Anita era uma humanista
“O maior legado deixado pela Anita Garibaldi é a liberdade de exercermos a nossa força sem deixarmos de ser femininas, sem deixar de ser esposa, porque ela foi uma esposa muito dedicada, passava roupa do marido, cuidava dos filhos, em nenhum momento deixou de lado o seu papel de mãe e de esposa”, destaca a atriz lagunense Lize Souza, que já viveu o papel da heroína Anita Garibaldi diversas vezes, tanto na telona quanto no teatro, e atualmente é a responsável pelo Museu Casa de Anita, em Laguna. “Ela não foi feminista, ela foi humanista. Ela lutou pela liberdade da mulher, do homem, do negro, do pobre, do rico e do estrangeiro e pela liberdade dos povos. Era humanista, muito mais abrangente.”
Lize estreou suas atividades cênicas em 2003 e 2004, quando interpretou Anita Garibaldi durante as encenações da Tomada de Laguna. Seguindo os passos de Anita Garibaldi, ela também se impôs para conquistar o papel junto ao presidente do Instituto Cultural Anita Garibaldi (CulturAnita), o historiador Adilcio Cadorin, que era o prefeito na época. “Segui Cadorin pela cidade e me escondi num guarda-roupa para poder falar com ele. Falei ‘você está procurando uma atriz para interpretar a Anita e eu quero ser’. Ele levou um susto e me propôs um desafio, se aprendesse a montar a cavalo, poderia assumir o papel. Me dediquei e consegui.”
Um filme ítalo-brasileiro
Desde aquela primeira apresentação, Lize atuou em três longas-metragens brasileiros, um filme ítalo-brasileiro e duas peças teatrais. “Em dez anos de luta, junto com Giuseppe Garibaldi, Anita não desperdiçou um minuto. Se ela tivesse durado 20 anos imagine o que ela teria feito”, defende Lize, que não esconde o orgulho e a paixão por interpretar a heroína. “Acho que a Anita teve um grande privilégio na vida. Ela teve o privilégio de encontrar um homem de sua vida que tinha os mesmos propósitos. Muito mais ele, que encontrou uma mulher que compartilhava os mesmos ideais.”
“Ela já tinha amor pela causa republicana, libertária, e conseguiu encontrar um cara com quem ela pode compartilhar esse amor, lutar ao lado dele e ainda construir uma família. Não estou falando de um casal apenas romântico. Eles se completavam”, acrescenta.
Para Lize, a maneira que Giuseppe Garibaldi descreve Anita em suas memórias é muito leal. “Ele abordou Anita de uma forma que colocava ele sempre abaixo dela. ‘Como essa mulher fez isso? Atravessou rios em cheias por minha causa.’” A atriz cita uma das cartas deixadas por Anita em que ela fala dos filhos e diz que eles estão sendo deixados por uma causa justa. “Ela sempre se despedia dos filhos com a sensação de que nunca mais os veria. ‘Mas mesmo assim vai valer a pena. Não quero criança dentro de casa sem saber por que está aqui. Quero meus filhos conscientes da liberdade pela qual lutei. Quero que sejam os primeiros a desfrutar desta liberdade.’”
Simplicidade e coragem
“Esse comportamento revolucionário de Anita foi incentivado pelo próprio pai, que era um tropeiro. Engraçado que ele não incentivou esse comportamento nos filhos, por serem mais novos”, acredita a atriz Lize Souza. Ela lembra que o pai incentivava a vida tropeira, a lida campeira e ensinou Anita a andar a cavalo como homem. “As mulheres tinham uma cela especifica e não podiam montar como homens. A mulher montava de lado, de maneira delicada. Ela montava como homem, uma perna para cada lado. E quando o pai morreu esse incentivo continuou sendo dado pelo tio Antônio, que era um revolucionário, defensor do regime republicano e contrário à monarquia. Ela passou a infância se alimentando destes ideais.”
