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31/03/2014 - 17h30min

Fé, prática cristã e lealdade ajudaram Derlei de Luca resistir à tortura

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Derlei hoje é servidora pública e atua na Comissão Estadual da Verdade. FOTO: Eduardo Guedes de Oliveira/Agência AL

Derlei Catarina de Luca cobriu os olhos com as mãos, jogou a cabeça para trás e riu para dissipar a tensão que a pergunta ainda lhe causa. Catarinense de Içara, nascida em 1946, ela enfrentou a dor do choque e do pau-de-arara, resistiu sem nada revelar rezando, pensando na prática cristã e nos companheiros de Ação Popular (AP), Heitor Bittencourt e Jean-Marc Weid. “Depois apaguei, desmaiei, muito choque leva a pessoa a dormir. Fiquei 18 horas desacordada, mas sobrevivi e me sinto orgulhosa de ter resistido”, lembrou.

Hoje, Derlei é servidora da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e coordenadora do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça. Também é membro da Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright, criada pelo governo estadual para apurar as violações aos direitos humanos cometidas durante o período do regime militar (1964-1985) em Santa Catarina. Na tarde desta terça-feira (31), exatos 50 anos após a deposição de João Goulart, ela conversou com a Agência AL sobre sua atuação no combate à ditadura.

Por que Ação Popular, criada a partir de movimentos de jovens ligados às religiões cristãs, combateu a ditadura e aceitou os riscos da vida clandestina para seus militantes?
Na década de 1950 a igreja católica decidiu abrir-se para o mundo e criou o movimento Ação Católica, muitos padres participaram. Tinha a Juventude Estudantil Católica, a Juventude Operária Católica, a Juventude Universitária Católica e a Juventude Agrária Católica. Mas a igreja punha um limite na atuação desse movimento de renovação, baseado em práticas bondosas e caritativas: ela não questionava, nem autorizava a luta contra o governo. Este era o limite. Por isso em 1963 foi fundada a Ação Popular, separada da igreja, mas com militantes cristãos, católicos, anglicanos, metodistas e presbiterianos. AP nasceu apoiando João Goulart, contestando o capitalismo e o comunismo e defendendo uma espécie de “socialismo cristão”.

Como o marxismo foi introduzido na AP e o que mudou de prático no combate ao regime?
A AP se declarou marxista na terceira reunião ampliada da direção, em maio de 1971, com o fim de uma luta interna que significou a vitória do grupo marxista-leninista. Essa reunião definiu a revolução brasileira como nacional, democrática e popular, optou pelo caminho da guerra popular e mudou no nome da AP para APML, Ação Popular Marxista-Leninista. Mas na prática não mudou nada, só começamos a estudar os clássicos, já que a orientação da direção era para que o militante se definisse marxista-leninista. Nessa época escrevi um pequeno texto em que informava que continuava católica, mas me dispunha a estudar o marxismo.

Você contou em seu livro “No Corpo e na Alma” que recebia informes, levava recados e orientações da direção da AP, além de dinheiro e armas. Transportou muitas armas?
Não. Tive contato com armas em duas oportunidades. Em 1969, em uma reunião no Paraná, vi que tinha armas, dois revólveres.  Em 1971 levei algumas armas de São Paulo para a Bahia. A direção acreditava que a luta começaria pelo Nordeste, era lá que estavam preparando as bases de apoio, como no Vietnam, e a Bahia era considerada a porta de entrada para o Nordeste. A AP tinha uma comissão militar, mas nunca vi os mapas dessas bases.

Você também revelou que decidiu nunca mais amar nesta vida? Mudou de ideia?
Me decepcionei muito. Estava na luta clandestina, me casei com um companheiro de AP, tive um filho e quando este companheiro foi preso contou tudo, traiu meu filho e a nossa luta. Com tanto cara para namorar fui cair na mão de um que foi com a Polícia Federal nos locais onde meu filho poderia estar. Não encontraram, era uma norma da AP deixar os filhos em locais desconhecidos pelo companheiro. Acho que a nossa geração esqueceu um pouco o lado do prazer. Uma vez em Cuba tinha uma gaúcha que andava como uma calça apertadinha. Ela me disse “não posso sair na rua que todo mundo me canta”. Respondi, “pô, eu estou louca para que alguém me cante”. Mas já me disseram, eu não dava abertura.

Você vê um idealismo parecido com o de sua geração nos jovens do século XXI?
Não, era diferente. Naquele tempo ninguém estava pensando em ter cargo, carro, era outro momento. Nossa geração, principalmente a militância, foi educada para o sacrifício. Hoje os jovens são educados para o prazer. Acho que tem de ter um equilíbrio, sacrifício e prazer. Evitávamos ter eletrodomésticos em casa, para poder viver como os pobres. Essa imersão na pobreza era exclusiva para o militante da AP.

Vítor Santos
Agência AL

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