Baixo efetivo da PM faz Sul da Ilha adotar solidariedade de vizinhos contra a violência
Diante do baixo efetivo da Polícia Militar, que dispõe de 100 a 120 policiais em cada um dos quatro turnos diários na Capital, as comunidades do Sul da Ilha reagiram criando e replicando o programa Vizinho Solidário, no qual cada um cuida da casa do outro. “Fazer segurança sem pessoas fica difícil, tem de usar a criatividade e contar com comprometimento dos policiais”, explicou o tenente-coronel Marcelo Pontes, comandante do 4º Batalhão, responsável pelo policiamento no Leste e Sul da Ilha, durante audiência pública das comissões de Segurança Pública e Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, realizada na noite dessa terça-feira (12), no centro comunitário da Fazenda do Rio Tavares, em Florianópolis.
Entre as alternativas para amenizar a carência de pessoal, segundo o comandante do 4º Batalhão, destacam-se o uso racional dos agentes e a troca de informações com a comunidade.
Ane Félix, uma das coordenadoras do programa Vizinho Solidário, implantado há um ano na comunidade Vila Luz, próxima da empresa Pedrita, no Rio Tavares, concordou com o militar. “A criminalidade era bem significativa, eram registrados em média 54 boletins de ocorrência por mês. Agora fechamos março com quatro, dois furtos e duas tentativas de furto”, contou a coordenadora.
De acordo com Ane Félix, o Vizinho Solidário nada mais é que um grupo de moradores que se reúne e interage entre si e com as polícias Militar e Civil para, juntos, enfrentar a violência local. “Não podemos ficar em casa esperando que a polícia faça alguma coisa. É fácil, não custa nada, começamos com 50 moradores, hoje 450 participam, a união é muito grande, praticamente conhecemos todo mundo, sabemos quem é suspeito”, revelou Ane Félix, ponderando em seguida que a polícia somente é acionada quando “o assunto é sério e o crime está acontecendo”.
José Galvani Alberton, que representou o Ministério Público na audiência, elogiou o programa. “É a construção de uma nova cultura, vou sugerir que essa proposta seja estimulada pelo MP em outras regiões do estado”, declarou. Para o procurador, o papel do MP é aglutinar as forças de segurança. “Evitando que trabalhem desconexas, é isso que o MP deve fazer, não queremos policiar a polícia, queremos juntar os quadrados, este é o nosso propósito”, enfatizou.
Além disso, o procurador ressaltou a importância do cidadão registrar o boletim de ocorrência na delegacia ou no ambiente virtual. “O registro de todas as ocorrências policiais permite o diagnóstico criminal”, informou Alberton. Segundo o tenente-coronel Pontes, a contabilidade e a análise dos BOs são o ponto de partida do planejamento da segurança pública. “A partir deste fato focamos o policiamento”, esclareceu.
Margarete Crepaldi, também coordenadora do programa, lembrou que o combustível do Vizinho Solidário é o comprometimento. “Não tem segredo, está sendo implantado em várias comunidades, nós temos a força”, resumiu.
O Sul da Ilha reclama
Em três horas de audiência, que foi requerida e presidida pelo deputado Gean Loureiro (PMDB), 35 cidadãos se manifestaram, alternando elogios aos policiais e críticas à gestão da segurança pública.
“Não aguento mais a enrolação do poder público, já participei de reuniões iguais a esta, infelizmente a gente não vê melhoria. Sempre pedem BOs, mas nas delegacias riem na nossa cara. Vou fazer o quê lá, se não tem ninguém para ajudar. Peço clemência, não aguentamos mais, sejam realmente a nossa voz, não finjam que a 2ª DP está trabalhando, a delegacia está fechada, sem investigador e com mal atendimento”, desabafou Jaqueline da Silva Bittencourt, do bairro Carianos.
“Atualmente o Sul da Ilha compreende 130 mil habitantes, um terço da população de Florianópolis e tem duas delegacias, uma na Lagoa e outra no Saco dos Limões, nenhuma na região. Temos dois postos policiais, Campeche e Tapera, mas o efetivo não atende as reais necessidades, dois policiais, quando não é um, com equipamentos frágeis, bicicleta e viatura”, lamentou Roseli Pereira, representante do Conselho da Mulher.
“Moro há 30 anos na Lagoinha Pequena, hoje as mulheres e as meninas não podem ir na praia sozinhas, houve tentativas de estupros, casos foram relatados à polícia, mas não teve investigação”, denunciou Cláudia Costa.
“Falta iluminação pública, a rua Pau de Canela não tem iluminação, fui assaltado no dia do meu aniversário, foram duas vezes em oito meses e já sei onde está o ladrão”, informou Ataíde Silva, da Associação de Moradores do Campeche, que defendeu a participação dos moradores na prevenção à violência. “A comunidade tem de colocar a cara a bater, tem de ser um X9 como diz o bandido”, ironizou Silva, que sugeriu à Polícia Militar investir em P2, como se chamam os policiais que atuam à paisana, disfarçados ou infiltrados.
“O Ministério Público é omisso, como pode deixar o governador fazer concurso e não chamar (os aprovados)?”, disparou José Andrino Mafioletti. Para o morador da Tapera, o fato do comandante da PM ser nomeado pelo governador dificulta a contenção da criminalidade. “Com o comandante sendo nomeado pelo governador é difícil sair do marasmo, fica com medo de brigar e perder o cargo. O comandante tem que ser técnico e não político. Lá na Tapera tem um posto policial, a comunidade deu tudo, hoje nem posto é, está fechado”, reclamou o cidadão.
Encaminhamentos
Gean Loureiro agradeceu a participação intensa da comunidade e declarou que a audiência do Rio Tavares é a primeira de uma série de quatro. “Vai ter no Norte da Ilha, na região do Itacorubi e no Continente”, informou Loureiro. Conforme explicou o deputado, todas as críticas e sugestões vocalizadas durante a audiência serão sistematizadas e entregues ao governador Raimundo Colombo e ao secretário de Segurança Pública, Cesar Grubba.
“A gente quer mostrar (a realidade) para o governador e para o secretário, tudo baseado em centenas de vozes que demonstram a decepção e a vontade de mudar este quadro caótico”, prometeu o parlamentar.
Prestígio em alta
Participaram da audiência pública o deputado Doutor Vicente Caropreso (PSDB), vários policiais militares, o delegado Werner Furlanetto, vereadores da capital, representantes da Guarda Municipal, de associações de moradores e de conselhos de segurança (Conseg’s), da região Leste e Sul da Ilha de Santa Catarina.
Agência AL