Especialista expõe condições para pôr em prática a justiça restaurativa
Dominic Barter, cientista social e consultor do Ministério da Justiça, palestrou na tarde de sexta-feira (16) na Assembleia Legislativa, a convite da Comissão de Direitos Humanos, e expôs as cinco condições para por em prática a justiça restaurativa.
Segundo o especialista em comunicação não-violenta, é fundamental que as partes, isto é, autor (réu), receptor (vítima) da ação e a comunidade a que pertencem, reconheçam a validade dos procedimentos.
“A primeira condição é o acordo entre as pessoas que vão usar o procedimento, indicando que tem validade, reconhecendo que o conflito é das pessoas que estão no círculo, que são encontros entre quem cometeu o ato, quem levou o impacto principal desse ato e a comunidade do entorno indiretamente impactada”.
A segunda condição diz respeito ao local onde são realizados os encontros.
“O círculo precisa acontecer no local do conflito. O espaço fala, o tribunal fala uma coisa, dentro da escola, por exemplo, a sala de diretor fala uma coisa, a sala de aula outra e a esquina do pátio outra”.
Em Porto Alegre (RS), exemplificou Dominic, foi utilizado um Centro de Tradições Gaúchas (CTG).
“Era um espaço validado por todos, criando condições para as pessoas que não se sentiriam tranquilas no tribunal, se sentissem muito mais em casa”.
O facilitador responde pela terceira condição.
“Todo processo tem um anfitrião, o casamento tem um padre e até o debate político tem um mediador. No Brasil, a maioria dos facilitadores tem apoio e inspiração para ser essa pessoa, porque facilitador não é o agente da transformação, deve ficar calado e não tentar resolver os conflitos, precisa ser multiparcial, pluriparcial, mas nunca imparcial”.
A quarta condição implica na apresentação dos mecanismos do processo às partes envolvidas. “Cerca de 74% dos brasileiros são funcionalmente analfabetos, então utilizamos a forma visual para indicar os diferentes momentos. Podem ser cartazes, murais, panfletos, páginas web e vídeos institucionais”.
O quinto pré-requisito é o acesso. “O mecanismo de acesso precisa ser acessível às pessoas, você não pede permissão. Vejam o caso da vereadora do Rio de Janeiro (Marielle Franco): o disque-denúncia já recebeu 10 ligações sobre o assassinato, mas cadê o telefone para quem sabia que ia acontecer? Alguém sabia. Meu sonho é que um dia vamos ter mecanismos de acesso igual ao 190, uma caixa mágica, gratuita, disponível o ano inteiro, um sistema de justiça que me ajuda, que só pergunta o que aconteceu e onde aconteceu”.
O que é a justiça restaurativa?
“No Brasil, o direito restaurativo nasceu nos morros e favelas cariocas. Hoje é utilizado com eficácia na justiça, na educação, nas comunidades e entre países. É cada vez mais validado para resolver conflitos na escola, onde aprendo a conviver com meus colegas resolvendo os conflitos de forma dialógica. No trabalho vai ser assim e na justiça também”, conta o especialista.
“É um processo comunitário em vez de um processo legal. Se identifica como um novo mecanismo e não como uma mão na roda, como vem sendo utilizado simplesmente para fazer a fila andar. Refere-se a procedimentos específicos, que vão além de uma mudança de atitude, é um diálogo que promove o entendimento, é uma resposta sistêmica, não somente um jeitinho”, completa.
“Muito complexo de entender e bizarramente simples: brigou com o amigo, escuta o amigo, fala com o amigo, quando o outro souber da dor, vai levantar a tensão e voltar a brincar.”
Aproximação do conflito
Dominic Barter defendeu a necessidade de se aproximar dos conflitos.
“É desconfortável encontrar o outro, mas por mais que a gente se afasta do conflito, mais alto ele fala, isso chega a um ponto que vem a violência, que é a pior estratégia possível de se usar. Entretanto, a eficácia (da violência) tem de ser reconhecida, ela me torna visível perante você, naquele momento você não tem como me negar”.
“Já ao me aproximar do conflito, me oriento para o princípio fundamental, estou agindo pró-ativamente para criar as alternativas de diálogo”.
Eficaz contra a reincidência
Para o consultor do Ministério da Justiça, a justiça restaurativa é eficaz na diminuição da reincidência.
“As práticas restaurativas são eficazes para baixar os níveis de reincidência. Elas fortalecem os laços comunitários, criando coesão social e resiliência local. A próxima vez que um evento que causa danos acontecer, tem menos chances de iniciar um ciclo de violência, por isso são muito populares entre infratores, familiares e o público impactado”.
A punição
“A justiça restaurativa não é contrária à punição, só entende a punição de uma forma diferente. Qual a boa razão que está impedindo você de sentir remorso pelo ato que cometeu? Mau funcionamento técnico, como um carro que enguiçou? Seres humanos não funcionam do jeito mecânico”.
Agência AL