Seminário da Alesc debate futuro do meio ambiente em Papanduva
A mobilização dos agricultores de Papanduva, no Norte do Estado, contra a instalação de uma empresa que queria explorar o gás de xisto na região, requerendo inicialmente 8 mil hectares das melhores propriedades agrícolas para a iniciativa, foi primordial para que a Assembleia Legislativa aprovasse uma lei proibindo a exploração do xisto em todo território catarinense, destacou o deputado Padre Pedro Baldissera (PT). O parlamentar é o proponente do Seminário Meio Ambiente e Sociedade 2019, promovido pela Comissão de Turismo e Meio Ambiente e Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira, realizado nesta sexta-feira (27), na Câmara de Vereadores de Papanduva, com a presença de mais de 130 jovens, vereadores, secretários municipais e agricultores.
Além das palestras, também foram apresentados projetos voltados à preservação ambiental na região, desenvolvidos por prefeituras e por organizações da sociedade civil. A atividade foi a quinta de uma série de sete eventos voltados ao tema, em todas as regiões do Estado. Estão previstos seminários em Lages e em Araranguá. A primeira foi realizada em Florianópolis, depois em Anchieta, Itapema e Salto Veloso. O deputado Padre Pedro Baldissera, que também preside o Fórum para Preservação do Aquífero Guarani e das Águas Superficiais, destacou que objetivo dos seminários é despertar na juventude ações concretas na relação do meio ambiente e a tecnologia, procurando uma convivência saudável e prática. Lembrou que desde 2002 vem trabalhando na conscientização sobre a preocupação da produção agrícola saudável e a indústria do agrotóxico, que vem aumentando gradativamente no Brasil.
Ele salientou a importância da mobilização da sociedade de Papanduva contra a exploração do xisto no município, que acabou recebendo apoio da Assembleia Legislativa e depois em lei sancionada, em junho deste ano, pelo governo do Estado. “A exploração do xisto contamina a água, o solo e inúmeros países não compram produtos que tenha a extração desse tipo de material que é altamente tóxico.” Padre Pedro enalteceu a importância dos estudantes e do movimento Prorios (Associação de Proteção do Rio São João e da Bacia do Rio Papanduva) de continuarem alertas com o tema. "Onde se explora o gás do xisto há um desequilíbrio ambiental fortíssimo. Os estudantes e os agricultores têm toda razão em se mobilizarem contra, porque aqui está a qualidade de vida para essa população, onde vivem e trabalham."
O agricultor e conselheiro administrativo da Prorios, Alexandre Sulczewski, falou da importância do seminário ao explicar que o movimento contra a exploração do xisto não acabou com a aprovação da lei estadual. Ele informou que a associação tem incentivado outros municípios catarinenses a também aprovarem leis para impedirem essa exploração, por temerem que a lei estadual seja contestada judicialmente em Brasília. "A nossa preocupação é com a preservação do meio ambiente da nossa região. Esse seminário vem reforçar a nossa luta para barrar a exploração do xisto. Se não fosse a Prorios, a empresa já estaria explorando a pedra e o gás do xisto e os nossos rios e propriedades estariam prejudicados." Os estudantes da Escola de Educação Básica Manoel Estevão Furtado acompanharam todo seminário com objetivo de desenvolveram um trabalho sobre o tema.
Aquífero Serra Geral
O professor Luciano Augusto Henning, do Projeto Rede Guarani/Serra Geral, que apresentou a primeira palestra, abordando o tema Ciclo da Água, Aquíferos, Energia e Gás de Xisto, enfatizou a importância do evento na cidade que é símbolo da luta contra a exploração do xisto no estado. "A cidade se mobilizou porque a empresa multinacional queria explorar a pedra e isso foi fundamental para aprovação da lei estadual proibindo tanto a exploração da pedra a céu aberto aqui em Papanduva quanto exploração hidráulica que poderia ocorrer no Oeste em Santa Catarina." Ele afirma que a exploração de gás de xisto utilizando o fracking, tecnologia invasiva, já causou danos ambientais irreversíveis em diversas regiões do mundo.
