Alliny Burich: “Em 10 anos, não se muda estado patriarcal, não se extingue violência”
Na semana em que a Lei Maria da Penha completa dez anos, a Agência AL publica uma série de entrevistas com mulheres que atuam na aplicação da lei e na defesa dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica.
Considerada uma das legislações mais completas e elogiadas do mundo no que diz respeito à proteção da mulher em situação de violência doméstica, a Lei Maria da Penha ainda não deu conta de aplacar os índices no país. A cada dois minutos, cinco mulheres são vítimas de violência no Brasil. Entre 100 mulheres mortas, 70 são mortas por companheiros ou ex-companheiros. Esses dados resultaram de um levantamento recente dos números registrados pelo Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher, que completou uma década de funcionamento em 2015.
“Não podemos negar os aspectos positivos da lei. Mas em dez anos não se muda um estado patriarcal e não se extingue a violência. A violência não vai ser excluída somente pelo advento da lei, que foi muito bem escrita, muito bem feita, construída a partir de um caso concreto e escrita por mulheres, de movimentos que defendem os direitos das mulheres”, diz a advogada Alliny Burich, vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC).
Se a lei é perfeita, onde esbarramos? “A lei é completa, preenche tudo que é necessário em termos de suporte para proteger a mulher vítima de violência. Mas esbarramos na burocracia, nas limitações financeiras do Estado, na falta de funcionários nas delegacias, no Judiciário abarrotado de processos. Só a lei não vai resolver”, responde Alliny. Como advogada que atua na área, ela relata que as delegacias, em geral, não estão preparadas para atender as mulheres, que muitas vezes são revitimizadas com perguntas do tipo: “Tem certeza que ele te bateu? Mas o que aconteceu antes de ele te bater? O que você fez para ele te bater?”.
Na maioria dos estados, não há efetivo de autoridade policial suficiente e não há equipamentos para garantir a aplicação das medidas protetivas, como é o caso das tornozeleiras eletrônicas. “A lei prevê um aparato para o atendimento da mulher, mas o governo não dá esse suporte de psicóloga, assistente social ou um lugar adequado para receber a mulher que sai de casa. Em Florianópolis, não há”, cita a representante da OAB.
A Lei Maria da Penha abrange as violências domésticas, não apenas a física. Inclui a violência psicológica, moral, sexual e patrimonial. A violência psicológica é a mais difícil de comprovar, na opinião da advogada. O agressor ameaça a mulher de morte, diz que ela nunca mais ver o filho, que vai ser expulsa de casa, vai ficar sozinha e sem patrimônio, por exemplo. E muitas vezes essas mulheres não são incluídas como Lei Maria da Penha ou medida protetiva porque o ato ainda não ocorreu. “Já ouvi coisas na delegacia do tipo: ‘mas ela não apanhou ainda, doutora’. A lei não diz que é preciso esperar a mulher apanhar primeiro, a lei diz que é preciso protegê-la”, enfatiza Alliny.
Para a advogada, é inegável que a questão cultural, o modelo patriarcal, faz com que as mulheres sejam vitimizadas até por outras mulheres. Por isso, ela considera a educação nas escolas fundamental. A lei prevê que haja educação contra a violência nas escolas. Na contramão disso, as questões de gênero foram abolidas do currículo escolar no plano nacional e nos planos estaduais de educação. “Enquanto a gente não mudar o pensamento da sociedade, especialmente das novas gerações, enquanto não tivermos equidade de gênero em todos os âmbitos, a violência não vai se extinguir”, diz a advogada.
Com visão otimista, ela considera que as campanhas de conscientização e as discussões são importantes para que a sociedade mude, entenda que as mulheres têm o direito de ir e vir e de decidir quando querem findar uma relação. “Para acabarmos com o machismo e a ideia de que as mulheres são propriedade dos homens é de suma importância que a sociedade comece a evoluir.”
Paz em casa
A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou a OAB de todo o país a participar da campanha “Justiça pela paz em casa”, lançada no ano passado. Além de garantir a divulgação ampla da Lei Maria da Penha, o STF pretende promover ações concentradas em todo o Brasil para desengavetar processos e evitar a sua prescrição dos prazos. Conforme Alliny Burich, nas varas em que houver concordância dos juízes e da promotoria haverá ações concentradas, com mutirões de julgamento.
PL 7/2016
A Lei Federal 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, poderá ser alterada pela primeira vez por um projeto polêmico. O Projeto de Lei 7/2016 modifica e acrescenta alguns dispositivos, por isso divide opiniões de operadores do direito e movimentos feministas. Esse projeto tem uma parte boa, na opinião de Alliny Burich, pois prevê que o atendimento nas delegacias seja feito preferencialmente por mulheres. Por outro lado, quer incluir um artigo que dá autonomia aos delegados para decidir sobre a concessão das medidas protetivas. “Via de regra, as mulheres não são bem atendidas nas delegacias. Se eu dou autoridade para que o delegado decida sobre a medida protetiva, isso pode ficar mais complicado ainda”, avalia Alliny. A OAB nacional já fechou posição pela inconstitucionalidade desse artigo.
Agência AL