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09/08/2016 - 11h35min

Violência doméstica saiu do âmbito privado e ganhou visibilidade, diz promotora

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Promotora Helen Crystine Corrêa Sanches

A promotora Helen Crystine Corrêa Sanches, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital é a segunda entrevistada da série sobre os dez anos da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha colocou luz em uma situação que era privada e que dificilmente saía desse ambiente. As mulheres estão buscando exercer seus direitos contra esse tipo de violência porque o problema ganhou visibilidade e repercussão. Esse é o grande mérito da lei, na opinião da promotora Helen Crystine Corrêa Sanches, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital. Mais de 3 mil processos tramitam no juizado e cerca de 30 novos registros são recebidos todos os dias na Delegacia da Mulher de Florianópolis.

Numa sociedade em que homens e mulheres têm direitos iguais assegurados pela Constituição, por que as mulheres precisam de uma Lei Maria da Penha? A promotora reflete que a lei foi um grande marco para começarmos a mudar a cultura de forma diferenciada já que a igualdade de gênero não tinha avançado ainda no âmbito das relações privadas. Ao dar uma proteção diferenciada para a mulher, com ações afirmativas, o Estado brasileiro está tentando recuperar um déficit histórico e cultural. “A gente tem que garantir a igualdade de outra forma porque, numa relação afetiva, a mulher não tem a mesma condição de se defender”, diz Helen.

A promotora relata que, conforme as pesquisas estão demonstrando, a condição financeira não é mais o fator preponderante para a permanência da mulher numa relação violenta ou abusiva. É uma característica da mulher querer consertar e resolver as coisas. “As mulheres se sentem responsáveis por aquela relação. Está internalizado na própria mulher que ela precisa atender a família, por isso ela faz o possível pelo bem-estar e a felicidade dessa família. A lei diz que não é assim, você não precisa ficar nessa relação se você não quiser, você não pode ser vítima de violência numa relação de afeto, numa relação familiar”, frisa a promotora.

Existe ainda uma cifra oculta porque as mulheres que sofrem violência psicológica e moral, muitas vezes, nem aceitam que são vítimas de violência. É o caso das mulheres que são xingadas e menosprezadas por seus parceiros. Ao longo dos anos, isso vai destruindo a autoestima da mulher. Essas situações se agravam quando associadas ao consumo de álcool e droga, por crise e desemprego, nas festividades e após jogos de futebol. “As estatísticas mostram que a violência contra a mulher aumenta nas férias, no Natal, no réveillon”, destaca Helen.

As mulheres procrastinam na busca de ajuda quando a atitude violenta do companheiro está associada ao consumo de álcool ou droga. “A mulher justifica que o marido só fica violento quando bebe. Mas quando ele bebe ele sai batendo no patrão ou no vizinho? Não, ele só bate na mulher”, argumenta a promotoria. O que a promotoria tem feito nessas situações é encaminhar o agressor para tratamento ou recuperação. Nesses casos, mesmo que a mulher não queira processar o agressor, hoje isso não é mais decisão dela. “O homem precisa ser responsabilizado ou encaminhado para tratamento para que essa situação não se repita ou não se agrave. A lei Maria da Penha veio para acabar com a retirada do processo.”

Medidas protetivas
Questionada sobre a eficácia das medidas protetivas e a inexistência de aparato para a aplicação dessas medidas, Helen argumenta que “a segurança da mulher vítima de violência é uma responsabilidade compartilhada, mas, sobretudo, é uma responsabilidade dela”. O Estado não tem como garantir segurança 24 horas para uma mulher, nem mesmo com o uso de tornozeleira eletrônica ou outro dispositivo, não haveria aparato policial suficiente para isso. “A medida protetiva é um instrumento para coibir a violência, uma vez que o agressor será preso caso descumpra a medida. Mas o primeiro passo é a mulher querer se afastar desse agressor”, explica a promotora. Ela exemplifica que em algumas relações afetivas conflituosas, como entre mães idosas e filhos dependentes químicos, as medidas protetivas se tornam sem efeito porque as mães não querem se afastar dos filhos.

Em dez anos
Helen analisa que a Lei Maria da Penha trouxe uma série de expectativas em relação à estrutura que o Estado criaria para o atendimento das mulheres, mas a sua implementação ainda é incipiente. As delegacias da mulher funcionam mal e em 99% dos municípios catarinenses não existe atendimento específico, sendo as mulheres atendidas nos Centros de Referência de Alta Complexidade (Creas), que recebem as mais variadas demandas da assistência social. Conforme a promotora, na Capital existe um centro de referência específico para o atendimento de mulheres, mas foi uma iniciativa da municipalidade e uma conquista do movimento de mulheres e da rede feminista, que conseguiu manter esse centro fora da rede assistencial para garantir a especificidade do atendimento. Isso garante uma ‘escuta’ mais qualificada, mais específica para a questão de gênero. Além de Florianópolis, somente São Lourenço do Oeste e Dionísio Cerqueira dispõem de centros específicos.

Outro grande desafio é mudar a cultura, a educação para valores, a forma como os meninos e as meninas são ensinados em casa. Como mudar a sociedade quando a mãe acredita que é trabalho da menina, e não do menino, fazer as tarefas domésticas? “É preciso refletir sobre como eu educo meus filhos e como eu reproduzo estereótipos”, provoca a promotora. “Não existe graça em desqualificar a mulher. Eu sou mulher, eu tenho especificidades, essas especificidades têm de ser respeitadas. Eu tenho uma condição biológica específica, não é por isso que eu sou menos. É nessa perspectiva que temos que trabalhar”, ensina.

Lisandrea Costa
Agência AL

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