Especialistas apontam que órgãos públicos devem equilibrar transparência com proteção de dados
A proteção aos dados pessoais é considerada um direito fundamental no Brasil, assim como a transparência. Equilibrar o acesso à informação com a proteção de dados pessoais, em um cenário de avanço tecnológico, é um desafio que órgãos públicos devem cumprir. A reflexão foi feita por especialistas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), na manhã desta sexta-feira (8), durante a programação do Congresso de Direito Constitucional e Legislativo.
O painel “A LGPD e a atividade legislativa: Limites e possibilidades de tratamentos de dados pessoais na construção de políticas públicas” foi ministrado por Hércules Alexandre da Costa Benício, doutor em Direito e tabelião do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante (Distrito Federal). Já “O Ministério Público e a proteção de dados pessoais” foi abordado por Carlos Renato Silvy Teive, promotor de justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), que é pós-graduado em Proteção de Dados. As discussões foram mediadas por Gláucia Mattjie, procuradora-geral do Tribunal de Contas de Santa Catarina.
A LGPD é o nome da Lei 13.709/2018, que protege dados pessoais. A legislação prevê que os cidadãos têm autonomia informativa, que é saber quais dados, quantos dados e quem tem acesso a eles. Também de poder pedir que órgãos ou empresas excluam seus dados. Hércules destacou que esse é um tema muito caro aos órgãos públicos, que fazem coleta e tratamentos de dados para poder desenvolver suas funções. “Há dados fundamentais que se vazarem vão dar muitos prejuízos.”
O tabelião citou grandes escândalos de venda de dados, como o do Cambridge Analytica, em 2018. O Facebook vendeu dados para a empresa fazer campanha política direcionada, influenciando o resultado das eleições nos EUA sem conhecimento dos usuários. Para ele, isso demonstra que a falta de regulamentação do uso dos dados pode ser um risco à democracia.
Ele destacou a existência da Lei de Acesso à informação (LAI), que estabelece que os cidadãos devem ter acesso amplo a informações de órgãos públicos. No entanto, essas informações devem ser disponibilizadas sem expor dados sensíveis. Segundo Hércules, como é uma lei recente, estamos vivendo uma “quadra de institucionalização da LGPD”, que deve ser equilibrada com a LAI.
Para o promotor de justiça Carlos Renato Silvy Teive, “os avanços tecnológicos proporcionam a capacidade de coleta e processamento de dados de forma antes inimaginável”. Com a digitalização, rastros de dados estão espalhados por todos os lugares e foram transformados em um ativo de venda, para o direcionamento de publicidade. Tanto que os dados são considerados o “novo petróleo”.
Ele trouxe um histórico da temática. A Constituição Federal de 1988 já previa a proteção da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas. Em 2022, a Emenda Constitucional também colocou nesse rol de direitos fundamentais a proteção dos dados pessoais. Portanto o Ministério Público tem a atribuição de garantir esse direito. Por isso o MPSC tem a primeira promotoria com atribuição de proteção de dados no país, a 15ª Promotoria da Capital.
Segundo o promotor, existe uma assimetria de poder muito grande entre empresas como Meta, Google, Microsoft e o usuário desses serviços. Elas não têm transparência no tratamento de dados dos usuários. As informações são “valiosíssimas” e, por vezes, o titular do dado nem sabe dessa importância.
Trouxe como exemplo, o processo que o MPSC abriu contra a Meta em 2024. A empresa, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, começou a compartilhar dados pessoais dos usuários para treinamento de inteligência artificial. Segundo o órgão, fizeram isso sem transparência e capacidade do usuário em negar esse compartilhamento. Essa coleta foi suspensa no Brasil até que seja julgado se o caso viola a LGPD.
Com a colaboração de Cintia de Oliveira