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Publicado em 29/07/2021

Motivo de preocupação para o império

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Recorte da falsa notícia da morte de Anita Garibaldi

Uma das primeiras fake news da história do Brasil, da qual se tem conhecimento, prova que o império brasileiro estava preocupado com Anita Garibaldi. O documento, um recorte do “Correio Oficial”, datado de 4 de fevereiro de 1840, foi encontrado em 2019, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, pelo historiador e gerente de patrimônio imaterial da Fundação Catarinense de Cultura, Rodrigo Rosa, que é um pesquisador da história da “heroína de dois mundos”.

O documento narra a batalha de Curitibanos, a mais violenta conhecida até aquele momento, com centenas de mortos. O texto afirma que o “aventureiro Garibaldi” teria sido feito prisioneiro e que sua amásia foi morta em ação.

Nesse período, o general Francisco José de Sousa Soares de Andrea era o posto máximo da representação militar no Sul do Brasil, com base em Desterro (hoje Florianópolis). “Ele recebe informações desta batalha e quem traz, quem constrói essa narrativa, leva para ele que houve centenas de mortes, sem nomes, sem faces, e que os grandes líderes teriam fugido para as matas. Então cita Garibaldi; Teixeira (coronel Teixeira Nunes); David Canabarro, também chamado de General Canabarro; e aí numa passagem, grifa uma mulher, a amásia de Garibaldi, uma espécie de amazonas, que pega em armas, vai para o front e monta a cavalo”, explica o historiador.

“Ela não tem nome, rosto, mas repercute na tropa do império. Já era um símbolo. Em poucos meses, ela tinha se amasiado com Garibaldi – em agosto, em Laguna, e a batalha de Curitibanos, foi em janeiro. Jamais o general Andreia entraria em campo, teria alguém que estaria lá. Mas ela na verdade foi presa. Foi uma fake news. O general deve ter pensado, vai ficar ruim para nós, uma mulher tocando terror, puxando a tropa, então ela pode sumir. Por isso, ele colocou que ela morreu. Diz que matou, ela não iria aparecer mais. Avisa o rei. Essa figura já estava entre os comentários dos soldados do império”, relata Rodrigo Rosa.

Para o historiador, o documento é importante, pois comprova que o “mito” que Garibaldi conta em suas memórias era de fato uma realidade no Brasil. “A Anita é citada entre os líderes da Revolução Farroupilha. Uma espécie de amazonas. Frase pequena, mas que tem importância peculiar.” Rodrigo complementa, que esse primeiro documento se sobrepõe ao mito. “É uma narrativa, o jovem império brasileiro está em risco, não tinha nem 20 anos da independência do Brasil, e há possibilidade de perder metade do seu território. Essa batalha de Curitibanos, com centenas de mortos, o general do império se preocupa em narrar que essa mulher foi morta. Uma menina de 18 anos, que já chamava atenção dos soldados do império.”

Fundadora de repúblicas
Anita Garibaldi é uma das mulheres mais pesquisadas no Ocidente, seja pela internet ou nas principais bibliotecas do mundo, destaca o historiador Rodrigo Rosa. “Há centenas de publicações desde o século XIX, em italiano, alemão, espanhol, inglês, entre outras.” Ele lembra que quando se unifica a Itália, as cortes europeias estão se enfraquecendo e o discurso republicano ganhando força. “É nesse contexto que surge uma mulher destemida. Essa mulher é a Anita. Não há outras heroínas republicanas. A Itália é um país central, um país grande, forte economicamente, aquele conjunto de ducados, aquela mulher, desde aquela época é pesquisada.”

