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11/08/2016 - 12h59min

Ameaça é a violência mais registrada nas delegacias de mulher em SC

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Para a delegada Patrícia Zimermann, o basta à violência passa pela participação ativa da mulher

A forma mais comum de violência doméstica contra a mulher registrada nas delegacias especializadas em Santa Catarina é a ameaça. O problema é que as ameaças e agressões verbais costumam ser um gatilho para as explosões que resultam em violência física e feminicídios.

O chamado delito de ameaça, como classifica a delegada Patrícia Zimermann, coordenadora das Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente Mulher e Idoso (DPCAMIs), tem um diferencial em relação a outras formas de violência. Por se tratar de um crime de ação penal pública condicionado à representação, a vítima dispõe do direito de ação. Em outras palavras, ela pode fazer o boletim de ocorrência e não representar o denunciado. Isso impede o delegado de polícia de instaurar o inquérito e o promotor de efetuar a denúncia. E mesmo quando o inquérito é feito, o artigo 16 da Lei Maria da Penha possibilita que a vítima se retrate em uma audiência perante o juiz. “Infelizmente, muitas mulheres desistem nessa fase”, diz Patrícia.

A mulher que retorna ao convívio do agressor ou aquela que simplesmente desiste da ação penal representam um desafio no esforço de romper o ciclo de violência. “A gente vê que é uma questão de necessidade de empoderamento. A mulher precisa acreditar nela mesma e ter a consciência de que, com a participação ativa, ela vai conseguir ajudar a polícia, Ministério Público e Judiciário. O basta à violência passa pela participação ativa dessa mulher, e isso nós só vamos ter quando essa mulher se sentir empoderada e acreditada. Muitas vezes ela desiste não por uma dependência financeira ou por ameaça, mas por acreditar que sem aquele companheiro ela não vai conseguir viver. Isso é um fenômeno que a gente tem que compreender pra poder dar condições de que essa mulher consiga sobreviver sem a violência”, analisa a delegada.


Da ameaça ao crime
Quênya Rosa dos Santos recebeu muitas ameaças antes de ser morta pelo ex-companheiro, aos 24 anos, em São José. No dia 9 de novembro de 2011, foi atraída até a casa em que morou com ele e morreu asfixiada por esganadura. Na época do assassinato, já estava afastada do companheiro há mais de um ano. A dor e a necessidade transformaram a mãe de Quênya, Rosemere Clarete da Luz, 58 anos, em uma ativista na luta por justiça e pelo fim da violência contra as mulheres.

“Quando a minha filha morreu, por eu não poder pagar, por eu não ter nem como pagar o caixão da minha filha, eu tive que ir pra rua, não tive outra solução. Então eu me tornei o que hoje eu faço, porque eu não quero que aconteça com outras o que aconteceu com a Quênya, é muito triste perder uma filha assim.” A mãe relata que jamais pensou que Gabriel Alisson Silva mataria sua filha. Ela não aprovava o namoro porque ele a tratava mal. Após o fim do relacionamento, ele passou a ameaçar a família da moça, pois queria que ela voltasse. “Eu pedia bastante pra ela não se encontrar com ele, mas mesmo assim ela ia. Ela não imaginava que podia ser morta...”, lamenta a mãe.

O criminoso foi condenado em 2013 a 16 anos de prisão. Rosemere acha que a justiça foi feita, apenas lamenta que a pena seja tão branda porque ele poderá sair muito antes desse tempo – cumprirá no máximo um terço da pena, se tiver bom comportamento. “Se ele sair, ele vai matar, vai agredir de novo”, teme.

Para as mulheres que sofrem algum tipo de violência doméstica, Rosemere recomenda que denunciem, que não voltem atrás e que se afastem do agressor. Porque eles matam. Às vezes é a bebida, é o ciúme, é a raiva. Eles matam. A maioria já tem antecedente criminal”, alerta a militante. Outra recomendação para as mulheres é que tenham amor-próprio. “No primeiro xingamento, se afaste, pense nos filhos, eles sofrem violência junto com a gente”, ensina.

No dia em que conversou com a reportagem, Rosemere liderava uma manifestação pelas ruas do centro de São José, organizada pela ONG Furgot Arbeit, que luta pelo fim da violência doméstica. O grupo de mulheres, munido de faixas e cartazes, distribuiu fôlderes e panfletos com informações sobre a Lei Maria da Penha. Informar e incentivar que as mulheres denunciem qualquer tipo de agressão física ou moral é a missão que Rosemere assumiu depois da morte da filha.

O que falta fazer
A Lei Maria da Penha prevê alguns instrumentos de apoio que nesses dez anos não foram completamente implementados, caso das equipes multidisciplinares de atendimento. A delegada Patrícia destaca que a violência doméstica e familiar não é só um caso de polícia, de segurança pública. “Nós precisamos da equipe multidisciplinar, da assistência social trabalhando com essa mulher. E nós defendemos ainda mais do que o trabalho com as mulheres vítimas de violência, o trabalho com o cônjuge agressor, para que no caso de ele constituir nova família ou ele permanecer com essa, não volte a incidir em violência”, argumenta.

O trabalho com os filhos desse casal também merece atenção, na opinião da delegada. “A criança precisa entender que aquilo que ela presencia dentro de casa não é correto, não é normal. A grande questão que nós defendemos é o debate desses assuntos na educação. Nós precisamos trabalhar a questão de gênero na educação, temos que ensinar nossas crianças que a mulher, por ser frágil, não pode sofrer humilhação, não pode sofrer agressão, aí sim nós vamos interromper esse ciclo de violência.”

As 30 delegacias especializadas existentes no estado registraram 22 mil ocorrências de violência doméstica em 2015. Reduzir esse número é um objetivo ainda distante de ser alcançado. Há vários séculos de história por trás dessa cultura machista, do domínio patriarcal. “Se nós formos retomar a nossa história, nós não votávamos, nós não tínhamos o direito de processar o agressor nas ações penais privadas sem autorização do marido, então, a mulher ela vem conquistando passo a passo seus direitos. Nós precisamos agora mudar a consciência e isso vai ser de uma geração pra outra, por isso é que nós precisamos trabalhar forte na educação. Por isso que a gente fala: o trabalho é intersetorial, não é só da segurança pública”, aponta a delegada.

Lisandrea Costa
Agência AL

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