Comissão Estadual da Verdade ouve depoimentos de ex-presos políticos
A Comissão Estadual da Verdade ouviu na tarde desta segunda-feira (15) os depoimentos dos ex-presos políticos Rosângela de Souza, Marize Lippel e Aimberê Machado, durante audiência pública realizada no auditório deputada Antonieta de Barros da Assembleia Legislativa.
Rosângela de Souza, hoje integrante da Comissão da Verdade da OAB/SC, foi presa no dia 2 de dezembro de 1979. “Fui retirada da cama às seis horas da manhã por policiais federais. Os carcereiros eram meus amigos de sala”, contou Rosângela referindo-se aos colegas do curso de Direito. A advogada sugeriu que a comissão levante a memória do período da ditadura militar. “Precisamos da verdade. Depois, de justiça. Muitos jovens que não cometeram crime algum foram assassinados pelo estado. Os assassinos têm de ir para a cadeia”, defendeu.
Rosângela criticou duramente a Lei da Anistia, que não permite, segundo o Supremo Tribunal Federal, a responsabilização dos torturadores. Ela revelou que na época era funcionária do Tribunal de Justiça e, apesar de concursada, foi demitida do cargo em comissão que ocupava.
Quando saiu da cadeia, Rosângela e outro funcionário do TJ foram recebidos pelo então presidente do Tribunal, desembargador João de Borba. “Ele foi honesto conosco, logo que saímos da prisão nos recebeu, fechou o gabinete à chave e nos disse: – Muito obrigado pelo que vocês estão fazendo. Lembro-me do abraço dele até hoje. Foi uma alegria poder contar com alguém, quando a imprensa inteira me chamava de baderneira”, contou Rosângela.
Marize Lippel, que foi colega de cela de Rosângela, também criticou a Anistia. “Ela veio para calar os cidadãos que em algum momento disseram não ao estado”, e defendeu a responsabilização dos agentes pagos pelo estado para torturar cidadãos brasileiros. Aludindo ao fato de que José Fritsch comentou durante a audiência que no episódio da Novembrada “as pessoas deram uns tapas na orelha do César Cals”, Lippel ponderou que “não estivemos lá para dar tapa em orelha de ninguém, éramos representantes e estávamos lá como tal. Hoje eu vejo os estudantes na rua, apanhando. Onde estamos nós?”, questionou a ex-presa política.
Aimberê Machado, de Criciúma, revelou que esteve preso de 6 de abril a 19 de junho de 1964. “Era funcionário concursado, me prenderam e simplesmente não deram mais satisfação. Sei o nome dos oficiais, o coronel Nilto Machado Vieira me interrogou no Plano do Carvão Nacional, além do capitão Mário Oscar Pinto da Luz, na época Subcomandante do Grupamento do Exército em Tubarão, e o tenente Clei de Matos Rodrigues, que foi um dos carcereiros. O motivo foi o fato de ter protestado contra a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA)”, relatou Aimberê.
Outros depoimentos
Sergio Uliano, do Coletivo da Memória de Criciúma, revelou que já dormiu no prédio da Assembleia. “Em 1975, na Operação Barriga Verde, estavam caçando o pessoal do PCB. Prenderam até membro da base, presidente de diretório acadêmico. Então fugimos para a Assembleia e a liderança do MDB nos abrigou”, lembrou Uliano, que questionou a direção da Comissão Estadual da Verdade se o Executivo já havia enviado ao Legislativo projeto de lei regulamentando a comissão, dotando-a de orçamento e de assessoria. Segundo o presidente da comissão, procurador Naldi Otávio Teixeira, esses problemas estão sendo sanados.
Uliano criticou aqueles que defendem uma investigação sobre os dois lados. “Se for verdade, temos que retroceder no tempo e corrigir um ato falho em Nuremberg. Que julguem os atos da resistência francesa contra os nazistas. Não existe essa história dos dois lados, o povo tem direito de resistir à tirania, até pela força, se necessário”, argumentou Uliano.
Clóvis Brighenti, membro do Conselho Indigenista Missionário e doutor em História, abordou a questão dos indígenas. “Durante minhas pesquisas surgiram documentos demonstrando como a ditadura militar violentou indígenas, individual e coletivamente. O SNI, através da ASI, investigava a ação do movimento indígena no Oeste, na reserva Xapecó, hoje municípios de Ipuaçu e Entre Rios”, explicou Brighenti, que informou sobre “proibição dos índios participarem de movimento político e demissão de um indígena de uma serraria por ter participado de reunião política”.
A deputada Ada Lili Faraco de Luca (PMDB) relatou a prisão do pai, deputado Addo Vânio Faraco, que foi cassado em 1964. “Tinha 14 para 15 anos, era madrugada quando invadiram minha casa e levaram meu pai, que na época era deputado. Permaneceu preso em Criciúma quatro meses e outros quatro em Curitiba. “De cinderela passei a leprosa, mas nunca mais parei de lutar, seja pela democracia ou pelos direitos humanos. Nunca me acovardei ou esqueci das pessoas que sofreram. Meu pai, quatro dias antes de morrer, me pediu: - Te candidata e resgata o mandato que o golpe me roubou”, contou emocionada Ada Faraco.
Participaram da audiência pública a deputada Luciane Carminatti (PT), José Fritsch, Derlei Catarina de Luca, desembargador Ronei Danielli, ex-deputado Vilson Santin, Marcelo Pomar, além de Ramiro Carneiro, membro da Comissão Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, bem como representantes da OAB e da UFSC e alunos do Cesusc.
Agência AL