Fragmentos da História - JKB: do articulador ao pescador
Reportagem de Vítor Santos
Fotos de Lucas Gabriel Diniz
Um caminho para conhecer Jorge Konder Bornhausen, 76 anos, personagem de destaque na transição da ditadura militar para a democracia, é ouvi-lo falar de si mesmo. “Sou otimista, gosto da vida bem regulada, com trabalho e momentos de lazer, com os amigos de boemia e de pescaria. O grande filósofo é o Zeca Pagodinho, vida leva eu”, revelou doutor Jorge. A autodefinição contrasta com a imagem quase prussiana que se tem de JKB, também chamado de Alemão e Kaiser.
Mas o político é apenas uma das facetas do homem e este tem uma rotina rígida. Na segunda de manhãzinha vai para São Paulo, onde permanece até quarta-feira. É o presidente do Conselho de Estudos Políticos e Sociais da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “Tenho muitas atribuições, consultorias de empresas e de entidades. Me sinto em condições de trabalhar e não estou aposentado”, afirmou.
Na capital paulista reencontra “velhos amigos” dos tempos de aliança liberal, Marco Maciel, Heráclito Fortes, Guilherme Palmeira, todos conselheiros da ACSP. “Jantamos na véspera da reunião”. Antes do fim da quarta-feira, Bornhausen já está em Florianópolis. Quinta, almoça com os netos, no apartamento da Beira Mar Norte, e ao resto do dia transcorre entre um e outro contato político.
Nas noites de quinta e sexta entra em ação o boêmio, quando Jorge encontra os amigos – que prefere “não nominar para não denunciá-los” – para saborear um bom vinho nas mesas e balcões do Emporium Bocaiúva, tradicional bar da região central de Florianópolis.
Na sexta, a agenda é do pescador. “Pesco em Governador Celso Ramos, próximo das ilhas, dá mais badejo e robalo. Na pescaria é proibido falar de política”, contou JKB, rindo da curiosa restrição que impôs a si mesmo e aos parceiros de pesca. A proibição também vale para as campanhas, dentro do carro, entre uma cidade e outra.
Carioca por acidente
O pai de JKB, Irineu Bornhausen,prefeito eleito de Itajaí em 1930, acabou cassado pela revolução de 30 e mudou-se para o Rio de Janeiro com a família. Apesar do pai ter sido eleito novamente prefeito em 1936, Jorge nasceu no Rio em 37 e teve a infância dividida entre a capital do país, Itajaí e Rio do Sul, onde passava férias. Estudou no Colégio Catarinense, em Florianópolis, e formou-se em Direito no Rio de Janeiro. Depois foi para Blumenau exercer a advocacia, “para não ser político”, imaginava que se permanecesse em Itajaí seria absorvido pela vida pública.
Entretanto, a cassação de Francisco Dall’Igna, vice-governador, a extinção do PSD e da UDN, a criação da Arena, a desistência do pai de concorrer à reeleição ao Senado, cedendo espaço ao ex-governador Celso Ramos, fizeram-no vice-governador do estado em 1966. Em 1974, assumiu a presidência do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc); em 1979, foi eleito pela Assembleia Legislativa governador; em 1982, elegeu-se senador, cargo que voltou a exercer em 1999. Além disso, foi embaixador em Portugal, presidente do Partido da Frente Liberal (PFL), ministro da Educação de Sarney e da Casa Civil de Collor.
A origem dos Konder & Bornhausen
JKB se diverte contando a origem da família. O primeiro Bornhausen chegou ao Brasil em 1814, ainda adolescente, no rastro de outro alemão que fez história, Hans Staden, que em 1550 desembarcou no porto que os Carijós denominavam Jurumirim, o estreito que separa a Ilha de Santa Catarina do continente. “Jacob veio clandestino em um navio, a história é que veio dentro de um barril, não sei se é real ou um pouco de folclore”. Uma vez em terra, Jacob se estabeleceu na Colônia São Pedro de Alcântara e depois mudou-se para Itajaí.
Já a família Konder descende de Marcos Konder, que foi contratado pelos Malburg, de Itajaí, para ser professor dos filhos. “Ele casou com uma aluna, Adelaide Flores, para quem dava aulas de violino. Era filha de Zé Henrique Flores, político conhecido no Vale”. Desse casamento nasceram os irmãos Konder, Adolfo e Vitor, além de Maria, que casou com Irineu Bornhausen. “O DNA político da família vem dos Flores”, garantiu Jorge.
