Neurocientista Miguel Nicolelis faz palestra e lança livro na Alesc
O neurocientista Miguel Nicolelis palestrou na noite de quinta-feira (19) na Assembleia Legislativa sobre o seu novo livro, “Made in Macaíba”, e foi aplaudido de pé pelo público que lotou o Auditório Deputada Antonieta de Barros. A obra relata a trajetória de implantação do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), um projeto com o propósito de fazer da ciência um agente de transformação social. O evento foi promovido pelo Centro Acadêmico de Engenharia Civil (Caec) do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), com apoio da Alesc e da Editora Planeta.
O polo de ensino, pesquisa e extensão em neurociência, conhecido como Campus do Cérebro, é o maior centro educacional de ciência da América Latina. Instalado na cidade de Macaíba, cidade rural da região metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte, mudou o cenário de uma comunidade carente, incentivando milhares de crianças a estudar e a acreditar que as oportunidades existem para todos.
Na palestra, Nicolelis relatou que retornou ao Brasil no início de 2003, depois de 15 anos fora do país, para tentar implantar um novo modelo de fazer ciência como agente de transformação social. "Esse projeto foi desenvolvido em um município da Grande Natal que tem todos os problemas naturais das cidades-dormitórios das áreas metropolitanas brasileiras. Mas também apresentava como agravante o índice altíssimo de mortalidade materna, de 90 mortes a cada 100 mil partos", contou. Conforme o cientista, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem como índice aceitável 3 a 4 óbitos a cada 100 mil partos.
A ideia, segundo Nicolelis, foi criar um modelo científico em que a ciência começasse no útero materno. "Queríamos criar um programa educacional usando a ciência como o grande currículo, mas para isso tínhamos que dar condições para que essas crianças nascessem com todo o potencial biológico, neurobiológico. Para isso, tínhamos que cuidar das mães, possibilitar que o pré-natal das gestantes fosse o melhor possível", disse. O projeto se chama "Educação para toda a vida" porque começa no pré-natal e se estende até a pós-graduação.
O livro mostra os desafios de se fazer ciência e tecnologia em uma das regiões mais pobres do país. Também é uma lição de empreendedorismo e incentivo à educação. "O livro conta essa epopeia. As dificuldades foram muito grandes, mas o resultado geral é extremamente positivo. Mostramos que é possível despencar em qualquer lugar do Brasil e criar um polo científico que tem um impacto social tremendo. Depois de todo esse esforço de uma equipe de quase 200 pessoas, entre professores, médicos, cientistas e técnicos, mais de 11 mil crianças já fizeram um curso de educação científica que não existe no resto do Brasil e mais de 60 mil mães foram atendidas pelo programa de pré-natal", destacou. Na avaliação do cientista, o projeto mudou o perfil social e econômico da cidade. "Hoje, em Macaíba, as crianças e mães atendidas pelo projeto têm ideia do impacto da ciência."
Projeto Andar de Novo
Nicolelis também falou sobre o projeto Andar de Novo (Walk Again), interface cérebro-máquina que visa devolver o movimento para pessoas com lesão na medula espinhal. O projeto permitiu que um paciente paraplégico voltasse a mover a perna, com ajuda de um exoesqueleto, para chutar uma bola durante a abertura oficial da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. Um capítulo do “Made in Macaíba” resume a experiência do “Chute da Copa do Mundo”, mas Nicolelis promete um livro com a história completa, abordando com mais ênfase a parte científica.
Os resultados obtidos pelos pacientes envolvidos na pesquisa surpreenderam o cientista e profissionais de todo o mundo. Eles não apenas passaram a andar e voltaram a ter a sensação de estar de pé e controlar seus próprios movimentos, mas também tiveram uma recuperação neurológica parcial de movimentos abaixo do nível da lesão medular e de sensibilidade tátil das pernas. “Os pacientes passaram a sentir os territórios abaixo da lesão, algo que nunca tinha acontecido na área. Foi uma surpresa muito grande e continuamos estudando”, disse Nicolelis.
O cientista acredita que o resultado é uma consequência do protocolo implementado no Brasil de usar o cérebro para controlar o exoesqueleto e também instrumentar o euipamento para devolver a sensação tátil enquanto o paciente anda. “Temos sensores de pressão em todo o exo, então, por exemplo, quando o pé toca o chão, o paciente recebe um estimulo tátil no braço, onde ainda tem sensibilidade. O cérebro aprendeu a remapear sensações vindas das pernas nos braços. Achamos que isso gerou toda a recuperação clínica desses pacientes. O mundo todo está perplexo com os resultados, tenho viajado o mundo inteiro e estamos com os trabalhos prontos para serem publicados”, informou Nicolelis, ressaltando que o trabalho não foi feito apenas para a abertura da Copa. "Foi uma demonstração histórica, mas o que estava por trás era a tentativa de criar uma nova terapia para pacientes paralisados, que são 25 milhões no mundo.”
Saiba mais
Miguel Nicolelis é conhecido no mundo todo pelo seu trabalho de neurocientista, líder do projeto Walk Again. Além de presidente do IINN-ELS, é professor titular do Departamento de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Com mais de 30 prêmios internacionais, é considerado um dos maiores cientistas brasileiros da atualidade. Em 2004, foi eleito pela revista Scientific American um dos 25 cientistas mais importantes do mundo. Em 2015, a revista Foreign Policy o apontou como um dos 100 grandes pensadores globais.
Obras
“Made in Macaíba” é o terceiro livro de Nicolelis. As outras publicações são “Muito Além do Nosso Eu” e “O maior de Todos os Mistérios”, este dedicado ao público infantojuvenil e escrito em parceria com a mãe, Giselda LaPorta Nicolelis.
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