Comissão debate projeto que garante presença de doulas em hospitais e maternidades
A reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa realizada na manhã desta terça-feira (3) foi marcada pela discussão do Projeto de Lei (PL) 208/2013, que garante a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato em maternidades e estabelecimentos hospitalares da rede pública e privada de Santa Catarina. A matéria é de autoria de Darci de Matos (PSD) e da então deputada Angela Albino (PCdoB).
O debate contou com a participação de representantes de doulas, da Secretaria de Estado da Saúde, da Associação Catarinense de Medicina (ACM), da Maternidade Darcy Vargas, de Joinville, e da Maternidade Sagrada Família, de São Bento do Sul.
Atuação
A palavra "doula" vem do grego e significa "mulher que serve". Sua função é prestar suporte físico e emocional a mulheres antes, durante e após o parto. "Antigamente era comum a futura mãe procurar outras mulheres mais experientes para se apoiar durante esse processo. Conforme o parto foi sendo tratado como assunto médico, sendo realizado em hospitais, as mulheres perderam essa referência. Mas o trabalho das doulas sempre existiu", ressaltou a doula Gabriela Zanella.
A doula não substitui os profissionais envolvidos na assistência ao parto, pois não executa procedimentos médicos ou de enfermagem, não interpreta exames e não cuida da saúde do recém-nascido. Também não cabe a ela tomar decisões pela gestante ou questionar condutas médicas. "Muita gente acha que a doula é uma parteira, mas não é isso. O trabalho consiste em cuidar da mulher, acolher, acompanhar, confortar, dar apoio por meio de exercícios, massagens, técnicas de respiração", esclareceu Gabriela, que exerce a função há 8 anos.
O texto do projeto de lei proíbe, por exemplo, que a doula realize procedimentos médicos ou clínicos, como aferir pressão, avaliar a progressão do trabalho de parto, monitorar os batimentos cardíacos fetais e administrar medicamentos. "Elas não são técnicas, são profissionais formadas por capacitação básica de cerca de quatro dias. Não precisam ser formadas na área da saúde. Entendem o parto como um evento fisiológico normal, seguro, coisa que nós, médicos, perdemos. Têm paciência, disponibilidade, empatia, intimidade, e experiência em outros partos", destacou a obstetra e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Roxana Knobel .
De acordo com a proposta, a presença da doula não substitui a do acompanhante escolhido pela parturiente, conforme garante a Lei Federal 11.108, de2005. A atividade faz parte da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Benefícios
Estudos apontam que a presença de doula proporciona diversas vantagens relacionadas à saúde das mães e dos bebês, como a diminuição nas taxas de cesáreas, na duração do trabalho de parto, nos pedidos de anestesia, no uso de ocitocina sintética e de fórceps. "Há evidências científicas consistentes que demonstram esses benefícios. Esperamos sensibilizar os deputados e mostrar a importância do trabalho da doula", disse Gabriela. "Há evidências claras de que a doula, como profissional treinada, melhora os resultados", acrescentou Roxana.
A presença da doula na cena do parto também contribui para a redução dos custos do sistema de saúde, devido à diminuição de procedimentos, intervenções e do tempo de internações de mães e de bebês. "Temos no Brasil uma taxa altíssima de cesarianas e intervenções médicas, o que causa um impacto considerável na saúde pública", disse a representante das doulas.
Na avaliação da coordenadora da Rede Cegonha da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Carmem Regina Delziovo, é preciso implementar um novo modelo de atenção à saúde materna e infantil no país. "Temos uma triste realidade no estado: 60,1% dos partos em Santa Catarina são cirúrgicos, quando a Organização Mundial de Saúde preconiza que o limite aceitável é de 15%. Isso mostra que algo não vai bem, é um dos motivos que nos leva a discutir o modelo. É um desafio para todos nós. Temos que aprimorar o processo, organizar a rede, com cuidado centrado na mulher, no bebê e na família."