O Brasil pós 64
De acordo com JKB, em 1964 o país caminhava para um golpe de João Goulart. Houve reação dos civis, com milhares de mulheres marchando com o terço na mão. “Os militares entraram no processo, veio o Castelo Branco, com cassações desnecessárias. Era para acabar no fim do governo dele, não terminou. Mas foi um mandato reformador, muito positivo”, avaliou. Depois vieram Costa e Silva, Médici e Geisel, todos governos de exceção. “O início da abertura se daria com Figueiredo, mas a ditadura não estava caminhando para o fim”, contou.
Na época das Diretas Já, estava no Senado e era membro do diretório nacional da Arena. “Pedi demissão dois dias antes, ia votar a favor da eleição direta, o movimento era salutar. O Senado não votou, mas resultou na democratização do país”. JKB não apoiou as pré-candidaturas de Paulo Maluf e Mário Andreazza. “Tentamos o Marco Maciel, depois o Aureliano. Figueiredo prometeu prévias, depois retirou apoio”, explicou.
Então uma rebelião interna na Arena, liderada por Guilherme Palmeira, Marco Maciel, JKB e mais tarde José Sarney e Aureliano Chaves, deu origem à Frente Liberal e viabilizou a ampla aliança democrática que elegeu Tancredo Neves. “Foi uma das páginas mais bonitas da nossa história, representou a mudança para o estado democrático, sem sequelas”, analisou Bornhausen.
Em 1989, Jorge apoiou Guilherme Afif no primeiro turno e no segundo, Fernando Collor. “O governo Collor iniciou com atos produtivos, promoveu a abertura do país. Mas depois entrou num desvio, então fui chamado para coordenar a mudança de ministério. Um momento difícil. Relutei, mas meus amigos me empurraram, levamos o governo até onde foi possível. Saí frustrado”, justificou. Em 1994, na condição de presidente do PFL, foi um dos articuladores da aliança com o PSDB, que, apoiada pelo presidente Itamar Franco, elegeu Fernando Henrique Cardoso.
A experiência no Executivo
JKB fala com alegria dos tempos de governador. “Encontrei o estado bem arrumado, bem administrado, obras em andamento e dinheiro em caixa”, referindo-se ao antecessor, Antonio Carlos Konder Reis. “Meu primeiro ato foi dar um abono de 100% para quem estivesse na sala de aula. Milhares de professores (que estavam lotados em outras áreas da administração) voltaram imediatamente. Melhorou a qualidade de ensino”.
O ex-governador tem orgulho do bom relacionamento com o magistério. “Me abraçam por causa desse abono”. Já como ministro da Educação do governo Sarney destaca a ampliação da rede de escolas técnicas, 12 em Santa Catarina e 100 no país. E, se provocado, enumera obras como a pavimentação da Beira Mar Norte, a construção do Centro Integrado de Cultura (CIC), do terminal Rita Maria, todos em Florianópolis, além da criação da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE).
Relatos
A primeira vacinação em massa
“A paralisia infantil marcou a minha vida. Fizemos a primeira vacinação em massa do país. Em 1979 ocorreu um surto de paralisia infantil no Norte do estado. Os casos foram se multiplicando. Me lembrei da chamada de uma revista, dizia que o doutor Albert Sabin estava no Rio de Janeiro. A revista era a Manchete. Naquele dia constatei que o maior patrimônio é a amizade. Liguei para Oscar Bloch. No dia seguinte o doutor Sabin estava aqui, foi muita delicadeza.
O doutor Sabin examinou a situação e disse que ou vacinávamos 100% das crianças no mesmo dia, ou então o não vacinado receberia o vírus de quem havia sido vacinado. Montamos uma operação de guerra, com as secretarias de Educação, Saúde e Segurança Pública, Polícia Militar, Polícia Civil, Exército, Marinha e Aeronáutica. No fim do dia 100% das crianças de 0 a 5 anos estavam vacinadas”.
A Novembrada
“A Novembrada foi um momento difícil. Estávamos em campanha pela implantação de uma siderúrgica, ia se chamar Sidersul. Convidamos o presidente João Figueiredo para pedir a autorização, porque a Siderbrás não estava permitindo a instalação. Ele veio. Houve uma reunião para assinaturas dos atos no Palácio Cruz e Sousa. Na praça XV, defronte ao palácio, havia umas duas mil pessoas, entre eles uns 15, 20 estudantes, que faziam uma manifestação democrática.
De repente o presidente pegou no meu braço e disse: – Xingaram minha mãe, vou resolver lá embaixo, no braço. Foi um ato insano, tive de acompanhá-lo. Depois ele ainda quis tomar café no Ponto Chic, houve novo confronto, tapas pra cá e pra lá. Após o tumulto, fomos para um almoço na Palhoça e o presidente prometeu a Sidersul. Mas não aconteceu.
