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22/07/2013 - 17h06min

Fragmentos da História: Ruy Hulse, trabalho e generosidade

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Ruy Hulse, ex-governador e ex-presidente da Assembleia Legislativa. Foto: Miriam Zomer

Reportagem de Vítor Santos

Foto de Miriam Zomer

 

O ritmo de vida é o do trabalhador. Acorda cedo, toma café, uma caminhada e às 9 horas já está no batente. Sai para o almoço e depois de um descanso retorna ao trabalho. Só volta para casa no fim do dia, às vezes tarde da noite. Esta é a rotina do ex-governador e ex-presidente da Assembleia Legislativa Ruy Hulse, criciumense, 87 anos, que definitivamente não os parece ter. “Estava de férias, mas trabalhando, é quase uma necessidade, não tenho preguiça”, revelou.

Desde que deixou a política, em 1970, na época prefeito de Criciúma, Ruy dedicou-se à iniciativa privada. “Foram 20 anos na indústria cerâmica e desde 1997 à frente do Sindicato da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (Siecesc)”. Testemunha do apogeu do carvão nas décadas de 40 e 50 e na crise do petróleo de 1973, Hulse tem certeza de que vem aí outra onda de produção, impulsionada pelo governo federal para compensar a queda na geração de energia hidrelétrica.

Ruy revelou à Agência AL que procurou em sua vida “ser generoso com as pessoas, correto nas ações e perseverante”. E como exemplo de que as ações do homem estão sintonizadas com as palavras do político, a Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (SATC), fundada em 1959, que funciona no complexo do Siecesc, no bairro Universitário, possui mais de 5 mil alunos, do ensino fundamental ao superior.

O governador segundo ele mesmo
“O Jorge Lacerda assumiu em 1956 e em 58 morreu em um acidente de avião. Meu pai, Heriberto Hulse, era o vice e continuou o governo. Eu exercia mandato de deputado estadual. Nessa época o presidente da Assembleia, Braz Joaquim Alves, renunciou. Eu era o vice, assumi, e em seguida fui eleito presidente novamente.

Meu pai era diabético e precisou fazer um tratamento no Rio de Janeiro. Naquele tempo não havia médico especialista no estado. Assumi 11 dias como governador, pouco tempo, mal tomei posse. Exagerando um pouco, foi a fase de maior prosperidade de Santa Catarina!”

O contato com o carvão
Depois de formado engenheiro de minas na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1950, Ruy voltou para Santa Catarina e em 1951 foi contratado pela Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA), criada em 1917 pelo empresário carioca Henrique Lage, quando São José de Cresciúma ainda pertencia ao município de Araranguá.

Ruy atuava como engenheiro na frente de trabalho. “As condições não eram um jardim de infância. Ainda hoje é um trabalho inóspito e naquele tempo não havia legislação a respeito. Todo o trabalho de extração era braçal. A primeira medida de mecanização foi do transporte, com locomotivas elétricas”, descreveu. 

Segundo Ruy, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial e veio a crise do petróleo de 1973, o governo brasileiro exigiu carvão a qualquer preço. “Como não havia legislação ambiental, os rejeitos eram depositados em locais inadequados”, lamentou.

A criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, por Getúlio Vargas, exigiu das mineradoras a produção de carvão de melhor qualidade. “Antes da CSN, o carvão era produzido para gerar vapor. Depois passou a ser lavado, para uso na indústria metalúrgica. Era transportado até o Rio de Janeiro, transformado em pó e depois utilizado pela CSN”, explicou.

Para Ruy, “o carvão tem um futuro promissor, mas é preciso agregar valor, transformá-lo em gás, um produto nobre”.

O político
Ruy Hulse foi eleito deputado pela UDN em 1954, 58 e 62, na esteira da grande explosão do consumo de carvão das décadas de 40 e 50. “Como deputado servi as comunidades de Criciúma, Imbituba, Lauro Müller. Defendi o setor carbonífero. Era uma pessoa modesta. Mas a luta política era muito intensa e a Assembleia vivia muito do debate entre a UDN e o PSD. As maiorias eram muito escassas”, explicou.

“Me elegi prefeito em 1965, em uma eleição muito aguerrida. Meus adversários achavam que a eleição estava ganha. O candidato Addo Caldas Faraco era o avô da deputada Ada Lili. Fazia muita campanha, a diferença foi de 72 votos. Me senti mais realizado como prefeito”, explicou, ressaltando a execução de obras de saneamento básico e a fundação da Universidade de Criciúma, em 1968. “Foi muito importante”, observou.

Desse período, Ruy também avaliou como estratégico para o estado o lobby das lideranças políticas do Sul pela continuidade das obras da BR-101, que no fim da década de 1960 estava sendo construída, mas acabava em Torres, no Rio Grande do Sul. “Mário Andreazza, então ministro dos Transportes, veio a Criciúma para oficializar a continuidade da BR-101”, destacou Ruy, exibindo aos repórteres da Agência AL fotos da recepção, que mostram várias faixas escritas “Andreazza, manda brasa na 101”.

Administrar: ontem e hoje
De acordo com Ruy, “naquele tempo era mais fácil administrar a coisa pública. Não tinha tantos partidos para fustigar, para exigir posições. Isso prejudica a administração”, ensinou o ex-prefeito, que governou com minoria na Câmara, três vereadores de situação e seis de oposição. “Você tem de colocar os interesses da comunidade acima dos interesses partidários e buscar o denominador comum”, declarou.

