Comissão recolhe depoimentos de catarinenses presas durante a ditadura militar
A Comissão Estadual da Verdade (CEV), com o apoio do grupo Coletivo Memória, Verdade e Justiça, levantou na tarde desta quarta-feira (5) novos depoimentos de mulheres catarinenses presas durante os períodos em que vigorou o Estado de exceção no país. Realizado no Palácio Barriga Verde, em Florianópolis, o evento integra a semana que marca os 40 anos de desaparecimento do ex-deputado catarinense Paulo Stuart Wright.
Esta é a 11a edição do evento, que procura reconstituir os fatos ligados a violações dos direitos políticos e civis entre 1946 e 1988. "São muito conhecidas as prisões efetuadas após 1964, com a edição do AI5, mas violações remontam a 18 de setembro de 1946, com a cassação do Partido Comunista e chegam até a promulgação da Constituição de 1988", destacou o coordenador da Comissão, Naldi Otávio Teixeira.
Até o momento, disse, já foram levantados 20 mil inquéritos policiais emitidos pelo Doi-Codi, dos quais foram constatadas as prisões de 15 mulheres catarinenses pela ditadura militar. As alegações para as detenções iam desde subversão até perturbação da ordem pública.
O objetivo do CEV é reunir as informações em um relatório, que posteriormente será encaminhado ao governador do Estado e à Comissão Nacional da Verdade. “Não estamos julgando ninguém e nem levantando bandeiras, mas apenas apurando os fatos, que precisam ser levados ao conhecimento da sociedade catarinense".
Depoimentos marcados pela emoção
Ao todo, foram registrados os depoimentos de sete catarinenses, histórias marcadas pela emoção e esperança de que fatos semelhantes não voltem a acontecer.
Um dos relatos mais contundentes foi apresentado pela dentista e historiadora lagunense Marlene Soccas. Ex-integrante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Marlene foi presa em São Paulo em maio de 1970, onde permaneceu por dois anos e meio. "Fui levada para a sede da Operação Bandeirante (Oban), centro clandestino do Exército e financiado por empresários para cassar, torturar e matar os opositores do regime e que mais tarde se transformou no Doi-Codi".
Ela relembrou os doze dias em que foi submetida pelos militares a torturas, físicas e psicológicas, para que entregasse os demais companheiros. "Já no começo mandavam tirar toda a roupa, para nos deixar em uma situação de vulnerabilidade, à qual se seguiam choques elétricos, palmatórias, pancadas e agressões físicas em aparelhos como pau-de-arara e cadeira dragão".
Marlene recorda que na Oban conheceu a atual presidente Dilma Rousseff, que havia sido encarcerada no local quatro meses antes. "Não éramos coitadinhos, sabíamos perfeitamente dos riscos que corríamos, mas estávamos dispostos a pagar o preço para que houvesse uma transformação social no país", frisou.
Um caso curioso levantado durante a audiência e que demonstra o rigor político e social vigente na época foi relatado por Rosangela de Souza, detida em 30 de novembro de 1979, aos 23 anos, por ter "faltado com o respeito com o general Figueiredo", presidente do país na ocasião. "Eu era estudante de Direito na UFSC e com meus colegas, organizei uma manifestação pública contra o governo. Foi o suficiente para ser presa por dez dias e responder processo no Tribunal Militar em Curitiba". A detenção aconteceu no Hospital Militar, em Florianópolis, onde permaneceu incomunicável por oito dias, sendo interrogada e ameaçada continuamente.
Hoje advogada, Rosângela destacou que diversas informações referentes ao período militar ainda não são do conhecimento da sociedade. "Tivemos acesso a uma pequena parte dos arquivos, principalmente do Exército, mas ainda falta liberar os documentos da Marinha, responsável pelos piores casos de tortura e desaparecimentos. Estamos pressionando a presidente Dilma para que isso aconteça, mas ainda há uma grande pressão dos militares para que certos acontecimentos não venham a público".
Durante a audiência foram ouvidos ainda os relatos de Derlei Catarina de Luca, Rosimeri Cardoso, Maria Isabel Camargo Regis, Raquel Felou e Marize Lippel.
Agência AL