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15/08/2016 - 10h18min

“Precisamos falar de gênero e de igualdade de direitos”, diz Vera Fermiano

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A feminista Vera Fermiano é presidente da Casa da Mulher Catarina

No mês em que comemoramos os dez anos da Lei Maria da Penha, a Agência AL fez uma série de entrevistas com mulheres que atuam, em diferentes áreas, em prol da aplicação da lei. Confira na entrevista abaixo a opinião de Vera Fermiano, feminista que preside a Casa da Mulher Catarina.

Agência AL - Como é o trabalho da Casa Mulher Catarina?
Vera - Nós somos uma organização feminista autônoma que tem como mote a saúde da mulher e trabalhamos, claro, a questão da violência, o empoderamento das mulheres, uma linha que é a saúde da mulher negra e direitos sexuais e reprodutivos.

Agência AL - Vocês veem como uma conquista a Lei Maria da Penha?
Vera - Com certeza, não só como conquista, mas também como uma grande luz para as mulheres do país inteiro em relação à violência doméstica. A gente vê que as mulheres continuam sofrendo violência, às vezes elas fazem muitos BOs [Boletins de Ocorrência] e não acontece nada com o agressor e depois acaba ocorrendo um homicídio dentro da família.

Agência AL - Que dificuldades as mulheres que sofrem violência enfrentam?
Vera - Há algumas dificuldades que são muito grandes na questão da legislação, que a gente acredita que com o tempo irá se aprimorando. Nós temos um judiciário lento, nós temos uma estrutura governamental que não dá conta da manutenção das políticas públicas para o combate à violência, que são poucas. Eu sinto, por exemplo, que a gente tenha aprovado, há um ano e meio, o observatório da violência e até agora não vimos um palito em relação a esse observatório. Temos pouquíssimas delegacias especializadas no atendimento da mulher, esse é um dos grandes entraves, e temos uma cultura de julgar, criminalizar e executar, essa também é uma visão que tem de ser mudada em relação ao atendimento dessas vítimas pelas delegacias, pelos órgãos que devem prestar esses atendimentos.

Agência AL - Vocês acreditam que a violência dentro de casa é muito maior do que os números mostram?
Vera - Nós acreditamos que sim, até porque a violência acaba pegando todo mundo, quando uma mulher é agredida, se ela tiver filhos, eles são agredidos também. Quem tiver dentro daquele círculo passa pelo mesmo processo de violência, de formas diferenciadas, mas com o mesmo impacto que a vítima sofre. É muito difícil trabalhar essa questão porque é muito nova essa possibilidade de ajuda, de ter pessoas certas para te encaminhar, te orientar. E é difícil reagir quando tu estás dentro de um círculo de violência, porque a própria violência faz com que tu te sintas impotente, culpada, muitas das mulheres, inclusive, acham que elas são merecedoras da violência, tamanha a opressão e o machismo. Para quem está fora, é muito fácil julgar ou tecer pensamentos sobre por que não reagiu ou por que não denunciou. Temos muito mais tempo de cultura machista e de prepotência do que de libertação e de conquistas para as mulheres. Então, ainda levaremos muito tempo pra ter alguma equidade e diminuir esses números em relação à violência doméstica. E eu falo de violência doméstica, pois se falarmos de violência contra a mulher, a coisa é bem maior.

Agência AL - Que marcas vocês percebem nessas vítimas, que consequências a violência gera?
Vera - O efeito da violência na vida das pessoas é algo muito forte e impactante. Cada mulher reage de uma forma, desde a aceitação de que ela realmente merece aquela violência, porque a violência é uma construção, muitas vezes começa psicologicamente, com palavras, com xingamentos, e outras vezes já começa com violência física mesmo. As mulheres acham que vão mudar isso, que vão transformar essa pessoa, que vão mudar esse comportamento. E eles agridem porque vieram já de uma construção de vida de violência, de agressividade. Esse tipo de comportamento precisa ser mudado e precisa ser parado no primeiro momento. Hoje em dia você já vê meninas e meninos adolescentes numa relação de coisificação, por causa dessa exploração do corpo, do sensual, da sexualidade muito precoce. Então, se já há uma dominação do corpo, essa dominação incita à violência, pois se tu és minha eu faço o que eu quero de ti. E eu acredito também que o ciúme vem sendo usado para justificar a violência contra a mulher de forma honrada. Isso é algo que a gente tenta desconstruir o tempo todo, nós mulheres que lutamos contra a violência.

