Auditório da Assembleia recebe o nome de Antonieta de Barros
Desde novembro de 2006, o principal ícone do universo afro-catarinense, a ex-deputada estadual Antonieta de Barros, a primeira parlamentar mulher de Santa Catarina e a primeira deputada negra eleita no Brasil e, de acordo com novos estudos em andamento, do Continente Americano, é quem dá o nome do principal auditório da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), com mais de 500 lugares, palco de debates, audiências públicas, simpósios, seminários e outros eventos.
Antonieta foi quem instituiu o marco para que os educadores passassem a ser vistos como importantes agentes de mudanças na sociedade. Pela Lei Estadual nº 145, de 12 de outubro de 1948, Antonieta criou o Dia do Professor e o feriado escolar em Santa Catarina. Vinte anos depois, em outubro de 1963, o então presidente João Goulart tornou a lei nacional.
A professora e ativista do movimento negro Jeruse Romão, 61 anos, natural de Florianópolis, uma das principais historiadoras e defensoras da preservação e divulgação da história da ex-deputada Antonieta de Barros, conta que a parlamentar, filha de lavadeira, nasceu em Florianópolis em 17 de julho de 1901 e é considerada uma das maiores professoras de seu tempo.
Foi eleita deputada estadual em duas ocasiões: em 1934 e em 1946. Foi também escritora e jornalista. Sua trajetória na política, na educação e na literatura a transformaram em uma referência para o movimento negro em todo o país.
“Ela era dona de uma inteligência rara, especial. Sempre foi chamada para opinar sobre as questões envolvendo a educação no estado. É uma história maravilhosa, de quem sofreu muito, mas conseguiu deixar a sua marca.”
Jeruse relata que na época Florianópolis era um município pequeno, uma das capitais de menor população, sem energia elétrica, calçamento, transporte e esgoto. Acredita-se que Antonieta nasceu em casa, de parteira. Era terceira filha da Catarina e Rodolfo. Foi alfabetizada cedo, em escola particular, graças ao empenho da mãe, que mesmo pobre, trabalhando como lavadeira e doméstica, investiu na educação de seus filhos.
Aos 17 anos, em 1918, ingressou na Escola Normal Catarinense e, desde lá, anunciava sua trajetória de jornalista e escritora, quando organizou sua primeira publicação de cunho estudantil, a revista manuscrita “A Graciosa”, e também se destacou sendo a presidente do grêmio das normalistas. Tinha apenas 19 anos quando protagonizou esses feitos. “Identificamos a adesão à educação, sua verve de jornalista e sua verve política, como a organizadora do grêmio.”
Jeruse, que pesquisou toda a história da Antonieta, diz que ela, na década de 30, celebrou, por meio de sua coluna Farrapos de Ideias, no Jornal República, as conquistas das mulheres pelo direito ao voto, dizendo que o decreto consolidava uma realidade que ela já conhecia, qual seja a da presença das mulheres nos bastidores da política. Candidata pelo Partido Liberal Catarinense, Antonieta consagrou-se a primeira deputada eleita em Santa Catarina e a primeira deputada negra eleita no Brasil. Repetiu o feito na década de 1940, desta vez pelo PSD, na condição de suplente.
“Pelas pesquisas, aparece que ela foi convidada para ingressar no Partido Liberal que era considerado um partido que já tinha na sua pauta a população negra”, conta Jeruse. “Os descendentes de negros dessa época contam que a sigla era a mais acessível aos negros. Antonieta ingressa nele, com apoio da mãe e dos irmãos, mas não está sozinha, há outros nomes que a gente pensava que eram brancos, mas eram negros.”
A historiadora destaca que seus mandatos foram em favor da educação “como um direito humano e de todos”, sendo uma defensora atuante do magistério, da educação superior para as mulheres, do acesso da juventude empobrecida ao ginásio e à universidade, não deixando de pautar também direitos para os jornalistas e o funcionalismo público.
Jeruse conta, ainda, que pelos jornais pesquisados foram encontrados reportagens da participação de Antonieta nos comícios pelo estado. Na época, ela sofreu atos de racismo e alguns homens escreviam que com a eleição de uma mulher, aconteceria que os homens passariam a usar saias e as mulheres calças.
“Havia muito preconceito. Estamos falando de 1934, mas ela superou as adversidades. Ingressa no Parlamento, onde temos poucos relatos, devido ao incêndio, onde boa parte da memória se perdeu. Temos alguns discursos e, por um dia, ela chegou a ser presidente da Alesc, era secretária da Mesa na ausência do presidente e do vice.”
Na avaliação da historiadora, Antonieta sempre foi da política. “Quando ela escreve sobre as mulheres, quando você analisa os textos publicados, em que ela narra à orfandade, a pobreza, quando ela questiona a falta de irmandade, a civilização que caminha rápido demais e esquece valores essenciais, sobre a modernidade que chega a Florianópolis, há posições claras. Ela era pacifista, uma mulher que defendia que mulheres tinham que ter educação. Que tinham que ter opiniões e que não eram bibelôs, quando você entende o combate dela ao analfabetismo... Campanha contra a seca no Nordeste, campanha do agasalho... Era uma mulher política.”
