A história de Colombo Salles, governador por acidente
Reportagem de Vitor Santos
Fotos de Solon Soares
O corpo já exibe os sinais inexoráveis da idade, mas a mente de Colombo Machado Salles (87) está tão ativa quanto antes e o governador que um dia foi e o professor que jamais deixou de ser revelam à Agência AL um passado anômalo da história política catarinense.
Em 1970, este lagunense radicado em Brasília, engenheiro civil formado em Curitiba, sem vida política no estado, foi repentina e surpreendentemente indicado governador pelo presidente Médici. O gesto demonstra a desconfiança dos generais com os políticos catarinenses, liderados por Irineu Bornhausen (UDN) e Aderbal Ramos da Silva (PSD). “Foi um acidente”, define o ex-governador.
Surpresa e contrariedade
Quando a escolha foi divulgada pelo Planalto, Colombo estava em São Paulo, dando aula na Faculdade Mackenzie. “Pensei que os estudantes iam vaiar, era uma decisão dos militares, mas aplaudiram”, recorda. A mulher, dona Dayse, os filhos Marcelo, Maria José e Bertholdo souberam da notícia em casa. “Foi um susto, estava estudando. Minha mãe entrou em casa apavorada”, descreve Maria José.
O ex-governador não esconde o riso ao lembrar a surpresa no meio político barriga verde. “Houve muita contrariedade. Eu nem sabia que o Aderbal era chefe político. Não convivi com os líderes da época, só ocasionalmente”. Além de surpreendidas, as lideranças tradicionais ficaram de mãos atadas. Colombo tinha total liberdade de ação. “O presidente Médici não condicionou nada”, revela o ex-governador.
Força total
Ao contrário dos outros governadores, obrigados a compor suas equipes com líderes ou pessoas indicadas pelos partidos aliados, Colombo escolheu seus auxiliares livremente, inclusive de fora do estado.
“Escolhi o vice-governador (Atílio Fontana, da Sadia) e os secretários depois de ouvir a opinião pública, e o presidente da Assembleia (Nelson Pedrini) após consultar os deputados. Eu ambicionava um sistema de governar mais humilde e com mais produtividade. Não fiquei satisfeito. Quando a gente faz alguma coisa, gera outra necessidade”, avalia.
O engenheiro e o administrador
Apesar do tom modesto, foram os méritos de engenheiro e de administrador que levaram Colombo Salles ao Palácio Cruz e Sousa. Aprovado em concurso público da União e lotado no Departamento Nacional de Portos, Rio e Canais, assumiu a administração do porto de Laguna em 1951, permanecendo na cidade até 1963.
Nesse ano o ministro de Viação e Obras Públicas, Hélio de Almeida, visitou Santa Catarina e ficou impressionado com um trabalho acadêmico de Colombo, um modelo reduzido do porto de Laguna, que havia chamado a atenção de pesquisadores franceses. Pouco tempo depois foi nomeado chefe de gabinete da administração do porto do Rio de Janeiro.
Em 1964, com os militares no poder, Colombo foi nomeado secretário de governo de Brasília, acumulando, a partir de 1966, as pastas da Educação e Cultura e a de Finanças do Distrito Federal. Nesse período, liderou campanha pelo plantio de árvores no Plano Piloto. “Não tinha vegetação. Não tinha sombra. Então eu resolvi convencer os brasilienses a plantar árvores”.
Em 1966 a Marinha concedeu-lhe a medalha Mérito Tamandaré. Estava integrado ao sistema, gozava da simpatia dos militares, principalmente do ex-coronel Mário David Andreazza, um dos protagonistas da ditadura, ministro dos Transportes durante os governos Costa e Silva e Médici.
Já o administrador e articulador de equipes, ironia do destino, foi beneficiado pelo rolo compressor do doutor Aderbal, que elegeu Ivo Silveira e derrotou Alcides Abreu na convenção do PSD de 1965. Sem clima na Ilha, Alcides, que havia criado e gerido o plano de metas do governo (Plameg) de Celso Ramos, aceitou convite de Colombo e mudou-se para Brasília.