Republicano
“Ela tinha esse ideal republicano. Acredito que o comportamento dela chamaria atenção até hoje. Ela foi batizada de Anita por Garibaldi, mas a Anita já estava sendo talhada pelo pai e pelo tio. Quando Garibaldi chegou a Laguna, ela já estava pronta”, diz Lize. “Ela foi talhada pelo Garibaldi nas atividades marítimas, dentro do navio, mas a guerra campeira, a cavalo, quem ensinou a Garibaldi foi ela. Foi ela que ensinou Garibaldi a montar a cavalo e a guerrear a cavalo. E ele, em contrapartida, ofereceu toda sua experiência para que ela pudesse guerrear nos navios. Eles fizeram essa troca, se tornaram um casal muito potente em nome da liberdade dos povos.”
Amor pelos filhos
Lize fica revoltada com alguns biógrafos brasileiros que dizem que Anita abandonava os filhos, que os deixava de lado para ir para a guerra. “Na verdade, ela fazia o que nós mulheres fazemos hoje, deixamos os filhos na casa da avó para ir trabalhar. Só que o trabalho dela era participar de batalhas. Ela já era visionária. Acho isso uma leviandade, de uma tristeza, uma infelicidade comentários como esses, porque ela sacrificou estar perto de seus filhos para que hoje nós, mulheres, pudéssemos trabalhar, sermos independentes e termos nossa própria família.”
Uruguai
Uma faceta nova de Anita surgiu quando ela foi morar no Uruguai. “No período que ela esteve no Uruguai não guerreou. Não esteve à frente das batalhas como Garibaldi. Foi neste momento que ela foi mãe, dona de casa, mãe de quatro filhos, mas também aproveitou esse período para adquirir muita cultura”, comenta Lize.
Nessa época, Anita interagia com os maiores pensadores da época da Itália e do Uruguai. “Ela conversava com Giuseppe Mazzini (político, maçom e revolucionário da unificação italiana), entre outros pensadores, que se reuniam na casa deles, mesmo em meio à pobreza deles, no escuro, como ela descreve nas cartas. Ela aproveitou aquele círculo social para adquirir cultura, não só no que tange a política. Virou poliglota.”
Legado
“Ela deixou o legado da liberdade de ser mulher. Mostrar que a mulher tem força, o que a mulher quiser fazer consegue. Não só nos sentidos políticos, tinha muita agilidade na guerra, liberdade civil. Liberdade de votar. A nossa liberdade de votar foi dada em 1932, mas em 1835 ela já falava disso. Falava que nós mulheres éramos capazes de votar e sermos votadas.”
Ideal republicano
“A gente não pode esquecer que ela foi a mãe da república, mãe do regime republicano. Foi o primeiro vulto feminino a lutar por esse regime que nós conhecemos da maneira que é, democrático, com liberdade de escolher os nossos representantes. Antes mesmo dos primeiros defensores do regime republicano, das primeiras sufragistas universais, da Nova Zelândia, o primeiro país em que mulheres votaram (em 1897), em 1835, uma menina de Laguna já defendia e entregava toda sua energia para lutar pelo regime republicano. Muita gota de sangue foi derramada para que nós tenhamos a liberdade de escolher os nossos representantes.”
Museu Casa de Anita
Lize Souza dirige os trabalhos do Museu Casa de Anita. Na casa típica colonial luso-brasileira, em Laguna, construída por volta de 1.711 estão expostos painéis com a saga de Anita: seu nascimento, casamento, as batalhas, o amor por Giuseppe Garibaldi e sobre a sua família. O edifício que sedia a Casa de Anita Garibaldi é, possivelmente, a primeira edificação em alvenaria construída na atual Praça Vidal Ramos, à época conhecida como Campo do Manejo.
A residência era de Anacleto Mendes Braga, que confeccionava vestidos de noivas e, muitas vezes, servia de espaço para as próprias recepções dos casamentos, como aconteceu com Anita Garibaldi, na ocasião de sua união com seu primeiro marido, em 1835. A casa amarela, como é conhecida, não foi a residência da lagunense. Anita foi morar com o sapateiro Manoel e sua família em uma pequena casa na Rua Fernando Machado, no centro da cidade de Laguna.