Xanxerê: 60% das casas destruídas pelos tornados devem ser refeitas pela União
Somente 50 das 78 famílias que tiveram suas casas totalmente destruídas pelo tornado de 20 de abril em Xanxerê aceitaram aderir ao programa Minha Casa, Minha Vida do governo federal. “Fizemos a primeira reunião e 50 querem receber uma casa de 40 metros quadrados”, informou o prefeito do município, Ademir Gasperini. Já as 260 famílias que tiveram suas casas parcialmente destruídas receberão auxílio do governo federal em materiais de construção até o limite necessário para erguer uma casa de 40m2.
“As famílias de renda média não querem, tinham casas maiores e não aceitam receber a casa padrão, elas têm esperanças de reconstruir através de outros mecanismos legais”, explicou o prefeito, ponderando, entretanto, que até agora os técnicos do Ministério das Cidades não encontraram outra fórmula legal para canalizar recursos aos atingidos. “Nesse momento a solução seria um financiamento, minha casa tinha 234 m2 de área construída”, declarou Nei Gandolfi, representante comercial e morador do bairro Primo Tacca.
Judite Armênio também aguarda uma linha de crédito. “A casa tinha sala, cozinha, dois quartos, dois banheiros, garagem e espaço para meu salão de beleza, eram mais de 100 m2”, descreveu Judite, que recebeu da prefeitura 60 telhas de amianto, mil tijolos e 15 sacos de cimento. Atualmente a família Armênio está morando em outro bairro, paga aluguel e o salão perdeu muitos clientes. “Quem vinha a pé não vem mais, por causa da distância”, lamentou Judite.
Já Nei Gandolfi, que possuía casa de dois pisos com 234 m2, recebeu doações das entidades civis. “Foram 4 mil tijolos e cinco metros de areia. A areia vou buscar em Porto União”, informou Nei.
Ari Domingos Andolfatto, caminhoneiro, residente no bairro dos Esportes, também iniciou a reconstrução da sua casa. “Gastei R$ 15 mil do seguro e outro tanto do meu bolso”, informou o motorista, que ganhou da prefeitura dois metros de areia e cinco sacos de cimento. “Depois que terminar vou procurar emprego, estou parado”, revelou Andolfatto, que dirige o caminhão do Rotary Clube da cidade e transporta material de construção, utensílios domésticos e alimentos doados pelas entidades civis.
Ao contrário das pessoas físicas, as empresas atingidas pelos tornados têm acesso a financiamentos. No caso do Badesc, foram disponibilizados R$ 10 milhões a juro zero. E a Caixa Econômica Federal oferece aos empresários locais empréstimos com juros subsidiados, que variam entre 0,3% e 0,5% ao mês.
Revisão para baixo
De acordo com dados da Defesa Civil, consolidados após os laudos de engenharia de todas as casas atingidas em Xanxerê, 78 residências foram totalmente destruídas, e não 252 inicialmente contabilizadas. Também houve redução no número das casas parcialmente destruídas, que baixou de 350 para 260 moradias. “As equipes de engenharia têm visão técnica”, justificou Luciano Peri, coordenador local da Defesa Civil, explicando que somente as residências que tiveram a estrutura abalada foram consideradas totalmente destruídas.
De acordo com Peri, os proprietários dessas 338 casas terão acesso a recursos do governo federal. “Os relatórios das 78 casas já estão no Ministério das Cidades e os recursos devem ser liberados ainda esta semana”, afirmou o coordenador da Defesa Civil, acrescentando que no caso das casas parcialmente destruídas os relatórios serão protocolados nos próximos dias. “Esperamos em 60 dias encerrar essa fase”, revelou Peri, referindo-se à liberação dos recursos federais.
Solidariedade além da expectativa
A solidariedade dos oestinos, catarinenses e brasileiros com o drama vivido pelos xanxereenses superou as expectativas. “Temos muita roupa, calçados, alimentos e materiais de limpeza”, informou o prefeito Ademir Gasperini, enfatizando todavia, que ainda há carência de materiais de construção. Para o chefe do Poder Executivo, a solidariedade trouxe alento e conforto ao moradores. “Elevou nossa autoestima”, resumiu.
