Divergências sobre o Caminho de Peabiru marcam audiência pública
FOTO: Solon Soares/Agência AL
As divergências sobre as origens e a localização do Caminho do Peabiru marcaram a audiência pública realizada na noite desta segunda-feira (20) pela Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, com o objetivo de discutir a Lei Estadual 18.635/2023, que institui a Rota Turística do Caminho do Peabiru em Santa Catarina. O encontro foi proposto pelo presidente da comissão, deputado Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol), após questionamentos sobre os municípios que integram o roteiro.
O Caminho do Peabiru é composto por trilhas abertas por povos originários, que partiam do litoral norte catarinense e seguiam pelo interior do estado. No final de 2022, a Assembleia aprovou um projeto de lei, sancionado em 2023 pelo governador Jorginho Mello (PL), que criou uma rota turística baseada no caminho e incluiu municípios do litoral e do norte catarinense.
Na audiência, houve divergência entre pesquisadores sobre os municípios que integram o caminho, bem como suas origens. A jornalista Rosana Bond, que há 30 anos pesquisa o assunto e é autora de cinco livros sobre o tema, afirmou que não há evidências comprobatórias da presença de Campo Alegre, Joinville e Garuva como integrantes do caminho. Ela também não acredita na hipótese de que os povos andinos, em especial os incas, tenham participado da construção do caminho.
"Eles [incas] não assumem o Peabiru como algo deles, eles desconhecem essa palavra", disse. A jornalista informou que não há uma data precisa da construção do caminho, mas que ele pode ter sido construído por povos que antecederam os guaranis, há 8 mil anos.
O pesquisador Fábio Nunes, de Jaraguá do Sul, que há 18 anos estuda o assunto, declarou que a lei "se baseia em inverdades históricas e arqueológicas" para considerar trechos da trilha do Monte Crista, em Garuva, como integrante do Peabiru. "Estão tentando reescrever uma história já provada só para beneficiar turisticamente outra região", disse.
Conforme Nunes, a trilha de Monte Crista, cujo calçamento seria atribuído a povos incas, foi, na realidade, aberta já durante o período colonial e não por povos indígenas. Segundo ele, isso está comprovado por documentos consultados em arquivos públicos do Paraná e Santa Catarina.
Contraponto
Já a pesquisadora Rosângela Martins Carrara destacou a hipótese de que o caminho tenha sido uma tentativa de expansão do Império Inca ou de uma civilização pré-incaica em direção ao Oceano Atlântico. Ela ponderou que muitos dos registros históricos elaborados pelos colonizadores europeus nem sempre são verdadeiros e contém contradições.
O engenheiro civil Ricardo Logullo, doutorando em Patrimônio Cultural e Sociedade, lembrou que trilhas como as presentes na Serra do Quiriri, em Garuva, possuem calçamento semelhante ao encontrado nos Andes. Para ele, é possível que a trilha do Monte Crista seja um ramal do Peabiru.
"Devemos ter uma análise multidisciplinar dessa questão", defendeu. "Temos que ter uma visão decolonial. A história contada pelo colonizador nunca é verdadeira e tenta acabar com a história dos povos indígenas."
Inclusão
Um dos encaminhamentos da audiência foi a inclusão dos municípios do Vale do Itapocu no texto da lei que criou a rota turística. Conforme o deputado Marquito, o pedido partiu da Associação dos Municípios do Vale do Itapocu (Amvali).
"Vamos acolher esse pedido e apresentar um projeto de lei, juntamente com a deputada Luciane Carminatti, para fazer a inclusão desses municípios", disse Marquito. "Nós não temos a pretensão de resolver essas divergências e continuamos abertos para ampliar esse debate."
Roseli Siewert, representante da Amvali na audiência, lembrou que os estudos feitos pela jornalista Rosana Bond e pelo pesquisador Fábio Nunes apontam a foz do Rio Itapocu, em Barra Velha, como o ponto inicial do caminho, que segue por todo leito do rio, passando por municípios como São João do Itaperiú, Guaramirim, Jaraguá do Sul e Corupá.
"A Amvali tem um grupo de trabalho que se dedica a essa questão e tem planejado ações e promovido eventos para fomentar o turismo e não perder essa história", disse.
Manifestações
Regina Santiago e Agatha Ludwig, ambas da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Santa Catarina, ressaltaram que estudos arqueológicos realizados em sítios localizados no estado até o momento não apontaram indícios da presença de incas em território catarinense. O mais provável é que as trilhas que integram o caminho tenham sido abertas por povos ancestrais dos xokleng e dos caingangues.
Eliara Antunes, cacica da aldeia Yaka Porã, afirmou que para os povos originários, o Peabiru representa algo sagrado, "onde nossos antepassados faziam trocas de alimentos, sementes, raízes e que tinha essa conexão com o povo inca por acreditar no mesmo deus, que é o Sol. Para nós, é importante porque não é só uma trilha, mas sim algo espiritual, que merece todo o respeito e deve ser discutido com muita reverência."
O que diz a lei
Elaborada pelo deputado Fernando Krelling, a lei que instituiu a Rota Turística do Caminho do Peabiru incluiu os municípios de Araquari, Balneário Barra do Sul, Barra Velha, Campo Alegre, Florianópolis, Garuva, Itapoá, Jaraguá do Sul, Joinville, Laguna, Palhoça, Rio Negrinho, São Bento do Sul e São Francisco do Sul na rota. No entanto, o texto da lei permite que outros municípios sejam incluídos no roteiro.
Agência AL