Audiência debate lei sobre cultura e história afro e indígena nas escolas
FOTO: Vicente Schmitt/Agência AL
Um grupo de trabalho composto por representantes de movimentos negros e indígenas, com a participação da Assembleia Legislativa e de especialistas na educação, vai planejar as ações necessárias para a implementação da legislação que trata do ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. A formação do foi o principal encaminhamento da audiência pública realizada no fim da tarde desta sexta-feira (6) pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Alesc, para tratar da Lei Federal 11.645.
Em vigor desde 2008, a lei inclui no conteúdo programático da educação básica diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir dos dois grupos étnicos: africano e indígena. No entanto, 13 anos após sua publicação, a legislação não está consolidada nas escolas de Santa Catarina.
“Tivemos um debate de alto nível, mas que não termina aqui”, afirmou a presidente da Comissão de Educação da Alesc, deputada Luciane Carminatti (PT), ao fazer um balanço da audiência.
O debate foi proposto pelo professor da rede estadual de ensino Flávio Ferreira Luciano. “A lei é bonita, a teoria é linda, mas a ação por parte dos responsáveis pela implementação da lei é muito fraca. Continuamos a reproduzir um modelo de educação racista, preceituoso, discriminatório, baseado no eurocentrismo. E isso reflete em toda nossa sociedade”, afirmou Luciano.
Durante a audiência, os participantes apontaram como principais problemas para a não implementação da lei a falta de preparação dos professores em ensinar os assuntos previstos na legislação e a falta de fiscalização para o seu cumprimento. “Atualmente, as ações para a implementação da lei estão aquém do que seria o ideal para uma verdadeira transformação da nossa sociedade. É preciso comprometimento”, completou Luciano.
Debates
O representante da União dos Dirigentes Municipais de Ensino de Santa Catarina (Undime/SC), Maurício da Silva, afirmou que, além da capacitação dos professores, seria importante que a lei apontasse prazos para sua implementação e punições para quem não a cumprir. Para ele, é necessário também observar a maneira como esses conteúdos serão abordados em sala de aula, enfatizando os feitos dos homens e mulheres negros.
Indrig Sateré Mawê, representante da etnia Guarani e da aldeia do Morro dos Cavalos, em Palhoça, opinou sobre a necessidade da formação e do conteúdo adequado para que os professores possam trabalhar o assunto em sala de aula. “É preciso acreditar para que o conteúdo possa fazer parte da vida do educador e para isso eles precisam ter acesso a esse material, que precisa estar disponível nas escolas”, disse.
Marcos Rodrigues da Silva, pesquisador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (Nead) da Udesc, também destacou a necessidade de se assegurar a formação continua dos professores. “Precisamos fazer avançar as ações afirmativas da negritude. Temos um legado histórico, muito mais que nossa descendência”
O professor Márcio de Souza, representante do Sinte/SC, afirmou que a luta pela implantação da lei é política, já que a estrutura de educação em Santa Catarina não admite o reconhecimento do negro e do indígena, fruto, segundo ele, da visão de mundo europeia que prevalece no estado. “Nosso debate é o enfrentamento político no interior da sociedade catarinense, que refuta o direito a essas populações terem o aceso à educação que os contemple”, disse.
Regina Célia Suenes, representante do Conselho Estadual da População Afrodescendente (Cepa), propôs a criação de um fórum interssetorial para tratar da implementação da legislação, além de destacar a necessidade da formação dos professores.
Davi Timótio Martins, gestor da Escola Indígena de Educação Básica Taguató, do povo Guarani, também tratou da formação dos professores e da necessidade de capacitação, em virtude da falta de conhecimento sobre a população indígena em Santa Catarina.
Walderis Coctta Priprá, professora e representante da Etnia Xokleng/Laklãnõ, comentou que a história de Santa Catarina é sangrenta para com os índios, porém isso não consta nos livros de história. Ela também tocou na necessidade da formação de professores e defendeu punições pelo não cumprimento da legislação. “Para respeitar o outro, você tem que conhecer a história do outro”, disse.
Maria Helena Tomaz, coordenadora do Neab/Udesc, afirmou que o ensino da cultura e da história negra nas escolas é um dos mesmos para mudar a estrutura racista existente na sociedade brasileira, consolidada pelo imaginário europeu. “Sem transformação política, não há transformação pedagógica”, afirmou. “Discursos já não nos bastam mais. Queremos ações afirmativas e luta antirracista realmente efetiva.”
O professor Clovis António Brighenti, consultor nacional sobre a Lei 11.645, afirmou que os livros didáticos têm sido adequados à legislação. “Há avanços significativos, porém há lacunas a serem preenchidas”, ponderou. Para ele, é necessária a valorização dos conhecimentos e dos saberes de negros e índios na formação da sociedade brasileira.
O que diz o Estado
Helena Alpini Rosa, representante da Secretaria de Estado da Educação (SED) na audiência, afirmou que o Estado tem desenvolvido ações para a implantação da lei em Santa Catarina. Uma delas é a produção de material pedagógico e a aquisição de material didático. A SED também atua na celebração de convênios com universidades e instituições educacionais para a formação continuada de professores.
“Nós sabemos o quão ainda precisamos caminhar, mesmo que nossa proposta curricular traz para o centro da agenda a diversidade como princípio formativo, que essa diversidade incluir o respeito e a visibilidade à história e a cultura”, completou a diretora da SED, Maria Tereza Hermes Cobra. “Temos iniciativas, mas sabemos que precisamos avançar.”
Agência AL