Medicina mantém cautela com relação à substância
Se para os pacientes que consumiram a fostoetanolamina a eficácia está comprovada, os médicos mantêm a cautela com relação à substância. Embora isoladamente alguns profissionais a tenham prescrito, as entidades de classe e associações ligadas à medicina criticam o uso da pílula do câncer e têm desautorizado os médicos a receitá-la.
A principal alegação é a falta de testes científicos que comprovem a eficácia da substância. Os primeiros estudos, realizados pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e pelo Ministério da Saúde, cujos resultados foram divulgados no dia 24 de março, apontaram que o conteúdo das cápsulas não é puro e que ela não tem eficácia contra células cancerígenas.
Além disso, a fosfoetalonamina não poderia ser receitada porque não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CRM-SP), por exemplo, pediu para que os médicos paulistas não receitem a substância, sob o risco de cassação do registro profissional.
A aprovação em março do projeto de lei no Congresso Nacional que libera o uso da fosfoetanolamina também recebeu reações contrárias. A Anvisa é contra a proposta e orientou a presidente Dilma Rousseff a vetá-la. “Essa substância tem que percorrer o mesmo caminho que qualquer outra substância tem que percorrer, seja no Brasil, seja em qualquer país do mundo, para ter seu uso liberado”, afirmou o diretor-presidente da agência, Jarbas Barbosa, ao defender que a pílula do câncer só possa ser usada após passar por todos os testes necessários para comprovar sua eficácia.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) também se posicionaram contra a liberação da substância. Em artigo veiculado na imprensa, os presidentes das três entidades afirmaram que os parlamentares, ao desprezarem a necessidade da realização de pesquisas científicas antes da liberação de um medicamento, estão colocando em risco a saúde pública. “Pessoas desesperadas tomam más decisões. Devemos cuidar para que isso não aconteça. É nosso dever preservar a vida”, afirmam a três entidades.
Em Santa Catarina, o presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), Rafael Klee de Vasconcelos, que é oncologista, também vê com cautela o uso da pílula do câncer. Apesar de reconhecer que há relatos de pacientes que obtiveram sucesso com a fosfoetalonamina, ele ressalta que a substância ainda não foi submetida a todos os protocolos científicos necessários para se comprovar sua eficiência.
“Não sou contrário [à fosfoetanolamina], mas sou a favor da comprovação de sua eficácia. Temos que acelerar o processo de validação científica da fosfoetanolamina. É importante frisar que ela ainda não foi testada o suficiente para se dizer que é eficiente para todas as pessoas”, afirmou o oncologista.
A respeito da prescrição da substância, Vasconcelos entende que essa decisão deve ser tomada em conjunto entre médico e paciente, mesmo sem o reconhecimento da pílula como medicamento. “Nós sabemos que o tempo é importante para quem recebe o diagnóstico de uma doença que pode lhe tirar a vida. Ao mesmo tempo, há um embasamento que normatiza as condutas dos médicos, e um deles é usar medicamentos que são reconhecidos. Mas se o paciente quer utilizar, ele tem o direito. Dentre os princípios da bioética, vale sim a capacidade de decisão do profissional médico e do paciente, apesar de não haver embasamento científico”, explicou.
Conforme Vasconcelos, a ACM não tomou partido nas discussões sobre a fosfoetanolamina. “Temos que nos ater aos fatos, às pesquisas científicas em laboratório, depois com animais e depois com humanos. Temos é que investir em pesquisa, em formação de recursos humanos para essas pesquisas”, disse.