Para Rosa, a história de Anita cria uma paixão para aqueles que a conhecem. “A Anita é uma menina de 18 anos, de uma cidade do interior, casada e que foge com um aventureiro, participa de batalhas. Ela cria uma paixão no imaginário das pessoas.” Rodrigo enfatiza que na história do Brasil só vamos encontrar outra combatente feminina em Maria Quitéria de Jesus, que foi uma combatente baiana da Guerra da Independência do Brasil. Desde 1996, é a patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro e desde 2018 integra o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. “Ela foi construída para reforçar o discurso dos militares da república. Que outras mulheres temos? A Anita é do povo, revolucionária, além do seu tempo, desmancha um casamento, um pensamento que mexe com as mulheres. Foi precursora de muitos momentos, mas sem pensar, involuntariamente.”

Rodrigo comenta que Anita tem rompantes de solidariedade e humanidade à frente do seu tempo. “Quando na grande retirada pelo mortífero Vale do Rio das Antas, no Rio Grande do Sul, os homens da revolução estavam matando filhos para não serem capturados, e as mulheres ficavam quietas, obedeciam, e ela, angustiada, querendo salvar essas pessoas. As outras mulheres não pensavam assim, aceitavam, não queriam morrer, mas não tinham voz, ela tinha preocupação com as pessoas. O próprio Garibaldi, fica surpreso com ela.” O historiador observa ainda que a Anita era tão guerreira, que até Bento Gonçalves ficou surpreso. “Quando ela entra, a revolução já tinha cinco anos, mas em poucos meses se destacou.”

A importância de uma heroína
Para o historiador Rodrigo Rosa, no Brasil há ainda o complexo de vira-lata e Anita é um caso desse tipo. “Se a gente faz uma busca pela Anita até a década de 1880, ela praticamente não existia no Brasil. E ela já era publicada e narrada na Europa em várias publicações, não só através do Dumas, mas em outras publicações. Porque a Anita era do movimento republicano, o nome dela é atrelado à república. Nós temos um atraso de reconhecimento da Anita.”

Quando cai o império e vem o advento da república, a sociedade era machista e levou um tempo para reconhecer a importância da Anita para o Brasil. “Foi resgatado o Tiradentes, que estava jogado num canto da história, mas as notícias estavam chegando da Europa. As pessoas iam à Itália, a Anita já era nome de rua, de praças e de monumentos, e o Brasil tardiamente reconhece a importância dela. Tanto que vai se cunhar como heroína dos dois mundos, em segunda mão, não saiu daqui para lá, primeiro ela foi heroína na Itália e depois no Brasil. Hoje, não, hoje percebemos o orgulho de termos essa personalidade mundial e catarinense. Mulher brasileira e personalidade mundial. Foi tardio o reconhecimento.”

Coesão nacional
Rosa considera importante trabalharmos a Anita Garibaldi como elemento de coesão nacional, paras as pessoas terem uma referência. “Todas as sociedades quando vão perdendo os elementos de coesão, elas se dispersam. Ela é uma mulher catarinense, uma jovem que foi à luta. Temos que nos apropriar deste discurso, não da Anita apaixonada pelo Garibaldi. Mostrar que uma jovem, uma mulher, pode conseguir o que quer. Que Santa Catarina não é um estado insignificante, é muito importante as pessoas terem esse símbolo, ter essa referência e esse orgulho. Ela tem que ser um símbolo deste sentimento de ser catarinense. Sou da terra da Anita, daquela heroína italiana.”

Foto de Anita
Rodrigo Rosa acredita que não é possível existir uma foto real de Anita Garibaldi. “Tanto pela falta de tecnologia quanto pelo contexto que eles viviam. Um exemplo, Dom Pedro II tem coleções de fotos, já na década de 1850, porque ele era um amante de tecnologia. O Brasil é o segundo país do mundo a ter rede de telefones, o palácio do imperador é o segundo prédio público do mundo a ter telefone. Dom Pedro sempre esteve à frente. E ele só foi fotografado em 1848”, explica. O historiador ressalta que Dom Pedro era o rei e e tinha acesso a essa tecnologia, mas como uma jovem, fugitiva, pobre, com várias crianças, teria tempo e acesso à fotografia, faria pose e se prepararia em estúdio, tal como sugerem os supostos retratos existentes. “Não deve ser aceitável essa ideia”, conclui.

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