Legado de Zilda Arns completa 30 anos em Santa Catarina
O primeiro núcleo da Pastoral da Criança em Santa Catarina completou 30 anos de atividades no mês de abril. A experiência catarinense de combate à mortalidade e desnutrição infantil foi implantada em Forquilhinha, terra natal da médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, com o apoio de familiares da médica e de voluntários. O primeiro núcleo da Pastoral da Criança havia sido criado em 1983, em Florestópolis (PR), por Zilda Arns e D. Gerado Majella, então arcebispo de Londrina, a pedido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Aos 90 anos, a religiosa Maria Helena Arns, uma das irmãs de Zilda que abraçaram a causa da Pastoral da Criança desde o início, puxa da memória os acontecimentos da década de 1980 que culminaram na criação da pastoral. Conta que D. Paulo Evaristo Arns, irmão delas, trouxe de Genebra um pacote de soro caseiro. O Unicef havia sugerido a ele a realização de um trabalho para redução da mortalidade infantil em função da desidratação. Com o apoio de D. Geraldo Majella, Zilda fez um plano mais amplo de combate à mortalidade, que incluía não apenas o tratamento da desidratação, mas o acompanhamento integral e ações educativas para evitar que a criança voltasse a adoecer. “A Zilda dizia que as crianças não tinham saúde porque as mães não tinham educação”, conta irmã Maria Helena.
De Florestópolis a Pastoral da Criança foi multiplicada, inicialmente, para Santo Antônio da Patrulha (RS), onde a irmã Maria Helena assumiu o projeto. Então se espalhou para Forquilhinha, pelas mãos de outra irmã, a religiosa Hilda Arns, e para diversas cidades do país onde Zilda conhecia pessoas que poderiam iniciar o trabalho. Hoje a pastoral acompanha mais de 1,2 milhão de crianças no país, com um exército de mais de 205 mil voluntários, e está presente em mais de 20 países.
A estratégia da Pastoral da Criança consiste em multiplicar ações educativas e de saúde pelas mãos de voluntárias. “A Zilda percebeu que as líderes, para serem aceitas, precisavam ser de cada comunidade, não podiam ser de fora”, recorda-se irmã Maria Helena, creditando a esse fato parte do sucesso do programa. Quando o trabalho foi iniciado, algumas cidades como Florestópolis tinham índice de mortalidade infantil semelhante ao do Nordeste, de quase cem em cada mil nascimentos – a média brasileira hoje é de 18 em cada mil.
O incentivo à amamentação e receitas simples de soro caseiro, multimistura, mingau, caldo de feijão e muito amor mudaram drasticamente essa realidade, conforme relembra a religiosa. “A Zilda ensinava às mães a importância do carinho durante a amamentação. Ela dizia: ‘você tem que olhar no olho da criança, transmitir amor para ela’”, relata a irmã.
A pastoral em Forquilhinha
Lilian Arns Topanotti, sobrinha de Zilda, participou da primeira capacitação de líderes no município e atua na Pastoral da Criança desde o princípio, quando Forquilhinha ainda era distrito de Criciúma. “A Zilda dizia que semente plantada em terra boa dá bons frutos, por isso queria iniciar o trabalho da pastoral na terra dela”, relata Lilian.
Para melhorar os índices nutricionais das crianças e gestantes, a pastoral passou a incentivar o enriquecimento da alimentação do dia a dia com alimentos disponíveis na região. A farinha multimistura – feita a partir de farelo de cereais e pós de folhas verde-escuras, sementes e casca de ovo – foi uma grande aliada nesse trabalho. A multimistura continua sendo usada, mas o foco da pastoral mudou. Hoje o principal problema de nutrição infantil é a obesidade. “Continuamos trabalhando com a desnutrição, mas a obesidade é o problema mais recente, por isso temos dado enfoque, durante as capacitações, ao tema alimentação saudável, incentivando projetos como as hortas domésticas”, explica a sobrinha da fundadora.
A pastoral atende, atualmente, cerca de mil crianças em Forquilhinha. “São 12 mil crianças na diocese, que engloba 23 municípios. A pastoral está presente em quase 400 comunidades”, orgulha-se a irmã Marinês Reck, uma das coordenadoras do trabalho. Para realizar as capacitações de voluntárias de toda a diocese, a pastoral conta com a estrutura da Casa Mãe Helena, espaço construído em um terreno doado por Zilda Arns, que leva o nome da mãe dela.
Na opinião de Marinês, “o que mantém a pastoral viva e iluminada é a mística”. Todo trabalho realizado é acompanhado de oração e partilha de alimentos. A dedicação das voluntárias é algo admirável, conforme a religiosa. “São mães de família, trabalhadoras, que encontram tempo para se dedicar aos outros. Quem assume o trabalho da pastoral o faz com amor.”
Dinâmica de trabalho
As voluntárias acompanham as famílias em situações de vulnerabilidade, realizam visitas e prestam orientações. Uma vez por mês, reúnem as famílias acompanhadas e fazem a “celebração da vida”, momento em que as crianças são pesadas e medidas. As mães respondem a um questionário e todos os dados são lançados em folhas de controle que mais tarde embasarão os indicadores da pastoral.
Durante uma “celebração da vida” na casa da líder Sebastiana Machado, no Bairro Clarissas, em Forquilhinha, as voluntárias avaliaram os filhos de Patrícia Godoi Pereira, artesã. Marcos Vinícius, 4, e Maria Vitória, 2, estão saudáveis e ganharam peso no último mês. “Aprendi muito com elas sobre aleitamento materno e alimentação. Para quem não tem experiência, o apoio delas é muito bom”, diz Patrícia.
No Bairro Santo André, em Criciúma, a voluntária Julcema Maria da Silva Meller entrevista a dona de casa Albertina Diogo, mãe de quatro filhos. Pergunta se alguma das crianças teve diarreia; se a família tem horta; se usou soro caseiro; se as vacinas estão em dia; se a mãe ainda amamenta. Na casa simples da família de recicladores, Jucelma observa as questões sociais, conversa e dá apoio. No quintal, recomenda que a mãe não deixe o material reciclável e o lixo espalhado para evitar a proliferação de doenças e, antes de ir embora, recomenda a participação na celebração da vida.
O Bairro Santo André, considerado um bolsão de pobreza, tem o melhor comparecimento nas atividades da pastoral entre os cinco bairros que Julcema acompanha. Em meio ao esgoto, inúmeros cães e gatos famintos vagam pelas ruas, por isso as líderes da pastoral agendaram uma palestra sobre controle de zoonoses com estudantes da Unesc. “Precisamos controlar o número de animais, já temos problemas demais”, explica a voluntária.
Beatificação de Zilda Arns
O trabalho humanitário idealizado por Zilda Arns motivou a Igreja Católica a iniciar processo pela beatificação da médica, morta em 2010, aos 75 anos, durante terremoto no Haiti. A morte como mártir é um dos pré-requisitos para a beatificação de uma pessoa que tenha dedicado sua vida ao próximo. O segundo passo foi reunir mais de 215 mil assinaturas para iniciar o processo. Na próxima fase, uma comissão do Vaticano vai analisar as virtudes de Zilda Arns, conforme explica a irmã Marinês Reck. O processo de beatificação deve culminar com a comprovação de um milagre. Já existe relato de pelo menos um milagre atribuído a Zilda no Haiti.
Agência AL