Pterossauros: uma nova espécie descoberta por pesquisadores catarinenses
Encontrar fósseis de indivíduos que viveram há milhões de anos não é das tarefas mais cotidianas. Contudo, pesquisadores da Universidade do Contestado, em Mafra, no Planalto Norte catarinense, descobriram um tesouro: a maior aglomeração de pterossauros já encontrada no mundo. A partir da descoberta, a conclusão é a de que esta é uma nova espécie desses répteis pré-históricos de asas, que viveram apenas no Brasil.
O estudo, realizado por cientistas do Centro de Paleontologia (Cenpaleo) da Universidade do Contestado e do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi publicado na revista PLoS One (revista científica publicada pela Public Library of Science). A nova espécie de pterossauro recebeu o nome de Caiuajara dobruskii.
Contemporâneos dos dinossauros, os pterossauros possuem características bem diferentes. O geólogo e descobridor desses fósseis, Paulo Cesar Manzig, explica que para fazer uma comparação com o comportamento dos dinossauros pode-se estudar as aves. “Você tem um elemento, uma pista para seguir porque as aves descendem deles. O pterossauro não. Eles não deixaram nenhum descendente na face da terra. Não existe nenhum animal hoje que se assemelhe a um pterossauro”.
Manzig garante que não existe um réptil voador no planeta, então é um animal que foi desvendado por meio de pesquisas científicas, mas muitas lacunas ainda permaneceram abertas. O pesquisador acredita que essa descoberta em Cruzeiro do Oeste, pela enorme quantidade de ossos encontrada, vai permitir se chegar a algumas respostas.
No primeiro estudo feito com o material, foram utilizados 47 crânios encontrados no local. Em dois anos e meio de exploração no sítio arqueológico, os cientistas retiraram cerca de cinco toneladas de blocos com fósseis. De acordo com os pesquisadores, ainda há uma grande área a ser explorada, e as expectativas são altas em relação ao que pode ser encontrado por lá, incluindo outros tipos de animais. Com exceção de um trabalho bastante questionado sobre uma espécie no Rio Grande do Sul, todas as ocorrências desses "primos" dos dinossauros no Brasil estavam concentradas no Nordeste.
A aglomeração de, pelo menos, 47 indivíduos em um mesmo sítio é altamente incomum e contribui com pistas valiosas sobre o desenvolvimento e sobre o comportamento dos bichos. A concentração pode indicar que eles eram sociáveis.
A decoberta
Enquanto fazia uma pesquisa para seu livro “Museus e Fósseis da Região Sul do Brasil”, em 2011, em parceria com o paleontólogo Luiz Carlos Weinschütz, o geólogo Paulo Manzig encontrou os fósseis de pterossauros em um museu na Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR). Sabendo que não havia registros na literatura sobre esses animais naquela região, resolveu procurar o local de onde tinha vindo a rocha em que estavam os fósseis, e organizou, em outubro daquele ano, uma expedição a Cruzeiro do Oeste. Lá conheceu João Gustavo Dobruski, trabalhador da região que havia mandado as rochas para o museu.
"O sítio havia sido descoberto por ele e seu pai, Alexandre Gustavo Dobruski, em 1971, quando escavavam valetas para escoamento de água em uma estrada rural”, conta Manzig. "Alexandre percebeu a importância do material já naquela época. Eles chegaram a mandar amostras para uma universidade, mas ainda se sabia pouco sobre pterossauros no Brasil e eles não tiveram resultados conclusivos", avalia.
Parte de uma nova espécie, encontrada apenas no Brasil, os pterossauros receberam o nome de Caiuajara dobruskii, uma referência ao deserto do Caiuá (onde foram encontrados) e à família Dobruski, reais descobridores dos fósseis, homens do campo que tiveram a percepção sensível de que estavam diante de uma descoberta muito interessante para a ciência.
