O início do caminho à beatificação do padre Léo
Conhecido por suas pregações, Léo Tarcísio Gonçalves Pereira, o padre Léo, fundador da Comunidade Bethânia, foi um sacerdote que reunia multidões por onde passava. Ele integrava o movimento da renovação carismática e apresentava programas no canal de TV Canção Nova. Com uma história de sofrimento e superação, faleceu em 2007, aos 45 anos, vítima de um câncer.
O presidente da Comunidade Bethânia, padre Vicente de Paula Neto, sucessor de Léo, e o padre Lúcio Tardivo, postulador da causa de beatificação, falam com emoção do jeito alegre e peculiar de evangelizar por meio de histórias, causos da roça, piadas e parábolas do “servo de Deus” que era considerado um “humorista de Deus”. Sacerdote da Congregação do Sagrado Coração de Jesus (SCJ), padre Léo nasceu na comunidade de Biguá, colônia agrícola de Delfim Moreira (MG), em outubro de 1961.
Foi durante o exercício do sacerdócio e de sua atuação como diretor do colégio São Luiz, em Brusque, que padre Léo deu início à caminhada em prol das pessoas com dependência química. Conforme relata o padre Vicente, a partir destas vivências junto às crianças e adolescentes e seus familiares, Léo constatou a necessidade de fundar um local que proporcionasse um novo jeito de viver. Assim, inspirado na Bethânia bíblica, ele fundou em 1995 a Comunidade Bethânia – a Casa dos Amigos de Jesus, em São João Batista, que neste dia 12 de outubro completa 25 anos.
A partir dessa experiência foram criadas mais sete comunidades Bethânia. No Paraná elas estão localizadas em Irati, Cianorte, Curitiba e Guarapuava, e há ainda as de Lorena (SP), Uberlândia (MG) e Itapiruna (RJ). De acordo com o padre Elinton Costa, formador geral da Comunidade Bethânia, em São João Batista, há pedidos para implantação de novas comunidades em outros estados e até no exterior, mas faltam padres e consagrados para administrar esses locais.
Vício e vocação sacerdotal
O interesse do padre Léo pela igreja começou ainda criança, quando ele brincava de celebrar missa no quintal de casa. Segundo o padre Vicente, ele atuou como catequista, mas apesar dessa proximidade com a igreja, teve experiência com drogas. Léo aprendeu a fumar com os avós, em 1973, e depois começou a consumir maconha com os amigos. O vício chegou ao fim quando ele decidiu seguir a vocação sacerdotal, em 1981. Apesar de largar a maconha, continuou fumando cigarros até 1998.
Léo entrou no noviciado no Seminário Dehoniano (Congregação do Sagrado Coração de Jesus) em Lavras (MG). Fez o noviciado em Jaraguá do Sul, estudou filosofia em Brusque. Começou a trabalhar como diretor pedagógico no Colégio São Luiz, em Brusque, em 1991, onde atuou até 1998. Foi nesse período que ele criou a capela do Espírito Santo, no colégio, onde celebrava missa às 22 h, atendendo jovens e trabalhadores que não podiam ir durante o dia às celebrações.
Padre Vicente relata que nesta época o padre Léo sofria com o preconceito da sociedade mais conservadora de Brusque, que se assustava com a aproximação dele com viciados, travestis e por frequentar bares à noite em busca de jovens. “Muitos falavam que ele chegava e não se identificava como padre, conversava com os jovens e os atraía as missas e até sugeria histórias para grupos de teatros da cidade.”
Nesta missão, ele difundia o “amor como a única força capaz de mudar as pessoas”, característica marcante do homem Léo Tarcísio, que possuía uma capacidade imensa de ver o que havia de melhor naqueles que já haviam perdido tudo, em meio à droga e marginalização, enfatiza o padre Vicente.
Padre Léo teve 27 livros publicados, sendo seis publicações póstumas. Ele teve vários programas no canal de TV Canção Nova e totalizou 257 pregações que são exibidas até hoje na emissora. É conhecido como o padre da Canção Nova. Em 2006, padre Léo descobriu que sofria de um Linfoma Não Hodgkin (LNH), um câncer no sistema linfático, considerado um tumor maligno grave e com pouca chance de cura. Após meses de tratamento e quimioterapias, faleceu no dia 4 de janeiro de 2007 devido à falência múltipla dos órgãos, em consequência da doença.
Beatificação solicitada pela população
Padre Vicente revela que muitas pessoas, entre bispos e religiosos, incentivaram a comunidade a entrar com o pedido para a beatificação do sacerdote, o que de fato aconteceu após um processo de discernimento interno.