Reeleita e criticada
Com tantas ações positivas, o eleitorado a elegeu deputada mais uma vez em 1948. No entanto, apesar de ser reconhecida e apreciada por uma parte da população, a postura combativa de Antonieta fez com que ela fosse atacada por diversas personalidades da época, inclusive com falas racistas.
Historiadores afirmam que Antonieta não se abatia com as críticas e permanecia firme nos cargos em que ocupou. Quando possível, ela chegava a responder publicamente aos ataques. Um deles foi de Oswaldo Rodrigues Cabral, político, jornalista e professor de história catarinense, que afirmou que as publicações da escritora nos jornais eram “intriga de senzala”.
Na ocasião, Antonieta respondeu o comentário em uma publicação no jornal O Estado e afirmou que era um benefício à população o distanciamento de Oswaldo das salas de aula para realizar outros afazeres, como a política. “Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos são arianos - apesar de portador de um diploma de jornalista - não milita no ensino público. Dizemos felicidade porque, à sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes”, frisou, em maio de 1951.
Imprensa catarinense
Com o pseudônimo de Maria da Ilha, Antonieta de Barros começou a escrever suas crônicas e contos em 1922, logo após concluir a Escola Normal. Foi nessa época que ela fundou o jornal A semana; além de contribuir para a Folha Acadêmica, O Idealista, Correio do Estado e O Estado. Em um artigo publicado em outro veículo, o Jornal República, em julho de 1932, Antonieta fez duras críticas à falta de oportunidades de mulheres continuarem a formação estudantil em faculdades. “Há uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio onde a mulher possa conquistar os preparatórios para ingressar no ensino superior. O elemento feminino vê, assim, fechado diante de si, todos os grandes horizontes.”
Incansável
De acordo com a historiadora Jeruse, Antonieta de Barros “foi uma mulher engajada com as lutas do tempo dela”: na Assembleia, atuou pela melhoria da educação popular e fez parte da Comissão de Educação e Justiça, onde propôs projetos de lei para ampliar a carreira do magistério de Santa Catarina. Na época, foi aprovada a lei para a realização de concursos para o magistério, além de legislações para conceder bolsas de cursos superiores, o que contribuiu para a amplificação da alfabetização e da profissionalização local.
Incansável, a educadora continuava a dar aulas e a escrever nos jornais do estado. Em 1937, reuniu os principais artigos no livro Farrapos de ideias, cujo lucro da primeira edição foi doado para a construção de uma escola para abrigar filhos de pessoas afastadas da sociedade por terem lepra - a maioria internados no leprosário Colônia Santa Tereza.
Aproximação
Jeruse lembra que o interesse seu por Antonieta de Barros iniciou em casa, onde mãe e tia eram professoras normalistas e essa mulher, famosa, começou a ser um nome importante casa. “São muitos encontros, aproximações, e eu sabia, lendo biografias de mulheres negras do mundo e me perguntava o motivo de não haver uma biografia sobre a Antonieta. Para se contar a história de Santa Catarina, do Movimento Negro, da Educação, tinha que passar por ela.”
De acordo com a historiadora, o grande desafio deste tempo de pesquisa sobre a Antonieta, foi de encontrar materiais sobre a trajetória da ex-deputada, porque o acervo sobre ela é pouco organizado no estado e houve um incêndio nos arquivos da Assembleia Legislativa em que muito material de sua história se perdeu. Além disso, houve muita dificuldade em recuperar arquivos nos acervos públicos de Santa Catarina: alguns dizem não ter nenhum documento sobre ela, enquanto outros, de acordo com Jeruse, são desorganizados, dificultando a pesquisa.
Uma pessoa incontornável
Jeruse afirma que Antonieta participou ativamente da história do seu partido. “Ela faleceu de diabetes, pelo menos é o que diz a certidão de óbito, no Hospital da Caridade, mas há controversas. Quando falamos com familiares, os textos dela com o pseudônimo de Maria da Ilha, em 1951 e 1952, são muitos fortes, contundentes, fazendo oposição ao governo do Estado, defende a pauta do seu partido política. Ela se sentia perseguida, magoada, e para essas pessoas morreu de desgosto.”
Para a historiadora, Antonieta de Barros era uma pessoa incontornável. “Como professora, tem que passar por ela para entender a historia do magistério de Santa Catarina, como jornalista, a primeira jornalista, com uma longa trajetória na imprensa, primeira mulher deputada de Santa Catarina e do Sul do Brasil. Primeira mulher negra deputado no Brasil e estamos entendendo a possibilidade dela ser a primeira mulher negra deputada da América. Nos EUA somente em 68 foi eleito um negro, não teve ninguém antes dela. Estamos estudando o legislativo americano como um todo, para poder entender a referência. A referência dela é maior do que imaginávamos.”
Jeruse complementa: Antonieta foi uma mulher a frente do seu tempo.