Pisani, os cortes (mistura de diferentes varietais) são feitos por enólogo próprio. “Depois que o vinho passa por um período de amadurecimento em barris de carvalho vem um enólogo do Chile e experimenta todos e seleciona os cortes do vinho Pisani”, declarou.
Uma revolução do plantio à colheita
O enólogo da casa Santa Augusta possui 26 anos de estrada, estudou na Itália e começou a trabalhar com videiras, uvas e vinhos na Aurora de Bento Gonçalves. “O produtor de Santa Catarina é diferente do produtor do Rio Grande do Sul, aqui são grandes empresários que investem em qualidade”, avaliou Sancinetto, garantindo que os avanços “são incrivelmente grandes”. Segundo o enólogo, os produtores de vinhos de altitude da Serra catarinense compreenderam que para melhorar a qualidade da uva e do vinho que produziam era necessário diminuir a produção de frutas por planta. Uma das primeiras intervenções de Sancinetto na Santa Augusta foi substituir o plantio do tipo latada (espécie de grade sobre a qual as parreiras estendem seus galhos) pelo modelo espaldeira, que consiste no crescimento vertical da videira, em fileiras paralelas, sem expansão para os lados. “No sistema de latada um pé produz cerca de 25 kg, em ípsilon quatro quilos e em espaldeira dois quilos, podendo chegar a 700 gramas”, afirmou Sancinetto.
Parte da perda de produtividade é compensada com o aumento do número de pés por hectare. “Antes se plantava no máximo 2,5 mil pés por hectare, hoje é possível plantar 5,5 mil pés”, informou. Além disso, as parreiras são cobertas com um tecido especial para protegê-las do granizo e os cachos são revestidos com invólucros para evitar o contato com insetos e pássaros. A colheita é manual e do pé a uva vai direto para a câmara fria. “Em um dia baixa de 25 graus para cinco graus, para ser processada quase gelada”, contou o enólogo, destacando que o frio intenso diminui a ação das enzimas que oxidam a fruta. “Mantém a qualidade”, observou.
Vinhedo biodinâmico
A Vinícola Santa Augusta tem nove hectares de parreirais, sete contíguos à sede e dois em Água Doce. Diferentemente da sede, o manejo do vinhedo de Água Doce é biodinâmico. Isso significa que as intervenções no parreiral são realizadas levando em conta a posição da lua, do sol e dos planetas. “Um conhecimento ancestral que o homem moderno quase não utiliza”, falou Sancinetto.
Com efeito, a cada 14 dias a lua percorre o caminho do ponto mais próximo da terra até o mais distante, levando outros 14 para voltar. Quando ela se movimenta do ponto mais próximo em direção ao mais distante, diz-se que a lua está ascendendo e quando retorna, que está descendendo. “Quando a lua está ascendendo não pode cortar (podar), já a colheita se faz no período ascendente”, relatou o especialista.
A explicação para agir assim, de acordo com Sancinetto, decorre do fato de que no período ascendente a seiva se concentra nas partes mais altas das plantas, consistindo um desperdício podar quando os galhos estão repletos de alimentos. Por outro lado, no período descendente, a seiva se concentra nas raízes, razão pela qual a poda, em vez de enfraquecer a videira, fortalece-a, pois a planta terá menos galhos e folhas para alimentar. No vinhedo de Água Doce são utilizados somente defensivos naturais e aqueles permitidos na agricultura orgânica. Entre os naturais, destaque para a urtiga e a erva cavalinha. A última é utilizada na forma de infusão (chá) e a primeira como chorume. “Deixa duas semanas misturada com água e depois usa o líquido resultante”, ensinou Sancinetto, ressaltando que a urtiga é eficaz contra doenças e insetos.
Além disso, em Água Doce os cachos de uvas ficam distantes 60 cm do solo. A proximidade garante quatro graus a mais de calor durante o dia, aumentando a diferença entre a temperatura máxima e a mínima, a chamada amplitude térmica. A planta reage ao “estresse” causado pela amplitude térmica intensificando a alimentação dos frutos, consequentemente, aumentando a qualidade dos grãos. Com as uvas desse vinhedo a Santa Augusta produz a bebida ícone da vinícola, Imortali, primeiro vinho biodinâmico do Brasil. O nome é uma homenagem às proprietárias, Morgana e Taline De Nardi. “São 2,7 mil garrafas de um corte de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot”, informou Sancinetto.