Carmem citou o Hospital Sofia Feldman, de Belo Horizonte (MG), como um exemplo de instituição que trabalha com doulas comunitárias voluntárias. "Além do aumento da qualidade e na grande contribuição para a humanização do atendimento, a presença amigável e constante das doulas produz resultados como redução do tempo de trabalho de parto, redução do uso de medicação para alívio da dor, redução do índice de cesárea, aumento da taxa de aleitamento materno, exclusivo ao seio, incentivo ao resgate do parto normal."
Ressalvas
A diretora administrativa da Maternidade Sagrada Família, de São Bento do Sul, Zélia Ignaczuk Zeitamar, manifestou algumas preocupações em relação ao projeto de lei. Dentre elas, a falta de espaço físico nas maternidades e hospitais, a formação das profissionais, a possibilidade de estabelecimento de vínculo empregatício e a regulamentação do pagamento do serviço prestado pela doula. "Não somos contrários ao projeto, mas temos algumas preocupações. Atendemos, em média, 75% dos pacientes pelo SUS. Quem paga pelo serviço? As doulas vão fazer o trabalho como voluntárias? Porque a lei proíbe qualquer tipo de cobrança de pacientes atendidos pelo SUS. Mesmo aqueles atendidos por planos de saúde, como será a regulamentação desse pagamento?"
Para o presidente da Associação Catarinense de Medicina, Rafael Vasconcellos, o foco deve ser a segurança. "É preciso fazer com que a presença de doulas nas maternidades seja bem regulamentada para trazer a segurança almejada. Não podemos apressar as coisas e perder requisitos de segurança dos pacientes. É uma discussão que temos que travar juntos. Temos que conversar para chegar a um ponto em comum", frisou. Vasconcellos também destacou a falta de espaço físico nas maternidades e hospitais, questionou a regulamentação da profissão de doula e ressaltou a necessidade de cadastramento das profissionais nas instituições.
O diretor-geral da Maternidade Darcy Vargas, de Joinville, Fernando Marques, enfatizou a postura da instituição de reconhecer o direito da presença da doula no ambiente hospitalar. Ele detalhou o termo de conduta elaborado para a adequação ao novo modelo. Considerada a maior maternidade pública ligada à SES, a Darcy Vargas é responsável por cerca de 500 partos ao mês, com um índice de cesáreas de 36%. Além da falta de espaço físico nas maternidades e hospitais, Marques manifestou sua preocupação em relação à autonomia da equipe médica e de enfermagem. "É uma mudança de cultura. Precisamos construir de forma responsável. A ideia é somar, é dar mais segurança à paciente e ao bebê."
Já o deputado José Milton Scheffer (PP) declarou ser contrário à aplicação de multa a instituições, em caso de infração da lei, conforme prevê a matéria. "Multar não é o caminho. Traz preocupação em relação à situação dos hospitais filantrópicos, que passam por crise sem precedentes em função da falta de reajuste tabela do SUS."
Na condição de autor da matéria, Darci de Matos esclareceu algumas dúvidas levantadas durante o debate. "O projeto não exige que os hospitais coloquem doulas à disposição. Ele possibilita abrir as portas e aceitar o trabalho delas. A assinatura do termo de conduta pode evitar a alegação de vínculo empregatício. Quanto à cobrança de multas por infração, acredito que se não tiver punição, a lei não terá eficácia. Além disso, o PL prevê o prazo de dois meses para regulamentação da lei após a sanção do governador".
Tramitação
De acordo com a presidente da comissão e relatora do projeto, deputada Ana Paula Lima (PT), a proposição deve ser aperfeiçoada. " Será adaptada da melhor forma possível, com as colaborações apresentadas, pois alguns pontos não são consensuais", declarou. "Temos que nos despir de vaidades e preconceitos. É um caminho sem volta. As mulheres precisam ser respeitadas em suas escolhas. Elas têm que ser protagonistas nesse momento", complementou.
Participaram também da reunião os deputados Fernando Coruja (PMDB), Dalmo Claro (PMDB), Doutor Vicente Caropreso (PSDB), Cleiton Salvaro (PSB) e Cesar Valduga (PCdoB).
A deliberação da comissão está prevista para o dia 11 de novembro. Antes de seguir para votação em plenário, o PL deve ser analisado pelas comissões de Direitos Humanos e de Trabalho, Administração e Serviço Público.
Rádio AL