Henning também reforçou a importância do aquífero Serra Geral, considerado tão importante quanto o aquífero Guarani, por cobrir 51% de Santa Catarina. “Essa água, limpa e boa, está no subsolo catarinense, nas fraturas das pedras de ferro, e tem que ser preservada e utilizada conscientemente, apesar de já existir indícios de poluição.” O professor explicou que o Serra Geral é formado nas fraturas da pedra ferro, conhecida popularmente como basalto, diferente do Guarani onde a água fica alojado nos poros.
Ele lembrou que Santa Catarina é o maior produtor de proteína animal do mundo, mas para isso acontecer precisa de muita água e de qualidade e que as águas superficiais já estão contaminadas, por isso a importância da preservação dos aquíferos, já que uma vez contaminado ficará difícil a sua recuperação. Ele explicou que as águas do aquífero Guarani estão a mais de 1.500 metros de profundidade e que as águas do Serra Geral são mais acessíveis, por isso divulgação da sua existência e a preocupação ambiental com ela é importante. “Primeiro temos que conhecer, para depois preservar e utilizar conscientemente.”
Destacou ainda que 97% da água no planeta é salgada e apenas 3% doce, sendo 69% congelada, 30% subterrânea e apenas 1% em rios, lagos e pântanos. Esse 1% possui um ciclo curto, que está sempre se renovando, considerada a melhor água para consumo. Henning tem mestrado e doutorado pela UFSC na área de Geografia e participou de pesquisas na Queen´s University, no Department of Global Development Studie, em Kingston, no Canadá. Atualmente, além de pesquisador do projeto Rede Guarni/Serra Geral, integra a equipe de investigadores do Laboratório de Análise Ambiental (LAAm) do Departamento de Geociências da UFSC, com ênfase na área de recursos hídricos.
Desastres ambientais
O professor Marcos Aurélio Espíndola, durante a segunda palestra denominada Energia e Desastres Ambientais, alertou sobre uma correção que vem propondo aos especialistas sobre o tema, de que não existe desastres naturais e sim desastres ambientais, por entender que os eventos não têm uma causa apenas natural, são o resultado de uma simbiose entre eventos físicos e humanos.
Para o professor, que é mestre em Geografia pela USP, doutor em Geografia Humana pela UFSC e Pós-doutor pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Área de Concentração Sociedade e Meio Ambiente (Desastres Ambientais e Políticas Públicas), também pela UFSC, a primeira ação que deve ser feita para evitar esses desastres ambientais é na precaução e não depois quando elas ocorrem. "A sociedade civil de Papanduva está de parabéns, antes de ocorrer o dano ambiental, se precaveram e barraram este evento danoso para o meio ambiente."
Além da exploração do xisto na região, Marcos Espíndola também falou dos problemas das secas e das enchentes, chamando atenção para a preservação dos mananciais dos rios e para que as instituições públicas, como a defesa civil, prefeituras e secretarias de meio ambiente se preocupem com ações de preservação. Para ele, além de ações voltadas para evitar os desastres ambientais, é fundamental focar na presença de risco. “É preciso colocar a natureza em evidência, despertar essa consciência ecológica para evitar os desastres.”
A ideia, explicou, é conscientizar a população da importância de estabelecer um contrato com a natureza, estabelecendo uma reflexão em detrimento com o contrato que herdamos com o iluminismo, que prioriza o social e o econômico. “Temos que colocar a natureza em evidência, despertar essa consciência ecológica.” Ele também abordou a relação entre o modelo de geração de energia no país e as consequências ambientais e sociais para as populações.
De acordo com o professor, o contrato natural reza que as relações socioeconômicas entre os homens não podem mais ser regidas pela premissa de que a natureza é apenas o ponto de partida do processo de produção. “Somos parte da teia da biosfera e dependemos imediatamente dela para viver. A natureza é o ponto de partida e de chegada de si mesma.” Espíndola afirma que não se pode fazer morrer o que faz nascer, apenas para que adquira a forma de mercadoria, de lucro e de lixo.
