Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina Agência AL

Facebook Flickr Twitter Youtube Instagram

Pesquisar

+ Filtros de busca

 

Cadastro

Mantenha-se informado. Faça aqui o seu cadastro.

Whatsapp

Cadastre-se para receber notícias da Assembleia Legislativa no seu celular.

Aumentar Fonte / Diminuir Fonte
17/10/2014 - 14h57min

Famílias do Planalto Norte reclamam de desapropriações feitas nos anos 60

Imprimir Enviar
Produtores rurais e ex-proprietários de terra questionam métodos usados pelo Exército na ocupação das terras. FOTOS: Carlos Kilian/Agência AL

As comissões estaduais da verdade de Santa Catarina e do Paraná promoveram conjuntamente, na última terça-feira (14), na cidade de Papanduva, audiência pública para tratar das circunstâncias em que ocorreram desapropriações de terras no início da década de 1960 na região do Planalto Norte catarinense, para estabelecer o Campo de Instrução do Exército Brasileiro Marechal Hermes.

Representantes das famílias que perderam as terras prestaram depoimento, acusando o Exército de usar da força para tomar posse da área de 9,6 mil hectares. Segundo relatos, os camponeses tiveram 48 horas para deixar as propriedades e assinar um documento concordando com a cessão. Ficavam para trás lavouras, criação de gado e as moradias.

“Quando a lei vem, você entrega tudo. Como você vai lutar contra o Exército?”, desabafou João Pinto. Ele é um dos únicos ex-proprietários ainda vivo da área do campo de instrução, utilizado ainda hoje pelo Exército para exercícios de combate na mata.

“Só recebemos a ordem para sair. A ordem era de boca e tinha que assinar um termo de ordem de acordo. Eles avisaram: tinha 48 horas para sair”, lembrou o agricultor Dirceu Gonçalves de Lima, que na época, ainda adolescente, viu o pai, Manoel, já falecido, entregar a propriedade. “Colocamos tudo que deu numa carroça. Eu fui guiando. Levamos o gado pra longe, mas começou a morrer tudo”, contou à comissão da verdade.

Ao lado de outros camponeses, Dirceu prestou seu depoimento na comunidade de Arroio Fundo. Ele afirmou que, como sua família, muitas outras puderam retornar às propriedades sob a condição de arrendamento. “Tinha de pagar aluguel para o Exército e a terça parte do que era produzido na terra que era da gente”, afirmou.

Ibrahim Gonçalves guarda até hoje recibos do Exército onde consta o pagamento pelo arrendamento das terras do sogro. Contratos de aluguel também fazem parte de um dossiê entregue às comissões da Verdade catarinense e paranaense. Desde a década de 1970, o aposentado vem lutando para que se faça “justiça” com as famílias que entregaram as propriedades.

Decreto de desapropriação data de 1956
“São 89 ações de desapropriação, numa área total de 7.614 hectares”, disse Ibrahim, que guarda na memória os números dos decretos presidenciais, assinados por Juscelino Kubitschek e pelo então ministro da Guerra, Henrique Lott. No Decreto 40.570 de 18 de dezembro de 1956, modificado pelo de número 44.458 de 03 de setembro de 1958, consta a listagem de proprietários, benfeitorias e os respectivos valores dos “terrenos declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação”.

Segundo afirma Ibrahim, os valores oferecidos pela União na época eram “insuficientes para adquirir outros terrenos equivalentes aos tomados pelo Exército” e muitos se negaram a recebê-los.

O agricultor Ervino de Lima ainda guarda um mapa traçado à mão pelo pai, contratado pelo Exército para medir as terras que dariam origem ao campo de treinamento na área hoje pertencente aos municípios de Papanduva e Três Barras, que na época eram de Canoinhas. “O Exército treinou meu pai a medir terras. Foram anos abrindo extremas”, disse aos membros da Comissão da Verdade.