A parceria se consolidou na capital federal e continuou no governo do estado. Alcides se transformou no principal articulador do Plano de Desenvolvimento Catarinense, o programa de governo de Colombo, chamado ironicamente de “carnê fartura”, alusão ao volume de recursos que a realização do plano exigia.
Entretanto, impulsionado pelo milagre econômico dos primeiros anos da década de 1970, a amizade com os generais e uma equipe de governo experiente e competente, que mesclou técnicos e políticos, Colombo cumpriu o programa, tornando-se um dos mais exitosos governadores da história, com obras de vulto como o aterro da Baía Sul e a ponte que leva seu nome, a segunda ligando a Ilha de Santa Catarina ao continente.
Inquilino ilustre
Outra circunstância, na época absolutamente casual, ligou Colombo a Médici, o general que em 1970 o indicou ao governo catarinense. Depois de formado, em 1949, Colombo trabalhou em Curitiba e colegas de escritório convenceram-no a entrar de sócio na construção de um prédio residencial no Rio de Janeiro. Acabou aceitando e se tornou proprietário de um imóvel cujo primeiro inquilino foi Garrastazu Médici.
Reação oligarca
O presidente Médici integrava a linha dura, que pregava o combate às oligarquias estaduais. A indicação de Colombo mirou este objetivo, gerando mal estar na Arena. Mas os líderes logo absorveram o golpe e o partido, que tinha ampla maioria na Assembleia, elegeu unanimemente Colombo Salles governador em 6 de dezembro de 1970.
Logo após ser indicado Colombo já arbitrava desavenças na Arena. Nesse ano, em outubro, houve eleição para os legislativos estadual e federal e Sadi Marinho, de Xanxerê, era pré-candidato a deputado estadual. Na última hora, para beneficiar candidatos da cúpula arenista, o seu nome foi retirado da lista. Bastou contudo uma ligação a Colombo Salles para Sadi voltar a figurar entre os candidatos.
Mas uma vez instalado o governo, a Arena se dividiu entre os representantes das oligarquias e os chamados renovadores. “O estado não pode continuar sendo uma grande fazenda comandada por apenas três capatazes (as famílias Ramos, Konder e Bornhausen) e três milhões de peões a obedecer suas ordens”, pregavam, entre outros, os deputados estaduais da Arena Henrique Córdova, Epitácio Bittencourt, Aldo Pereira de Andrade, Gentil Belani, Homero de Miranda Ramos, Celso Ivan da Costa, Afonso Ghizzo, Nelson Pedrini e Wilmar Ortigari.
Apesar da repercussão popular positiva do discurso antioligárquico, os renovadores foram derrotados na articulação para a escolha do sucessor de Colombo Salles. Enquanto hesitavam em torno dos nomes de Glauco Olinger, Pedro Collin e Sérgio Uchoa Resende, os chefes udenistas Irineu e Jorge Bornhausen e os pessedistas Aderbal, Celso, Joaquim e Renato Ramos se fixaram em Antonio Carlos Konder Reis, indicado pelos militares e eleito governador. “Não participei da articulação da minha sucessão”, explica o ex-governador.
Frases
“O ministro Hélio de Almeida (Viação e Obras Púbicas, governo João Goulart) esteve em Laguna e gostou de um trabalho meu, um modelo reduzido do porto de Laguna”. Colombo, explicando por que foi para o Rio de Janeiro.
“Tinha uma atividade muito grande em Brasília. Fazia, organizava. Era presidente da Novacap, todo dia tinha notícia nos Diários Associados e repercutia no Brasil inteiro”.
“Não tinha relação política (com os líderes catarinenses)”.
“É grande a responsabilidade do administrador público. Eu fiz aquilo que julgava que devia fazer”.
“Não conhecia o Oeste. Em Chapecó ouvi as pessoas dizerem ‘lá em Santa Catarina’. Eles tinham razão. Os filhos iam estudar no Paraná ou no Rio Grande do Sul. Aquilo me impressionou muito. Toda sexta-feira me deslocava para um município do interior”.
“Ao senhor Colombo Salles, com nossos agradecimentos e muita estima. Médici”.