Energias renováveis e tecnologias sociais
Com o foco em desenvolvimento de formas alternativas de geração de energia e sua interação com a sociedade, o professor Marcio Antônio Nogueira Andrade ministrou no período da tarde o tema Energias Renováveis e Tecnologias Sociais. O professor, que é mestre e doutor em Engenharia Civil na área de Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos, da USP e pós-doutor no Laboratório Nacional de Engenharia Civil - LNEC (Núcleo de Engenharia Sanitária do Departamento de Hidráulica) em Lisboa, Portugal, e na Cornell University (Department of Biological and Environmental Engineering) em Ithaca, Nova Iorque (EUA), defendeu investimentos em tecnologias sociais para que a população possa sobreviver às adversidades.
Ele destacou que com as mudanças climáticas no mundo, os eventos extremos do meio ambiente são agravados, ocorrendo grandes períodos de precipitações de chuvas ou de estiagens. "Como vamos nos adaptar a esse novo meio ambiente é investindo em tecnologias, se adaptando ao novo contexto global para ficarmos menos vulneráveis", defendeu. Para o professor, a tecnologia sustentável pode diminuir os problemas de convivência harmoniosa com os recursos naturais.
Sugeriu que as coberturas de casas e prédios sejam aproveitados para captação de águas de chuva e fornecimento de energia elétrica, utilizando a energia solar ou eólica, por exemplo, além de pedir que as pessoas invistam em torres sustentáveis que tenham cisternas de água de chuva para uso geral, que filtre as águas para consumo e gere energia elétrica sustentável. Deu exemplo de uma torre construída em Florianópolis, numa casa para cinco pessoas, no valor aproximado de R$ 5 mil, que resultou na economia de mais de 50% no consumo de energia elétrica e de 40% a 50% na economia no consumo de água e de gás.
Citou como exemplos a utilização das águas da chuva como recurso hídrico, a utilização da biomassa residual, como dejetos de animais, para produção de biogás como fonte de energia. Relatou que na Alemanha, um terço do que é produzido em energia elétrica na usina de Itaipu é produzido por essa biomassa residual. “Nós somos um país tropical, a era do carvão e do petróleo está no fim. Nós temos que utilizar a tecnologia sustentável, disponível no nosso país, como a biomassa, a energia solar, eólica, fotovoltaica, para progredirmos.”
Experiências regionais
No período da tarde, o seminário abriu espaço para apresentações de projetos voltados ao meio ambiente e à sustentabilidade na região. O sociólogo Wilson Luís Correa, o técnico em logística, Marcos Chaves, e o estudante de agroecologia, Andoni Guedes, apresentaram o Projeto Rios, de Três Barras. Este projeto tem a finalidade de preservar a mata nativas nas margens dos rios, evitando erosões com o plantio de mudas de árvores frutíferas.
O projeto foi criado em 2018 e já plantaram mais de 180 mudas frutíferas no córrego do Valetão, que corta o Bairro São Cristóvão, em Três Barras. Contam com apoio da comunidade e da ACJC (Associação Cultural Juventude em Cena) e de professores do IFSC.
O projeto Pasma (Preserve Aromas e Sabores da Mata Atlântica), de Santa Cecília, foi apresentado pela professora Izabel Moreira. Este projeto, criado em 2018, já plantou mais de 4 mil mudas de árvores frutíferas e ajudou na formação de bosques na região.
O projeto nasceu na Escola de Educação Básica Irmã Irene e conta com apoio de algumas empresas parceiras, como a Klabin, Guararapes, Apremavi e a Prefeitura de Santa Cecília, que prevê a revitalização da mata atlântica na região. O projeto tem aplicativos em fase de teste nas redes sociais e no Instagram (@mataatlantic) que acompanham o desenvolvimento das árvores plantadas, com divulgação de receitas, jogos e informações em geral.
O advogado Rafael Sulczewski falou do projeto Prorios de Papanduva e reforçou a articulação para que câmaras de vereadores da região também aprovem legislações próprias para fortalecer a lei estadual.