Quem são os pterossauros
Pterossauros são répteis voadores e seu nome vem do grego “lagartos alados”. Até prova em contrário, eles foram os primeiros vertebrados a desenvolver a capacidade do voo ativo. Foram secundados pelas aves e os morcegos que, no entanto, trilharam caminhos evolutivos distintos. Os mais antigos répteis voadores conhecidos viveram há cerca de 228 milhões de anos. Contemporâneos dos dinossauros, com quem não têm relação direta de parentesco, a despeito dos nomes parecidos, foram extintos 66 milhões de anos atrás, no fim do período Cretáceo. Morreram num cataclismo que dizimou a maior parte dos organismos então existentes, motivado provavelmente pelo impacto de um grande asteroide e pelas mudanças ambientais por ele desencadeadas.
Nessa janela de 160 milhões de anos, existiram desde pterossauros diminutos – que de asas abertas mediam cerca de um palmo – até gigantes com altura de girafas e mais de 10 metros de envergadura. Muitos deles traziam no topo do crânio cristas vistosas. A diversidade dos dentes sugere que alguns se alimentavam de peixes e pequenos animais terrestres, outros de frutas ou insetos.
Anatomia
Entre as principais características anatômicas que fizeram com que eles merecessem uma nova classificação, diferenciando-os das espécies conhecidas de pterossauros, está o fato de eles terem o "bico", ou seja, a parte final da mandíbula, mais inclinada para baixo do que os outros.
Além disso, os animais apresentam concavidades no céu da boca e na arcada inferior, sendo esta última mais pronunciada, e cuja utilidade os pesquisadores ainda não desvendaram, além de cristas frondosas. Segundo Alexander Kellner, paleontólogo e pesquisador do Museu Nacional da UFRJ, convidado a participar da pesquisa por ser um dos maiores especialistas sobre o assunto no mundo, este é o primeiro pterossauro descoberto na região Sul do Brasil. Os pesquisadores estimam que o animal tenha vivido no período Cretáceo Superior, há cerca de 80 milhões de anos.
Esses pterossauros foram descritos como uma espécie nova, condição provada pela grande quantidade de fosseis, da mesma espécie, encontrados. De acordo com Luiz Carlos Weinschütz, isso possibilitou estudar e entender cada osso que compõe o esqueleto dessa nova espécie pra poder ver que ela tem características diferentes de espécies já descritas. “Uma característica é que esse animal tinha hábitos gregários (foram encontrados vários juntos) e viviam num deserto, coisa que não era comum entre os pterossauros já descritos. A morfologia do crânio é uma característica também para a gente reconhecer como uma espécie nova (tem um formato de bico e de crista diferente)”.
Weinschütz e Manzig descrevem em seu livro Museus e Fósseis da Região Sul do Brasil que “a ausência de dentição observada nas amostras sugere uma dieta frugívora, evidenciando indiretamente a presença de uma vegetação arbustiva ou arbórea de pequeno ou médio porte, que fazia parte da paisagem cretácea de um grande deserto coberto por dunas e permeado por algumas áreas restritas mais úmidas, caracterizado pelos arenitos eólicos do Grupo Caiuá, depositados no noroeste do Paraná e onde também teria se estabelecido uma fauna diversificada, incluindo-se agora esses pterossauros”.
As aves, que colonizaram os céus após a extinção dos pterossauros, não têm ligação com esses répteis. Como elas, porém, estes apresentavam ossos ocos, com paredes extremamente finas e cavidades cheias de ar – adaptação evolutiva que, se lhes facilitava o voo, dificultou a vida dos paleontólogos, pois seus restos eram frágeis e de difícil preservação. A maioria dos fosseis de répteis voadores é proveniente de cinco regiões: a província de Liaoning, no nordeste da China; a formação Niobrara, no Meio-Oeste norte-americano; os depósitos de Cambrige Greensand, no Reino Unido; o calcário de Solnhofen, no sul da Alemanha; e a bacia sedimentar do Araripe, no Nordeste brasileiro.
A relevância da descoberta para a ciência e para o entendimento da evolução e dos riscos da vida na terra será tema de mais uma matéria da reportagem: Pterossauros.
Agência AL