Comissão Estadual da Verdade ouve médico que assinou laudo de Higino Pio
A Comissão Estadual da Verdade (CEV) ouviu nesta segunda-feira (30) o médico legista Léo Meyer Coutinho, hoje aposentado, que em 1969 assinou o laudo cadavérico do ex-prefeito de Balneário Camboriú, Higino Pio (PSD), morto na Escola de Aprendizes de Marinheiro do Estreito, em Florianópolis. De acordo com Léo Meyer, que não lembrou do caso, o fato do laudo indicar asfixia por enforcamento não autoriza a conclusão de que foi suicídio ou assassinato. “Às vezes querem dar ao médico um poder que ele não tem. O médico descreve a causa da morte, mas outras circunstâncias não”, declarou o legista, que ponderou a necessidade da perícia técnica no local para definir se o enforcamento foi voluntário ou não.
O presidente da CEV, Anselmo Machado, lembrou que a perícia contratada pela Comissão Nacional da Verdade concluiu que Higino Pio foi assassinado e esclareceu que a perícia técnica que indicou suicídio foi assinada pelo então capitão Ítalo Brasil França. “A Marinha do Brasil não respondeu às indagações da CEV acerca do paradeiro do oficial médico”, informou. Já o doutor Léo Meyer ponderou que o laudo foi assinado por outro médico, o legista José Caldeira Ferreira Bastos, o qual será convidado pela CEV para ajudar esclarecer o caso.
Sérgio Grando
A CEV também ouviu o depoimento do ex-prefeito Sérgio Grando, que foi preso a primeira vez em 13 de dezembro de 1968, quando tinha 18 anos e presidia o grêmio estudantil Nilo Peçanha, da Escola Técnica Federal. “Estávamos no DCE, localizado na rua Álvaro de Carvalho. Trabalhávamos no mimeógrafo, imprimindo as teses que seriam discutidas no congresso regional da UNE. Quando saímos do DCE, depois da meia-noite, recebemos voz de prisão e vimos que as ruas estavam cercadas”, descreveu Grando, que foi conduzido à delegacia de polícia situada ao lado do edifício Alpha Centauri, na av. Hercílio Luz, onde foi interrogado.
Grando afirmou que não foi torturado, mas contou que um dos militares, major Belfort, ameaçava submeter os presos à roleta russa. “Não sabíamos como essas pessoas eram perigosas”, explicou o ex-prefeito. Passados 15 dias, Grando foi levado à sede da Secretaria de Segurança Pública, na época comandada pelo general Rosinha e interrogado pelo policial Jucélio Costa. “Inquiria de forma educada”, revelou, acrescentando que a polícia desejava conhecer detalhes sobre a luta armada. “Nós éramos ideologicamente contra o acordo MEC/Usaid”, justificou Grando, explicando em seguida que morava sozinho, e que a casa, no Morro do Céu, era utilizada por militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Após a redemocratização Sérgio Grando filiou-se ao PCB e elegeu-se vereador, prefeito de Florianópolis e deputado estadual. “Sempre me considerei de esquerda, mas não posso admitir uma pessoa de esquerda que não luta pela unidade, não foi isso quer a gente quis para este país”, resumiu o ex-prefeito.
Érico Spoganicz
Érico Spoganicz, funcionário de carreira do Banco do Brasil, contou à CEV que foi preso duas vezes, ambas em Curitiba, a primeira de 14 a 24 de abril de 1964 e a segunda de 08 de maio a 07 de junho de 1966. “Minha atividade era sindical, diversos companheiros eram do PCB e eu participava de reunião com eles”, descreveu o ex-sindicalista, que foi identificado pelo Dops como comunista. “Não participava (do PCB), não tinha muito estudo sobre o comunismo e a filosofia de Marx”, afirmou.
Mas, para agravar a situação, Spoganicz viajara a Cuba representando o sindicato dos bancários. “Gostei imensamente do passeio, vi as primeiras discussões sobre a implantação da revolução, fomos a diversas corporações, era uma empolgação. Para mim, pelo menos, foi uma surpresa maravilhosa. Voltei encantado e comecei a falar bem de Cuba. Foi um desastre, houve uma pressão muito grande, não deixavam falar, mas fiz conferências em Paranaguá e Ponta Grossa e isso começou a criar uma revolta contra a minha pessoa, minha família. Fui cognominado comunista”, contou Spoganicz.
O ex-sindicalista, que esbanjou bom humor e vitalidade durante o depoimento, explicou à CEV que dos 80 funcionários da agência do BB em que trabalhava, 27 foram presos na primeira semana da “revolução” de 1964. “Nossa turma tinha contra si a turma do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad)”, justificou. Spoganicz contou que “não houve agressões” e que o inquiridor, major Valdemar Osvaldo Bianco, “queria saber se a pessoa era religiosa, se ia à missa, se comungava”.
Segundo Spoganicz, o Banco do Brasil transferiu os 27 servidores para cidades do interior do país. “Fui para Rio Verde, Goiás, e continuei respondendo o inquérito. Mas um simples habeas corpus tirou os 27 servidores do processo”, informou o ex-sindicalista, que arrancou risadas da plateia ao contar que os desterrados fundaram associações e sindicatos país afora e ao resumir as acusações formuladas contra si. “Criar um instituto Cultural Brasil Cuba, ser fidelista convicto, grande agitador e doutrinador, ter visitado Cuba, realizado conferências, ser pichador de muros e colador de cartazes e favorável às reformas de base”.
Eurides Humberto Barragan Loy
Eurides Humberto Barragan Loy, gaúcho de Santa Maria, contou aos integrantes da CEV que serviu na Força Aérea, mas desistiu da carreira militar e retornou a cidade natal. “Fui fazer engenharia civil na Universidade Federal de Santa Maria e passei a fazer política estudantil na UFSM. Acabei denunciado na auditoria militar, mas um ex-colega de escola recebeu a denúncia e disse que não ia registrar, que me conhecia, que tinha feito escola comigo”.
Apesar de nunca ter sido preso, Barragan acredita ter sido monitorado pelo SNI e denunciou que sofreu perseguições no antigo DNER e na Eletrosul, da qual foi demitido em 1985. “Fui perseguido lá dentro, demitido sumariamente”, declarou o engenheiro, que justificou não ter recorrido à justiça contra a demissão pelo fato de sua mulher também trabalhar na Eletrosul.
Um caso inédito
Heitor de Alencar Guimarães Neto, filho de Heitor de Alencar Guimarães Filho, ex-presidente do IPESC, morto a tiro em 1969, pediu à CEV que aprofunde as investigações sobre a morte do pai. Neto apresentou a CEV o ex-funcionário do IPESC, Milton Paulo Borges Leal, que testemunhou ter visto o ex-secretário de Segurança Pública do Estado, coronel Danilo Salgado Klaes, ameaçar de morte Heitor Filho na presidência do IPESC.
Segundo a testemunha, a ameaça aconteceu porque um filho do secretário de Segurança havia aplicado um golpe no Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina e havia sido descoberto. “Meu pai foi ameaçado de morte, morreu por arma de fogo em 20 de julho de 1969, quando estava afastado do IPESC pelo governador Ivo Silveira”. O presidente Anselmo Machado afirmou que a CEV vai analisar o caso.
Agência AL