Vida de Anita Garibaldi supera a arte
“A vida da Anita Garibaldi é muito maior do que qualquer coisa que se possa elaborar dela na área literária, no cinema, no teatro, se já lá o que for. Há várias histórias que podem ser contadas em relação a sua vida, há várias facetas de Anita, nuances que poderiam ser exploradas. A infância, a juventude, o movimento em que se envolveu pela independência do Rio Grande do Sul, no Uruguai, o movimento da reunificação da Itália, só pelo fato dela ter sido a esposa do Garibaldi já geraria um grande filme”, avalia Rolando Christian Coelho, diretor dos longas-metragens “Anita Garibaldi” e ‘A Retirada’.
O cineasta, que além de jornalista é bacharel em psicologia e em ciência política analisa que, ainda que Anita tivesse sido meramente a esposa do herói italiano Giuseppe Garibaldi, já haveria uma grande história para ser contada. “Foi ela que conseguiu dar suporte emocional para que Garibaldi enfrentasse as mais diversas dificuldades nas batalhas. Na Itália, por exemplo, já em seu leito de morte, ela aconselhou seu marido a não se preocupar com ela e os filhos e a se preocupar com a Itália. Só essa frase já dá um filme, tanto que ela é reverenciada na Itália como a mãe da Itália.”
A vida de Anita foi fascinante, na opinião de Coelho. Em tenra idade, teve uma vocação republicana incomum naquele período histórico, naquela população rural. “Em vários aspectos, o que me chama atenção é a intensidade que ela foi vivida. Entre 18 a 28 anos, em apenas dez anos, percebemos na Anita uma mulher vulcânica, na medida em que ela participou de batalhas em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, buscando o ideal republicano, foi alicerce no Uruguai, apoiando Garibaldi, enquanto ele lutava por aquele país, e nas batalhas de reunificação italiana. Tudo isso aconteceu num curto período de tempo. Em dez anos, ela fez coisas que a maioria das pessoas que vivem 70, 80 até 100 anos e não chegam a fazer 10%. Ela participou literalmente da história do mundo.”
O jornalista destaca que Anita participou do surgimento de países, da consolidação de nações, teve papel decisivo inclusive nos nortes da Europa, do Continente americano, principalmente dos países do Conesul. “Tudo isso transforma a vida de Anita numa vida totalmente atípica, diferenciada e, sem dúvida nenhuma, numa vida atrativa para aqueles que gostam de história como eu gosto.”
Memórias
Para exemplificar a importância de Anita Garibaldi para a história, o jornalista e cineasta lembra que Giuseppe Garibaldi nas memórias que dita para Alexandre Dumas (romancista e dramaturgo francês, autor dos livros “Os Três Mosqueteiros” e “O Conde de Monte Cristo”, entre outros), ressalta que gostaria de ter um exército com várias Anitas. “Ele vê nela uma pessoa, independente do gênero, muito mais corajosa de qualquer outro soldado que esteja ali com ele. Por aí se observa a magnitude que tinha essa heroína no campo de batalha.”
Coelho observa ainda que Anita enfrentava a vida com maturidade e mesmo depois de ter tido vários filhos, permanecia ao lado de Garibaldi em suas aventuras. “Na Itália, por exemplo, ela faz questão de estar junto dele nos momentos cruciais das batalhas que ele enfrentava contra aqueles que não queriam a reunificação italiana. Inclusive, ela morre por estar junto com ele naquele momento. Se ela tivesse escutado o conselho dele para que ficasse em casa, provavelmente não teria morrido.”
Quem foi Anita
“Parece-me que Anita é uma mulher fruto de um rebuscamento muito grande por causa da morte prematura do pai dela, pelo fato de ter que assumir o comando da família em tenra idade. Em função disso, ela chega à adolescência como arrimo de família e uma pessoa francamente obstinada a mudar aquela realidade. Ela é aquele tipo de pessoa que diz o seguinte: olha isso aqui para mim não serve, quero algo mais”, analisa Coelho.
