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01/09/2014 - 16h50min

Ex-coronel reconhece catarinense e nega tortura e pedido de desculpas

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Derlei de Luca (em pé) acompanha depoimento do coronel Homero Machado. FOTO: Carlos Kilian/Agência AL

Derlei Catarina de Luca foi a única ex-presa política declaradamente reconhecida pelo ex-coronel do Exército Homero Cesar Machado, durante sessão da Comissão Nacional da Verdade (CNV), realizada na tarde de segunda-feira (1º), em São Paulo. Foi a primeira vez, depois de 44 anos, que Derlei ficou frente a frente com um dos seus torturadores.

“Ela esteve em coma? Mas como, se está aqui 'vivinha da Silva' na minha frente, vendendo saúde”, disse, em tom debochado, quando Derlei se levantou no auditório, ao lado de outros companheiros ex-presos políticos e torturados na época da ditadura militar, entre os anos de 1969 e 1970, na Operação Bandeirante.

“Lembro dela. É de Santa Catarina, não?”, completou o militar da reserva. Várias vezes, ele afirmou categoricamente que não houve tortura na Operação Bandeirante. “Minha equipe não torturava ninguém”. Ao ser questionado sobre a lembrança contundente de Derlei, disse: “a gente lembra, não lembra, depende das circunstâncias”.

Derlei foi uma das últimas a depor, sob os olhares do algoz. “Fui presa por engano. Achavam que eu era Maria Aparecida Costa”, revelou Derlei. Ela ainda questionou o fato de tê-la reconhecido logo que a viu. “Eu me sinto envaidecido que depois de 40 anos alguém me reconheça”, ironizou Homero.

O militar fez críticas ferrenhas ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que considera parcial e ouve apenas um lado. “Isso aqui é ummassacre, não uma comissão”, comparou. Sobre um possível pedido de desculpas, disse que não se sente obrigado a fazê-lo. “Vocês deveriam pedir às Forças Armadas. Nós éramos agentes e delegados da instituição. Ninguém bradava: ‘vamos perseguir os comunistas’”.

Os membros da CNV que conduziam o depoimento, Rosa Cardoso da Cunha, José Carlos Dias e Maria Rita Kehl, tentaram justificar o papel da comissão, não aceito pelo coronel. “Hoje os terroristas são chamados de ex-guerrilheiros. Mas uma parte da sociedade é contra isso também.  Os comunistas queriam derrubar o regime militar para implantar um regime totalitário. Cuba era uma Meca para eles”, classificou.

Muito irritado e questionado sobre o que é a verdade sobre as torturas do regime militar, Homero Cesar Machado declarou: “a verdade é que não tenho mais nada a declarar”. Após a sessão da CNV, que durou cerca de 40 minutos, o coronel disse ainda que a verdade é a consciência tranquila.

Paulo Stuart Wright
Dentre as principais expectativas da tarde estava a possível declaração sobre a morte do ex-deputado estadual catarinense Paulo Stuart Wright, desparecido na época da Ditadura Militar. Homero Cesar Machado disse que lembrava vagamente do nome, e não quis detalhar seus conhecimentos. Limitou-se a dizer que não trabalhou Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) e sim na Operação Bandeirante, por isso não podia responder sobre o desaparecimento de Wright. “Já disse que não trabalhei no Codi”, retrucou.

A luta de Derlei
Derlei ficou presa de novembro de 1969 a março de 1970 em São Paulo. Depois de sentir na pele os choques da “cadeira do dragão” e os efeitos desoladores do “pau-de-arara”, viveu clandestinamente e foi exilada em Cuba. Teve de abandonar o filho aos três meses, do qual viveu longe por mais de dois anos, até reencontrá-lo no exílio. Após a redemocratização e com a Lei da Anistia, voltou a viver no Brasil e em Santa Catarina. Hoje é servidora da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, integra a Comissão Estadual da Verdade Paulo Staurt Wright e coordena o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.

Homero, ao lado dos colegas militares Maurício Lopes Lima, Innocêncio Fabricio de Mattos Beltrão e do coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, João Thomaz, foi acusado pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF/SP) pela morte ou desaparecimento forçado de seis pessoas e pela tortura de outras 20 durante a ditadura. Lopes Lima foi acusado pela presidente Dilma Rousseff, em 1970, como sendo um dos seus torturadores. Segundo Derlei de Luca, Lopes Lima também estava entre seus algozes.

Porém, os crimes cometidos pelos militares na Operação Bandeirante teriam prescrevido, segundo decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), publicada em novembro de 2011. O MPF/SP queria a condenação na esfera cível, já que a Lei da Anistia livra os ex-torturadores de condenações penais. A Procuradoria Regional da República recorreu da decisão do TRF.

Para os juízes, segundo reportagem publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo” à época, “a ação não apontava a tortura como ‘fato ocasional ou limitado’ e sim como ‘prática sistematizada e institucionalizada’ na ditadura”.

Militância na Ação Popular
Nascida em 1946 na cidade de Içara, na zona carbonífera catarinense, Derlei era militante da Ação Popular (AP). Deixou a Juventude Estudantil Católica, já que a igreja era contra ações políticas. Foi escalada para trabalhar em São Paulo, decifrando códigos postados em anúncios de jornais. Derlei fazia um trabalho interno importante e sabia de muita coisa. Presa em novembro de 1969 pela Oban, foi torturada e entrou em estado de coma. Levada ao hospital, acordou dias depois, quando foi torturada novamente e teve sua verdadeira identidade revelada. Ficou presa até o final de março de 1970.

Voltou a Santa Catarina onde se recuperou. Então partiu para Bahia, onde ficou até 1972. Viveu na clandestinidade no Paraná, militando novamente na AP. Depois de receber a Polícia Federal em casa e com identidade falsa, deixou o filho de três meses na porta de um hospital e seguiu para o exílio em Cuba. Reencontrou o filho dois anos e meio depois em Havana. “Foi a maior tortura, abandonar meu filho. Eu não era vítima, ele era”, declarou emocionada à Comissão Nacional da Verdade.

Segundo Derlei, em 1963 foi fundada a Ação Popular, separada da Igreja, mas com militantes cristãos, católicos, anglicanos, metodistas e presbiterianos. A AP nasceu apoiando João Goulart, contestando o capitalismo e o comunismo e defendendo uma espécie de “socialismo cristão”.

Saiba mais sobre a CNV
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

Membros da CNV percorrem as cinco regiões do país desde julho de 2012, realizando audiências públicas para colher depoimentos de vítimas de violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, principalmente no regime militar brasileiro de 1964 a 1985. Já foram realizadas dezenas de audiências públicas em vários estados.

Um grupo de trabalho da CNV trata especificamente do Golpe de 64, quando a tortura foi estabelecida como forma de interrogatório nos quartéis militares, a partir de 1964 – um dos principais símbolos da repressão política que marcou o país por mais de duas décadas. Além de mortos, a prática deixou sequelas incalculáveis na vida de quem se opunha ao regime.

Os depoimentos colhidos, os documentos analisados e as respostas dos torturadores devem compor um documento em construção pela CNV. Em todo o país, como em Santa Catarina, grupos estaduais se unem à estrutura nacional em busca do esclarecimento dos crimes praticadas no período.

Rony Ramos
Rádio AL

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