Sintonia com o mercado
A diretora da Santa Augusta contou à Agência AL que prioriza a produção do Moscatel, espumante feito a partir da varietal Moscato Giallo, para ampliar as vendas e aumentar o faturamento. “O custo de produção é baixo e atinge um público maior”, justificou Taline. O Moscatel somente é produzido por meio do método Charmat, quando o vinho é fermentado em autoclaves de aço inoxidável, geralmente durante oito meses. “Produzimos 150 mil garrafas”, declarou. De olho na outra ponta do mercado, a Santa Augusta se prepara para produzir espumantes pelo método Champenoise, cuja fermentação ocorre dentro da garrafa. “Para atender um público mais exigente”, explicou Taline.
Check-list de um parreiral
O enólogo da Santa Augusta destacou três itens que confere rotineiramente nos parreirais. “Primeiro olho como está o crescimento da folha, se tem manchas, se há alguma doença nos brotos novos; em segundo lugar vejo a cor das plantas, um verde bonito indica sanidade, já o verde claro mostra que há deficiências ou tem adubo demais”, ponderou. Por último, Sancinetto citou o controle da umidade, desde a produzida pela chuva, até o orvalho. “Se o orvalho demora muito para secar, uma alternativa é diminuir a quantidade de folhas para aumentar a insolação”.
Produzindo um espumante pelo método Charmat
A uva para o espumante Santa Augusta é colhida manualmente e no tempo certo. “Tem o ponto do espumante, colher na hora correta garante o frescor, acidez e o teor de álcool entre 10 e 11 graus, no máximo”, afirmou o enólogo. Em seguida, os cachos são levados à câmara fria para estabilizar a temperatura em cinco graus centígrados. Uma vez resfriados, são selecionados, processados e a massa resultante é bombeada até os tanques saturados de gás carbônico, popularmente conhecido como gelo seco. Depois é acrescentado açúcar na proporção de cinco gramas por quilograma de pressão. “É açúcar para fermento”, avisou Sancinetto, esclarecendo que o método Charmat prevê a adição de açúcar. “A levedura vai comer o açúcar”, indicou. Como a base dos tanques é cônica, o formato facilita a separação da semente do mosto (massa líquida). Já a casca, que no primeiro momento sobe à superfície, vai baixando aos poucos, constituindo, junto com a semente, a borra (resíduo pastoso) sobre a qual o espumante fermentará por cerca de oito meses.
Concluída a fermentação, a bebida é engarrafada mecanicamente. “Uma bomba injeta nitrogênio dentro da garrafa e o espumante, pressurizado, entra lentamente no vasilhame”, relatou o enólogo. Ato contínuo, a rolha é introduzida na garrafa e por último a gaiolinha (armação de arame) é fixada. “Daí deixa a garrafa uma semana de pé para não vazar o gás, depois ela é deitada para a guarda”, finalizou.
Vinhos e espumante Santa Augusta
A equipe da Agência AL degustou dois espumantes da Vinícola Santa Augusta. O primeiro, um “vinho branco espumante brut”, 2014, elaborado a partir de uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, fermentadas sem casca. A experiência revelou uma bebida agradável, leve e bem estruturada. O enólogo da Santa Augusta ensinou engolir a saliva antes de beber. “Você engole e imediatamente aumenta a saliva. É que o cérebro entendeu que tinha de equilibrar o pH, que ficou ácido com a passagem do espumante”, esclareceu Sancinetto, garantindo que o maior erro que se pode cometer é consumir vinho ou espumante com a comida. “Fica com gosto ruim, metálico”, afirmou.
O segundo, um Rosê Demi-Sec, foi elaborado com as varietais Sauvignon Blanc, Cabernet Franc, Merlot, Malbec e Montepulciano. Apesar da mistura complicada, o espumante é fácil de beber, aromático e harmônico. “A combinação perfeita é com ostras”, observou a proprietária da Vinícola Santa Augusta, sugerindo consumir o espumante e o molusco no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis.
Agência AL