Descontraído, Ruy afirmou que dada sua idade pode se  dar ao luxo de dar conselhos e pediu aos governantes atenção à “educação como fundamento principal”, prescreveu o “cuidado com a saúde e o bem estar dos governados” e cobrou imparcialidade. “Os interesses dos cidadãos devem ser colocados acima dos interesses pessoais”, afirmou.

Para Ruy, “a quantidade de partidos é prejudicial” ao país, que precisa fazer as reformas política e tributária. “Não adiante se vangloriar de ser a 6ª economia do mundo, se temos todos esses problemas”. Sobre o atual governo, o ex-presidente do Legislativo barriga verde avaliou que Colombo “tem dificuldade para administrar a gama de partidos que o apoiou” e que uma base tão abrangente “é bom e ruim ao mesmo tempo.”

A imagem do pai
Heriberto Hulse “era um homem voltado para o trabalho, honesto, enérgico, com retidão na vida pública. Ele gostava de esportes, mas não era um apaixonado”, ressaltou Ruy, que credita a popularidade do nome do pai ao fato do estádio do Criciúma chamar-se Heriberto Hulse. “Uma divulgação interessante, é gratificante. Eu gosto de ir ao estádio. Se não vou, acompanho os jogos em casa”, contou.

Por que a UDN
Ruy explicou que a UDN foi a opção natural do pai, em 1945. “Ele era do Partido Republicano. Os líderes desse partido, com o fim do Estado Novo, migraram para a UDN, que tinha identidade com o público mais urbano.”
Sobre Getúlio Vargas, na época adversário número 1 da UDN, Ruy declarou não ter sido muito crítico do ex-presidente. “Getúlio concentrava o poder, mas era nacionalista e prestigiou o carvão. Mas também foi um ditador e simpatizante do Eixo”, registrou.

Futuro de Criciúma
Criciúma “está se tornando uma cidade grande. Vai continuar a ter muita influência no Sul. Com um crescimento médio de 3% ao ano, em 35 anos terá mais de 350 mil habitantes”, projetou. Para o ex-prefeito, o principal desafio da cidade é preparar o sistema viário para proporcionar mobilidade aos moradores.

A infância
Quando criança, Ruy “caçava sabiá com funda, principalmente no inverno, quando os pássaros se aproximavam das casas”. Menino ainda, com oito, nove anos, já tinha contato diário com carvão. “Quando os mineiros saíam da mina sobre o carro que transportava o mineral, subindo uma rampa muito forte, impressionava a velocidade”, contou.

Nesse período, o máximo que avançou terra adentro foram “cerca de 40, 50 metros”. Mas, alguns anos mais tarde, o engenheiro passaria “dois anos no subsolo”.

Ruy descreveu uma vida familiar “muito afetiva” e lembrou com emoção a primeira viagem à praia do Rincão, em 1937, balneário distante cerca de 30 km de Criciúma. “Toda a família foi de trem até Içara. Depois continuamos de carro-de-boi. Levava o dia inteiro. Ficamos 15 dias. Fiquei impressionado com os meninos que furavam as ondas.”

Já a capital, Ruy a conheceu em 1934. “Cheguei de navio. Fui de trem até Laguna e depois até Florianópolis no Max.”

Traquinagem
“Tinha nove anos, meu pai cultivava o hábito de caçar. Saía sábado pela manhã e voltava domingo à noite. Havia um cachorro branco, bom de caça, que o acompanhava sempre. Na época estávamos reformando a casa, pintando a parte de madeira de verde. De brincadeira, pintei o cachorro de verde. Quando meu pai voltou do trabalho e viu o cão, ficou bravo. Apanhei de cinta. O cachorro acabou morrendo, a tinta era tóxica.”

O amor
“Estudava em Porto Alegre, tinha 22 anos. Nos domingos íamos para a rua da Praia, acompanhar a saída da matinê das 16 horas. Eram 30, 40 minutos de footing. Em um domingo desses uma moça chamou minha atenção. Falei para um amigo que queria falar com ela. - O que faço, perguntei. Ele respondeu: - Dá um peitaço. Via-a todo domingo. Certo dia, quando ela passou com uma prima e duas amigas, tomei coragem e disse-lhe: - Gostaria de falar com você.

Ela respondeu: - Não falo com quem não conheço. Respondi-lhe: - Mas você vai falar comigo. A partir daí começou o flerte. O casamento já dura 63 anos”.

Cuidado com a saúde
Um dos momentos mais descontraídos da entrevista, realizada na sede do Siecesc, em Criciúma, aconteceu quando a repórter da TVAL, Maria Helena Saris, perguntou o que Ruy fazia para se manter tão ativo e jovial aos 87 anos. O ex-deputado, bem-humorado, devolveu com outra pergunta: “Você quer saber o que eu tomo, não é? Eu tomo cuidado, muito cuidado”, afirmou sorrindo.

Ele é adepto da alimentação saudável, dos exercícios diários, recomendou acordar cedo, ter uma vida disciplinada, trabalhar e beber um bom vinho pinot noir. “Vale a pena, pretendo chegar aos 100 anos”, brincou.  E ainda fez troça das homenagens que recebe, explicando que o homenageado é uma “pessoa com muito passado e pouco futuro”.

Frases
“A extração de carvão era praticamente a única atividade industrial da região”

“Sempre fui muito afetivo. Como pai e marido, preparei meus descendentes”.

“Antigamente se olhava de longe o senador. Hoje vem, bate nas costas, nivela por baixo”.

“Não sou fã entusiasmado da Internet, mas troco e-mails e converso com a família via rede”.

Sobre o incêndio na sede da Assembleia na praça Pereira Oliveira, em 1956: “Eu estava de licença, mas as instalações eram precárias, disseram que foi curto-circuito”.

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