Agência AL - Tivemos avanços em dez anos de Lei Maria da Penha?
Vera - Tivemos avanços, sim. A própria lei é um avanço, ela é uma das legislações mais bacanas, acredito que no mundo poucos países têm uma legislação que ajude as mulheres nesse sentido.  Mas há muito a aprimorar para que a lei realmente surta efeito. Nós precisamos de mais delegacias, nós precisamos de um judiciário mais eficaz, nós precisamos de melhor capacitação das pessoas que vão atender a mulher vitimizada, nós precisamos de observatórios de monitoramento da violência. Como você combate algo sobre o qual você não sabe o número exato e não sabe onde está acontecendo? Então, precisa de monitoramento constante para minimizar, porque estamos longe de erradicar essa cultura de violência contra a mulher.

Agência AL - Qual são as principais dificuldades para aplicação da lei?
Vera - A violência é um ciclo, então são necessários serviços de apoio e de acompanhamento dessas mulheres. Há também os fatores que nós desconhecemos em relação à vivência dessa mulher. Como é que ela vive? Onde é que ela vive? A dependência financeira é algo muito preponderante na vida dessas mulheres. Se tu dependes de um cara até pra andar de ônibus, como é que tu te libertas desse cara? Existem mil fatores que ainda fazem com que a violência seja muito permanente na vida dessas mulheres. Além da dependência econômica, às vezes as mulheres ficam reféns psicologicamente dos caras. Quando alguém diz, durante dez, 15 anos, que tu és imprestável, que tu não serves pra nada, que ninguém te quer, essa pessoa te transforma num lixo.  É uma coisa muito doentia essa relação, e é difícil pras mulheres saírem disso por mais que queiram, porque elas têm medo, são ameaçadas por muitos anos, é difícil fugir desse aprisionamento mental.

Agência AL - Existe um mundo ideal de serviços para amparar essa mulher?
Vera - Melhoraria muito a vida dessas mulheres que sofrem violência se Estado fizesse o seu papel em relação às políticas públicas, às desigualdades, às faltas de oportunidade, aos serviços oferecidos. A conjunção de todos esses fatores pode mudar significativamente a vida das mulheres. Estamos num momento de verdadeiros retrocessos e quem mais perdeu nessa conjuntura política, que se arrasta já há um ano e pouco, são as mulheres, porque as primeiras coisas que foram atacadas foram em relação às mulheres e às políticas sociais. Isso gera um retrocesso terrível na vida das pessoas.

Agência AL - Vivemos em uma sociedade machista. Essa seria a explicação pra tudo isso que acontece com mulheres vítimas de violência?
Vera - O machismo é o fator preponderante na questão da violência. Nós temos que educar para uma sociedade mais equânime, mais igualitária nas relações de gênero, homem, mulher, direitos e deveres. Eu acredito que a mudança desses paradigmas é fundamental para mudar a conjuntura que tá aí. É terrível porque no plano de educação do ano passado, o país inteiro tirou do currículo escolar a questão de gênero.  O que é que incomodava as pessoas realmente na discussão de gênero dentro da escola? Há uma construção de uma ideologia de gênero em relação a meninos e meninas que não aceitam a sua sexualidade e a conversa foi por aí porque assim era mais fácil convencer a sociedade. Até porque esse combate ao gênero e à ideologia de gênero vem da questão religiosa e isso, infelizmente, tomou o país por conta da desinformação. A discussão de gênero é fundamental para a gente desconstruir essa sociedade machista, que acha que quem casa é dono, que certidão de casamento é um contrato de compra e venda e, a partir daí, quem é dono pode fazer o que quiser da sua ‘coisa’. Precisamos falar de gênero para falar de respeito, de igualdade de direitos entre meninos e meninas, isso sim daria conta de um futuro melhor para as mulheres em relação à violência.

Lisandrea Costa
Agência AL

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