No desenho já desgastado pelo tempo vê-se uma grande área então pertencente à empresa Lumber (Southern Brazil Lumber & Colonization Company), que construiu a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, estopim para a Guerra do Contestado. Essas terras ficariam de posse do Exército Brasileiro onde foi instalado o campo de treinamentos.

Segundo os agricultores depoentes, o campo não foi utilizado como prisão na época da Ditadura. “Não tinha comunista aqui. Nunca vimos. De comunista, só o Exército”, ironizou Dirceu Gonçalves de Lima. “Não temos esperança de ter essas terras de volta”, desabafou ao final do depoimento.

Mágoa e Indignação
Durante a tarde, a audiência pública foi realizada na Câmara de Vereadores de Papanduva, com a presença de vários representantes dos antigos proprietários. Um sentimento de mágoa e revolta marcou a maioria dos depoimentos.

“Hoje para entrar na terra você precisa ter os papéis. E nós temos esses papéis [escrituras]. E por que não podemos entrar? Quem manda no Exército? Precisamos ter uma resposta para essa situação que dura 60 anos. Meu avô já faleceu, a maioria dos meus tios também e ninguém resolve isso. É uma questão de honra, de respeito. Essas pessoas estão morrendo com esses sentimentos”, desabafou da plateia Hélio de Assis Welka, neto de Jacob Schadeck.

Maria da Glória Vojciechovski afirmou que ainda hoje o Exército arrenda terras no local. “Se vocês forem lá dentro, vocês vão ver plantação, gado, fazenda de erva mate. O arrendamento é feito até hoje”, desafiou a viúva que prometeu ao marido falecido fazer justiça. “Não tenho medo de ninguém”, disse.

A advogada Silvane Lopes é procuradora de oito famílias em processos contra a União. Duas delas, recentemente, ganharam a causa com indenizações na ordem de R$ 500 mil. No seu depoimento, Silvane disse que o principal argumento da União é que a causa prescreveu. “Mas como prescreveu se não houve indenizações?”, questionou a advogada.

Em outra intervenção, Hélio de Assis Welka alertou que sua mãe, com 80 anos hoje, conta que na época o Exército ofereceu valores para indenizar os proprietários. “Minha mãe diz que o dinheiro estava à disposição em Florianópolis. Mas como era pouco, a maioria não foi buscar. Outros assinaram procuração para advogados buscarem o dinheiro, que quando apareceu era quase nada. E agora, alguém pode dizer com quem ficou esse dinheiro que estaria depositado em Florianópolis?”, perguntou Hélio.

Prisões
Os membros das comissões estaduais da verdade de Santa Catarina e do Paraná apuraram que durante a ocupação do Exército algumas prisões foram realizadas devido à resistência dos proprietários. Outras ainda ocorreram em 1980, quando um grupo invadiu, sem sucesso, o Campo de Instrução do Exército Brasileiro Marechal Hermes na esperança de reaver as terras.

Já Werner Fuchs, pastor da Igreja Evangélica Luterana no Brasil, teve a prisão decretada em 25 de julho de 1986, quando denunciou em Curitiba o caso de Papanduva. O caso ocorreu durante um ato público da Pastoral da Terra. Werner fez questão de repetir em seu depoimento as palavras ditas: “A farda do Exército está suja de terra roubada”. Sofreu Inquérito Policial Militar que lhe rendeu dois anos de condenação em regime aberto.

Relatos para Comissão Nacional da Verdade
Os depoimentos colhidos em Papanduva serão enviados à Comissão Nacional da Verdade, criada para apurar atos de violação dos direitos humanos durante o regime militar no país. “Temos aqui dois casos: a desapropriação e o do arrendamento da terra pelo Exército”, disse Derlei de Luca, membro da comissão catarinense.

O Exército não foi convidado a participar da audiência pública. “Decidimos assim para não comprometer a qualidade dos depoimentos das famílias que perderam as terras”, justificou Ivete Maria Caribé da Rocha, membro da Comissão da Verdade do Paraná.

Rony Ramos
Rádio AL

Voltar