O que diferenciou Anita das demais mulheres da sua época, na opinião dele, é que ela era muito mais do que se podia imaginar, muito mais do que se pode imaginar nos dias de hoje. “Dificilmente uma moça de 18 anos largaria tudo para seguir um grande amor, seguir um ideal, que era um ideal muito difícil de ser alcançado. Ela queria criar um país, imagine o que é isso. Imagine uma pessoa com 18 anos querer criar um país, é uma coisa utópica. A Anita é um símbolo para todos nós, ela tinha muita coragem.”
Legado de Anita
O maior legado que Anita Garibaldi deixou é o exemplo de que os sonhos podem ser conquistados, acredita Rolando Christian Coelho. “A menina moça que sonhava com a república e foi atrás para consolidá-la, isso é um legado gigantesco, já que a maioria de nossos sonhos, de nós pobres mortais, acaba não sendo levado adiante pelas mais diversas circunstâncias. Ela em nenhum momento abriu mão de seus sonhos, a ponto a chegar à morte, devido a esse sonho, sonho de liberdade do povo, de ver na república a consolidação do país ao contrário da monarquia.”
Para o jornalista, infelizmente, apesar do reconhecimento oficial, de Anita Garibaldi fazer parte dos panteões dos heróis, ao lado de figuras como Tiradentes e D. Pedro II, é apenas um reconhecimento protocolar. “Parece-me que o que falta é uma maior divulgação da vida dela nas escolas, uma valorização da figura dela pelas secretarias municipais de cultura no Brasil.”
Os filmes sobre Anita
O longa-metragem “Anita Garibaldi”, produzido pelo cineasta Rolando Christian Coelho, com 1h42 de duração, conta a história dos primeiros anos de vida da heroína catarinense. O filme, ambientado na transição do Brasil Colônia para o Brasil Império, foi rodado no Sul de Santa Catarina e também na Serra Gaúcha. O roteiro mostra como uma menina crescida no interior de Laguna, em meio a uma família rural, se transformou em uma heroína conhecida em todo o mundo ocidental. O filme foi baseado integralmente em fatos reais.
Premiado nacionalmente, o filme busca a pessoa Anita Garibaldi, não a personagem, conforme explica o diretor. “Busca explicar como nós chegamos a ter na história do mundo uma pessoa como Anita. Retrata a infância e a juventude dela e teve como principal objetivo explicar às pessoas por que Ana, a Aninha, se transformou na Anita Garibaldi.”
Já o longa-metragem “A Retirada” conta a história da retirada das tropas republicanas de Laguna, em 1839, durante a Revolução Farroupilha, em direção ao Sul, depois de tentarem consolidar em Laguna a chamada República Juliana, que não deu certo e durou cerca de quatro meses, pois o império retomou o controle da região e os republicanos precisaram fugir para o Sul.
O filme foi baseado na obra “Memórias de Anita Garibaldi”, de autoria de Alexandre Dumas, e dirigido pelo jornalista Rolando Christian Coelho em parceria com o cineasta Olindo Estevão. Foca o encontro entre o escritor francês e Giuseppe Garibaldi, na época com 52 anos e exilado em Tanger, no Marrocos, depois de promover a unificação do território italiano. Embora o filme mostre momentos de heroísmo de Giuseppe Garibaldi, o foco principal é sua figura e seu caráter humanista.
Na avaliação do cineasta, a tentativa de fundar a República Juliana não deu certo por vários motivos. “Do ponto de vista econômico, tiveram muitos problemas para administrar a economia local, depois que o império fez uma série de restrições de entrada e saída de embarcações do porto de Laguna, aquilo que se chama hoje de bloqueio comercial. Empobreceu a comunidade, perdendo o apoio popular, além da perda do apoio da igreja e o ataque império.”