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24/10/2017 - 15h07min

Stélio Boabaid, médico generoso e político visionário

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O ex-deputado Stélio Boabaid, no Plenário da Assembleia Legislativa, em 1983. FOTO: Arquivo/Agência AL

(Entrevista realizada em setembro de 2013)

Quem vê Stélio Boabaid, aos 91 anos, caminhando tranquilamente pela avenida Marcolino Martins Cabral, em Tubarão, na direção do seu consultório para atender gratuitamente, deve apreciar a fortaleza física e a generosidade do doutor.

Já quem sobe o rio da tragédia de 1974 pela margem direita, antes de chegar na BR-101 passará defronte ao “grande fator de desenvolvimento local e regional”, a ex-Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina (Fessc), atual Unisul, criada em 1967 pelo prefeito Stélio Boabaid.

Mas se o médico podia ir e vir tranquilamente, o político nem sempre teve a mesma sorte. No tempo da ditadura civil-militar um coronel do Exército, comandante da unidade de Tubarão, chamou o prefeito da cidade para prestar depoimento.

“Chegaram a considerar que eu era comunista porque atendia de graça. Disse para eles que ‘minha preocupação era administrar para melhorar a comunidade, não tinha relacionamento com comunistas. Hoje o médico não é associado ao comunismo. Atualmente prepondera o fator financeiro, mas cuidar da saúde das pessoas é o objetivo número um”.

Destino, Tubarão
Maranhense de Rosário, Stélio nasceu inevitavelmente ligado a Tubarão, terra natal da mãe. O pai, Jorge Salomão Boabaid, era comerciante e se estabeleceu temporariamente na antiga Nossa Senhora da Piedade na segunda década do século XX.

“Aqui casou com minha mãe, Adília Cascaes Boabaid, mas depois de  cinco anos resolveu ir para o Maranhão”, contou o ex-deputado. “A vida lá era muito tranquila, à beira do rio Itapicuru, tomava banho diariamente, e as escolas funcionavam bem”.

Mas em 1953, depois de formado pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, aprovado em concurso público e com convite para dirigir um hospital em Madureira, Stélio ouviu o apelo da mãe, “vai lá para minha terra”. Veio.

Logo que chegou começou a trabalhar no Hospital Nossa Senhora da Conceição,  junto com os médicos Otto Feuerschutte e Luiz Campelli. “Funcionava a qualquer hora do dia e da noite, qualquer pessoa era atendida, quem tivesse condições de pagar, pagava, quem não podia era atendido assim mesmo. O médico atendia de tudo, da cesária à extração de bala. A especialização levou ao isolamento do médico”.

O nonagenário justificou sua opinião. “Certa noite atendi um trabalhador que recebeu um tiro, a bala se localizou no pulmão. Meus colegas achavam que não devia operar, mas decidi operar, tirei a bala, cuidei dele, sobreviveu. Por quê? Por causa da qualidade do ensino. Tínhamos todas essas práticas no curso, praticávamos no Hospital Miguel Couto, na Maternidade Escola das Laranjeiras e na Santa Casa de Misericórdia. Saí da escola preparado”.

Além disso, de acordo com Stélio, os estudantes atuavam diretamente nas comunidades pobres do Rio de Janeiro. “Todo dia alguém ia na Rocinha, fui lá várias vezes, à noite. Ninguém era hostilizado, nos recebiam muito bem, tinham consciência da nossa importância para a vida deles”.

Para o ex-deputado, os professores fizeram a diferença. “A maioria era formada na Europa e tinha uma visão humanista da medicina. Viam como era e transmitiam essa ideia de atendimento, ginecologia, cirurgia, tudo, era uma policlínica, e os professores ali, com os alunos. Todos aprendiam de tudo, facilitava muito”, explicou.

Atualmente Stélio atende apenas no consultório particular, três vezes por semana. “Vou continuar sendo médico até o fim. Hoje recebo pessoas que não conseguem consultas nas suas regiões. O atual prefeito prometeu que os postos iam funcionar, mas as pessoas vão ao posto e não têm fichas ou então marcam para três, quatro meses depois. Como uma pessoa doente vai ser atendida três meses depois? Então vão ao meu consultório, atendo de graça, uma média de 30 por dia”.

A política bate à porta
A popularidade de Stélio Boabaid chamou a atenção dos líderes do Partido Trabalhista Brasileiro, em Florianópolis. “O Doutel de Andrade veio aqui na eleição do Ivo Silveira, em 1965. O PTB fez um acordo com o PSD e o Doutel comunicou que eu havia sido indicado para concorrer contra o Willy Zumblick”.