Foi um equívoco querer enquadrar os estudantes na lei de segurança nacional. Procurei o Petrônio Portela, não havia razão para as prisões, mas ele não pôde ajudar. Fui atrás do general Bandeira, que estava em Gravatal, era da linha dura. A minha popularidade teve uma queda grande, mas popularidade é uma gangorra, o importante é manter a credibilidade. Procurei fazer o melhor, saí do governo com a eleição do Esperidião e eleito senador”.
Vice de Ivo Silveira
“Participei da campanha de 1965, fui um dos coordenadores de Antonio Carlos Konder Reis, meu primo e querido amigo. Daí surgiu a Arena, com a união do PSD e da UDN. Meu pai era senador pela UDN, a vaga de candidato ao Senado era dele. O Celso Ramos tinha sido governador e também pretendia a vaga. Então, através de um acordo, Celso passou a ser candidato a senador, cabendo à UDN a indicação do vice-governador.
Meu pai levou meu nome aos deputados da UDN, que aceitaram. Os líderes do PSD também aceitaram, acabei vice e tive um bom relacionamento com Ivo Silveira. Percorri o estado e comecei a participar fortemente da vida política”.
Opiniões
Sobre a governabilidade
“A multiplicidade de partidos, a exigência de coligações e da participação dos partidos na administração atrapalham o governante. É preciso estar muito atento, em vez de receber indicações dos partidos, o governante deve procurar escolher os melhores quadros dos partidos. Esta é única opção para o modelo”, analisou JKB.
Para exemplificar sua tese, Bornhausen citou o primeiro mandato de Fernando Henrique. “Eu era presidente do PFL, o partido tinha quatro ministros, nenhum foi indicado por nós, foram escolhidos pelo Fernando Henrique. O administrador pode fazer coligações, mas tem de saber escolher dentro dos partidos”, defendeu.
A copa e as eleições de 2014
“O brasileiro adora futebol. Não vejo na copa do mundo um instrumento para favorecer ou desfavorecer um candidato. Todos vão vestir a camisa do Brasil. O que pode ocorrer é chegar ao sentimento da população os problemas da mobilidade urbana, aeroportos, portos, e isso servir de alerta para os defeitos da administração, um olhar maior para as falhas da administração, acho que isso vai ocorrer. As obras estão atrasadas, houve posicionamento político na escolha dos locais, há estádios sem clubes, gastos desnecessários, isso tudo vai influenciar”.
O centralismo de Brasília
“Vejo com grande preocupação o centralismo, não temos uma federação. Os estados têm de ficar de joelhos para obter empréstimos junto à administração central. Os estados têm as suas receitas diminuídas, porque as isenções são de impostos compartilhados. Em contrapartida, têm suas despesas aumentadas com regras estabelecidas pelo governo central, que aumenta os pisos salariais sem a responsabilidade de pagar. Neste cenário de receitas menores e mais despesas, vem o governo federal e diz: – Eu empresto. Isso faz com que os governadores sejam asfixiados pelo governo central”.
O papel da oposição
“Vejo com pesar que as pessoas têm dificuldade de fazer oposição. Há dois caminhos, o do governo e o da oposição. E a regra é uma só, quem perde fiscaliza quem ganha. Não admito a pura e simples adesão em política. Não tenho filiação partidária, sou um torcedor, um brasileiro que tem esperança de alterar o status quo da apropriação partidária, da asfixia do poder central aos opositores, das restrições para criação de partidos, de mudanças de regras para impedir candidaturas. Presidente tem de ser estadista, pensar no futuro, não em reeleição”.
Frases
“Havia na minha casa uma grande aversão a Getúlio, minha mãe viu vários parentes serem exilados”.
“A constituição de Santa Catarina previa mínimo de 35 anos para governador e vice. Baixou para 25 anos, eu tinha 29. Beneficiou o Esperidião e o Marcos Büchele. Foi casuísmo? Foi”.
Sobre a mudança na Constituição que viabilizou sua eleição para vice-governador
“Abri as portas para ele, trouxe para meu governo, ainda era estudante”.
Sobre o governador Raimundo Colombo (PSD)
“Sou uma pessoa de conciliação. Não procurei inimigos, acho que tenho adversários. Nunca disputei cargo que não fosse majoritário, nunca atropelei companheiros”.
“Acho que a política não tem a atração que já teve, nem a qualificação que já teve. Não atrai mais os melhores jovens”.
“Meu filho, governador? É uma questão de destino, se acontecer ficarei feliz, mas se não acontecer, não ficarei frustrado”.