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Publicado em 18/11/2022

Mais que um artista, um ativista que valorizava os artistas catarinenses

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Em entrevista à jornalista Deluana Buss, da TVAL, em 2019, a presidente do Instituto Meyer Filho e filha do artista Sandra Meyer Nunes, a curadora e crítica de arte Kamilla Nunes e o artista plástico florianopolitano Tércio da Gama falam da importância para a cultura e o legado de Ernesto Meyer Filho para a Santa Catarina. Meyer Filho se destacou pela originalidade em suas artes, com galos utópicos, natureza híbrida e cores vibrantes, além de ser um ativista para valorização dos artistas catarinenses.

A filha conta que Meyer Filho sempre participou dos movimentos estéticos e políticos de sua época. “Ele era muito intenso no que fazia e iniciou sua carreira artística nos anos 40 como chargista e todas as charges desta época falam da política brasileira, do comportamento das pessoas de Florianópolis. Ou seja, ele estava muito atento aos movimentos sociais, nas transformações de seu tempo.”

Sandra destaca que deste período que há uma charge que ela considera bonita, onde ele retrata o enterro do folclorista catarinense Franklin Cascaes e escreve que artista não prestigia artista nem no seu dia de enterro. “Só tinha cinco artistas no enterro de Franklin, ou seja, ele tinha este tipo de perspicácia, olhando o cotidiano, o comportamento das pessoas, no campo da arte, do campo da cidade, do social.”

Ela diz que seu pai sempre olhava para a cidade com um olhar critico politicamente. “Então, é natural que tenha feito parte da Revista Sul, como ilustrador. Ele sempre esteve nestas reuniões, nestes encontros, onde se discutia a arte moderna.”

A Revista Sul foi editada pelo grupo que liderou o movimento de arte moderna em Santa Catarina nas décadas de 40 e 50 - Circulo de arte de Moderna, mais tarde conhecido como Grupo SUL. “Foi o primeiro coletivo de artes visuais, nos anos 40 e 50, que se organiza como coletivo para lutar e tentar espaço de expressão na cidade.”

Segundo Sandra, Meyer Filho se considerava um autodidata. “Ele dizia que não existia na época escolas de arte, vamos pensar nos anos 40 e 50, os artistas criavam ateliês em suas próprias casas, o que ele fazia era ler muito e comprar livros de artes, onde ele olhava para o mundo. Ele gostava muito de estudar o espaço sideral, do fundo de quintal, dos animais até entender as estrelas.”

Meyer Filho revelou para Sandra que foi em 1947, quando morava em Curitiba (PR), onde trabalhava como funcionário do Banco do Brasil, que ele começou a desenhar e que foi numa exposição de artistas impressionistas em um museu local, onde teve uma espécie de “estalo” e percebeu que todos os esboços que ele fazia, aqueles rascunhos, eram obras de arte. “Que aquele desejo que ia crescendo de ser artista tinha uma possibilidade. Tinha um dado de realidade naquilo. Ele escreveu sobre esse momento que ele decide investir na carreira.”

Ela diz que Meyer Filho iniciou como chargista, desenhando no papel em preto e branco, sem cor ainda, com obras que retratam a cidade de Curitiba, desenhos de artistas de cinema, retratos, estudos de formas de cubos, bolas, enfim, como a tradição da época, começa a desenhar por essas formas, copiando um pouco a natureza, por meio de fotografias e também ao ar livre. Sandra lembra que em sua infância, a família fazia piquenique no interior da Ilha e Meyer Filho ficava observando a cultura local, desenhando em bico de pena, e aos poucos foi colocando cores. “Um amarelo aqui, um vermelho lá, um sol ou bico vermelho de um pássaro e daí esse mundo da cor foi entrando paulatinamente.”

Galos
Para Sandra, o seu pai era um “grande gozador”, que gostava de comunicação. “Ele foi chargista, escrevia crônicas na época e havia várias crônicas escritas sobre ele.” Sobre os galos retratados em suas obras, ela acredita que acabou sendo imagem, talvez um alto ego, que ele foi trabalhando durante anos, mas que no final acabou também limitando um pouco a percepção da obra dele.  “Tanto que uma vez alguém falou que ele só pintava galos, daí o que ele fez, pagou um outdoor, vários dele pela cidade, a gente tem esse material, e nele havia um desenho escrito arrombastes, Floripa! Que Meyer Filho só pinta galo. Isso saindo de um grande jacaré fantasioso, com bolinhas de quadrinhos, uma imagem que fortaleceu ele como artista mas o limitou.”

Ela avalia que os galos retratados por Meyer Filho tem uma ligação com sua com a sua infância. “O avô, os pais criavam galos de raças, galos grandes, há fotos e há rinhas de galo, naquela época não era proibido ainda, era uma prática muito brasileira e da Ilha, então várias coisas, o galo tem essa força em suas obras. Não há uma razão só, tem uma complexidade de elementos que eleva essa ideia de galo.”

Marcianos
“Ele sonhava com outro mundo possível e dizia que em Marte não havia guerra nem fome e que os jardins eram bem cuidados. Misturava realidade com ficção e brincou com a invasão do mundo por marcianos como fez o cineasta Orson Welles em 1938”, relembra Sandra. Para ela, a história de Marte é toda baseada neste contraponto com a Terra. Meyer Filho lia Carl Segan e teóricos da física e tinha orgulho de nunca haver pintado o que não quisesse. Via os artistas como seres sociais, em perspectiva crítica, e se dizia o primeiro modernista de Santa Catarina a expor fora do Estado.

Família
Meyer Filho, mesmo sendo um dos artistas mais destacados da época, não deixou seu emprego tradicional, lembra a filha, Sandra. “Ele trabalhou por 30 anos no Banco do Brasil, que era uma carreira muito séria naquela época, casou e teve três filhos (eu, Helenita Meyer e Paulo Silveira de Souza Meyer, já falecido), enfim, ele sempre dizia que não queria morrer de fome, numa quarta-feira de cinzas de Carnaval, como o pintor Victor Meirelles, por isso teria que manter essas duas atividades e ele manteve com muito trabalho, com custo muito alto, era muito difícil você querer ser artista e ao mesmo tempo manter um trabalho burocrático, mas ele acabou tirando de letra.”

Sandra diz que Meyer Filho era um pai diferente. “Ele era presente, sempre gostou de crianças, então, me lembro dele contando histórias, sempre a mesma história, contava todas as noites, ele tinha esse carinho, mas ao mesmo tempo tinha muito sofrimento, lutou muito para ser o artista que foi.” Ela lembra que eram momentos difíceis essa relação. “Quando jovem não entendia, ele fazia algumas loucuras pela cidade, se posicionava, em alguns momentos pensava assim porque não sou filha de um médico, de um engenheiro, de um pai normal, meu pai não era normal. Ele era artista e hoje também sou artista e entendo.”

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