O convite surpreendeu o médico, naquele momento preocupado apenas com o exercício da profissão. “Recusei, disse que estava envolvido o tempo todo com a medicina. Ele insistiu, ‘não, você vai, é convidado do governador’. Acabei indo e vencendo a eleição, depois me filiei ao MDB”.

O ex-prefeito lembrou com emoção a construção de 12 escolas no interior do município. “Fui ao Sertão dos Correias verificar a escola e vi uma construção quase caindo. Isso aqui é a escola? Chamei o secretário e determinei que construísse uma nova. E assim fui fazendo, de área em área”.

Terminado o mandato, Stélio voltou-se exclusivamente à medicina “Não quis continuar na política”. Mas não por muito tempo. “Em 1978 vieram com a história de que o MDB tinha de ter um candidato a deputado, a direção estadual pressionou, achavam que o candidato tinha de ser eu. Fui”.

Novamente se elegeu. “Nessa eleição os resultados dos atendimentos médicos ficaram claros. Em todos os municípios que tinha pacientes apareceram votos, Laguna, Imbituba, Orleans, Lauro Muller, Criciúma, Araranguá”, recordou.

Stélio ainda reelegeu-se em 1982 e 1986, presidiu o Poder Legislativo no biênio 85/86, foi deputado constituinte e depois de 12 anos no Palácio Barriga Verde abandonou definitivamente a política.

“Recusei a candidatura a deputado federal, preferi continuar apenas com a atividade médica”. Ele acha que tomou a decisão correta. “Ando na rua e sempre alguém me para, conta uma história, sou filha de fulano, aí fala dos atendimentos que fiz. Faço parte da vida de muitas famílias, nunca vi uma pessoa falar para outra um fato negativo da minha parte”, argumentou.

O vício do cigarro
“Quando cheguei em Tubarão fumava muito. Um dia estava fazendo uma operação em uma senhora, vesícula biliar. Pedi à enfermeira, ‘me dá a tesoura’, ela me deu a tesoura pequena. Peguei, mas parecia que pesava muito. Essa sensação de peso, de uma tesourinha, indicava que alguma coisa não estava funcionando bem. Fui para casa caminhando, pensei ‘deve ser o fumo, influencia a circulação’. Cheguei em casa e disse ‘não vou mais fumar’”. 

Para chegar aos 100
“Gosto de comer peixe duas vezes por semana. Não sou fã de bebida alcóolica, quando estudante ainda bebia uma cervejinha, depois parei. Não sou de comer muito, como frutas, verduras, legumes, de vez em quando carne, mais frango. Comida muito temperada, não.

Fiz muitos exercícios físicos, me lembro de um colega de Exército, mais forte do que eu, ele só chegava na metade do percurso. Então eu pegava a arma e carregava a minha e a dele, para ajudar.

Passei quase 60 anos caminhando dentro de hospital, o tempo todo, e geralmente ia a pé para o trabalho. Minha mulher dizia, ‘vou te levar’, respondia ‘vou andando’. Quero chegar aos 100, mas não sei, minha saúde está bem. Ano passado uma das minhas irmãs morreu com 104 anos e minha mãe faleceu aos 94”.

Serviço militar
Cumpri o serviço militar, fiz o curso de formação de oficiais da reserva. Bastante ginástica, exercício, muitas caminhadas. Não tinha intenção de seguir a carreira, mas foi bom fazer esse curso, principalmente o relacionamento com os colegas. Era 1945, o Brasil ia enviar tropas para a Itália, estávamos sendo preparados, mas daí a guerra acabou. Confesso que não tinha vontade de participar.

Saúde hoje
“Há muita reclamação sobre a maneira de atender, infelizmente. Os postos de saúde não funcionam adequadamente e as pessoas são acomodadas nos corredores dos hospitais. É lamentável que o progresso da medicina e o desenvolvimento social não mudem esse quadro, o país tem recursos”.

Burocracia
“Uma vez recebi carta de professora do Extremo Oeste, pediu que visse o processo dela na Secretaria de Educação. Fui lá, falei com a atendente e ela abriu uma gaveta, havia uma porção de papéis. Perguntei, ‘você despacha’? É a burocracia, sempre existiu”.

O amor, segundo a esposa Rosina Cargnin Boabaid
“Fui ao hospital fazer uma cirurgia de tiroide. Havia consultado, o médico avisou, ‘isso só com cirurgia, já marquei’. Fiquei internada alguns dias e ele me disse, ‘vou casar contigo’. Chegou para minha mãe e anunciou, ‘prepara tua filha que vou levar ela para mim’. Deu tão certo, a gente não tem problemas. Eu tinha menos de 20 anos. Ele é quietinho, mas bem humorado”.

A política
“Tentei praticar a política de modo positivo, conforme os estudos demonstravam as necessidades das comunidades”.

Vítor Santos
Agência AL

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