“Como era início de tudo, nós estávamos retomando a vida da comunidade logo depois do falecimento do padre Léo. Nós fomos recolhendo essas graças, guardando e vivendo isso internamente na comunidade. Até que, à medida que o tempo foi passando, essas graças foram aumentando”, conta o padre Vicente.
O pedido foi feito e, num primeiro passo, autorizado pelo arcebispo de Florianópolis, dom Wilson Tadeu Jönck. Tendo recebido também o aval do Vaticano, a data da abertura oficial do processo foi anunciada em 8 de dezembro de 2019, dia em que padre Léo completaria 29 anos de sacerdócio.
Padre Vicente acrescenta que ainda hoje é comovente a forma como as pessoas tratam padre Léo, com uma intimidade muito grande, dizendo: “padre Léo mudou a minha vida”. “O que mais me impacta ainda hoje são os testemunhos de conversão, porque o padre Léo tem esse dom: ele toca todas as faixas etárias, homem, mulher, gente da cidade, gente do campo, pessoas muito simples e pessoas letradas, pessoas de outras denominações religiosas.”
Comunidade Bethânia
Foi movido pelo desejo de resgatar pessoas envolvidas com o vício das drogas que em 12 de outubro de 1995 o padre Léo fundou a Comunidade Bethânia, em São João Batista, no dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. O padre queria que o local fosse um lugar diferente de tudo o que se conhecia na área. A comunidade não seria uma casa de reabilitação, mas um lugar de acolhimento e, por isso, seu foco está na liberdade do dependente, explica padre Vicente, presidente da instituição.
Ele observa que a Comunidade Bethânia foi fundada pelo padre Léo a partir de sua própria experiência como dependente químico e como padre que atuava no Colégio São Luiz, em Brusque, onde atendida viciados, travestis e jovens problemáticos. O nome Bethânia é inspirado na colônia de leprosos mencionada na Bíblia, onde viviam os irmãos Marta, Maria e Lázaro. Assim, a comunidade se constituiu com uma casa de acolhida aos marginalizados pela sociedade que procuram um novo jeito de viver.
Desde que a Comunidade Bethânia foi fundada, já acolheu mais de 6,5 mil pessoas em suas oito unidades espalhadas pelo Brasil. As pessoas acolhidas são chamadas de filhos e filhas e passam pelo projeto pedagógico, que inclui as etapas de acolhimento, restauração e reinserção social e compreende um período em média de até 11 meses, na luta diária contra a dependência de substâncias psicoativas. Durante esse período, a pessoa é inserida em uma realidade de convivência, desenvolvimento da espiritualidade, lazer, promoção do autocuidado e da sociabilidade, capacitação e promoção de aprendizagens.
Uma das condições para o acolhimento em Bethânia é o sincero e livre desejo de ser acolhido, além de assumir os valores e modo de vida comunitária. Atualmente, os oitos recantos da comunidade oferecem mais de 170 vagas de acolhimento, todas gratuitas. De acordo com o padre Vicente, os voluntários que trabalham em Bethânia passam por um processo de formação. Entre eles existem os que têm vocação religiosa, como padres, mas também os da chamada vocação leiga, que são os casados e até solteiros, chamados de consagrados.
O objetivo é que todos vivam juntos dedicando-se às orações e trabalhando para proporcionar um ambiente saudável que motive naquele que chega ao local em busca de ajuda, o desejo de mudar de vida, observa padre Vicente. Ele diz ainda que atualmente em São João Batista, numa área de 470 mil metros quadrados, doados em regime de comodato à Comunidade Bethânia, há uma escola infantil que atende a comunidade. E o memorial do padre Léo, onde está o túmulo com seus restos mortais, oferece ainda estrutura adequada para atender 80 pessoas em retiros.
No local há também uma área de caminhada e contemplação de espaços como a gruta Nossa Senhora de Lourdes, a capela, a praça Nossa Senhora Aparecida, os quiosques para orações e meditações individuais e em grupos, além das trilhas. A Casa de Retiro conta com 40 suítes e possui um refeitório com vista privilegiada. Em Bethânia, as refeições são as mais naturais possíveis, sendo proibido o consumo de refrigerantes, bolachas industrializadas e fumo. Além disso, há um ambiente alternativo nos retiros, denominado de Biguá. A casa, que era uma estrebaria, hoje lembra o ambiente simples em que o padre Léo foi criado e viveu na infância, em Minas Gerais.