Segundo Gasperini, foram doados para a prefeitura R$ 500 mil em dinheiro. “O Bradesco doou R$ 200 mil e os 300 mil restantes foram depositados na conta do município”. O Lions Clube Internacional, por sua vez, enviou 10 mil dólares à filial local. “O dinheiro foi utilizado para comprar alimentos e cobertores”, informou Ivonete Calza, governadora do Lions Clube Xanxerê Inovação.
As entidades civis arrecadaram cerca de R$ 100 mil em dinheiro, entre outros, R$ 10 mil enviados pela Camerata de Florianópolis. O dinheiro está sendo utilizado para comprar materiais de construção. “Acabamos de comprar mil sacos de cimento”, informou Dirceu Ronnau, representante da maçonaria e um dos coordenadores do comitê informal que congrega as entidades locais, capitaneadas pelo Lions Clube, Rotary Clube e a Associação Comercial, Empresarial e Agropecuária de Xanxerê.
Além de dinheiro, as instituições civis arrecadaram quantidade significativa de material de construção. “Ganhamos 500 metros de areia de Porto União, mas temos de ir lá buscar”, explicou Henrique Ogliari, presidente do Rotary. Conforme Ogliari, a alternativa encontrada foi permutar chapas de aglomerado, doadas por um empresário de Palmas (PR), para bancar o transporte da areia. “E quem pode vai buscar por conta própria”.
A reportagem da Agência AL também conversou com o pastor Paulo Ricardo Schulz, da Igreja Batista Independente, e verificou como outras entidades civis auxiliaram os atingidos. “O tornado danificou seis casas de irmãos”, contou o pastor, relatando em seguida que após o tornado os fiéis ajudaram os irmãos de fé a cobrir as casas, recolher objetos, fazer mudanças, lavar roupas e preparar alimentos. “Fizemos na prática o que ensina a Bíblia, estender a mão aos outros”, completou Schulz, esclarecendo que também a igreja Batista arrecadou dinheiro. “Foi doado aos irmãos”.
Enfrentando o trauma psicológico
Os efeitos psicológicos dos tornados estão sendo mitigados com a colaboração de professores e alunos da 9ª fase do curso de Psicologia da Unoesc, campus de Xanxerê. “Essa é uma demanda que começa só agora, as pessoas ainda não se deram conta das mudanças permanentes que os tornados causaram em suas vidas”, observou Fábio Augusto Lise, professor da Unoesc e coordenador do estágio supervisionado de Psicologia.
Seis professores e 23 alunos estão envolvidos no atendimento às pessoas com sintomas de estresse pós-traumático, inclusive dos três moradores que tiveram membros amputados. O professor recomenda que as pessoas que tiveram sua rotina afetada com os tornados e já não conseguem dormir como antes, ou têm dificuldade para trabalhar e estudar visitem o centro de atendimento da Unoesc, localizado na rua Papa João XXIII, na área central de Xanxerê.
Foi o que fez o casal Alano e Lucimara da Silva. “Parecia que não conseguíamos recomeçar. As crianças não queriam ficar longe uma da outra, a Alana (sete anos), acordava assustada e perguntava cadê o Gustavo (dois anos)?", contou Alano. Lucimara também falou sobre a angústia da família."O Alano não dormia e eu não conseguia retomar as atividades normais, o medo paralisou a gente”, acrescentando que começou a se sentir melhor depois de conversar com os profissionais de psicologia da Unoesc.
Emanuele Armênio, arquiteta, confessou que domingo (17) foi a primeira noite que conseguiu dormir sem tomar medicamentos. “Mais cedo ou mais tarde os sintomas afloram, a pessoa pode fingir que nada aconteceu, mas a fatura chega”, avisou a professora Alina Hack, que também recomendou acompanhamento psicológico aos moradores cuja rotina tenha sido alterada pelos tornados.
“Sentir medo é normal”, ensinou Fábio Lise, ressaltando que a diferença entre o normal e o patológico está na adequação do sentimento ao fato causador, na intensidade e na frequência com que a pessoa é tomada pelo medo.
“Estamos esperando um efeito coletivo quando outra tempestade cair sobre a cidade”, anunciou o professor de Psicologia da Unoesc. Para Fábio, houve uma massificação da informação de que a região está na rota dos tornados e muitos moradores, principalmente os mais idosos, estão abandonando Xanxerê. “Estão alarmados, vão morar com os filhos em outras cidades da região”, afirmou.
Agência AL