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28/07/2014 - 08h57min

Desfile étnico marca festa das origens de Rio do Campo

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Festa das Origens e Festa do Colono Rio do Campo 2014 Foto Carlos Kilian/Agência AL

O desfile de cerca de mil pessoas na manhã fria de sábado (26), representando as etnias fundadoras de Rio do Campo, foi o ponto alto da VIII Festa das Origens e do Colono, que após um lapso de 12 anos, retornou ao calendário turístico do município. Foram dois dias de intensa atividade recreativa envolvendo descendentes de “brasileiros”, italianos, alemães e poloneses. “É uma festa tradicional, para reviver nossas origens, homenagear os fundadores e mostrar o que temos de bom”, explicou o prefeito Rodrigo Preiss, visivelmente satisfeito com a participação popular e com o bem vindo auxílio dos céus, azul e ensolarado.

A iniciativa empolgou as comunidades étnicas, cujo desfile, às vezes surpreendente, como o “caminhão da nona”, com fogão de verdade na carroceria, polenta na chapa e várias nonas sovando pão, moendo milho e socando arroz no pilão, foi muito aplaudido pelos expectadores postados nas calçadas da rua 29 de Dezembro, surpresos com a beleza das roupas, a decoração dos veículos, a alegria da festa e a distribuição de chopp pelos alemães e vinho pelos italianos.
 

Os alemães
Os alemães abriram o desfile com bandeira branca, rubra e negra, cantoria, trajes típicos e dentro deles crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos, todos orgulhosos, felizes e incansáveis na representação dos antepassados. A pé, a cavalo, em charretes, carroças ou nos carros alegóricos, exibiram ferramentas e utensílios simples que lograram desbravar um lugar idílico, de montes cobertos por densa floresta, separados por campos agricultáveis que se formaram junto às margens dos vários cursos d’água da vertente oeste do rio Itajaí.

De acordo com o professor de História, Marinho Meurer, os primeiros alemães vieram principalmente de Tijucas, Anitápolis e, mais tarde, de Salete, município vizinho de Rio do Campo, e fundaram as comunidades de Rio Waldrich e Taiózinho. “Nas festas o traje que predomina é o alemão”, descreveu Meurer, destacando a rivalidade entre as etnias, atualmente mitigada, mas que no início inclusive vedava o casamento fora da comunidade.

Os italianos
“Lá vem as italianas” advertiu a faixa sobre a carroça de imigrantes italianos, ironizando o tempo em que o amor só podia falar a mesma língua e anunciando que as “belas”, como eram chamadas as moças italianas, com seus cabelos e vestidos longos, estavam chegando para a festa. Depois delas, atarefadas na cozinha improvisada sobre o caminhão, as nonas preparavam a comida, como antigamente, porque as crianças eram muitas e as mulheres e os homens “desceriam” da roça exaustos e famintos.

Os italianos chegaram na região ainda no início da década de 1920, quase cem anos atrás. O pioneiro foi Luiz Bértoli Sênior, que recebeu as terras que hoje compreendem o território de Rio do Campo do município de Blumenau, como pagamento por serviços prestados. Ele mediu a propriedade, dividiu-a e vendeu os lotes principalmente para colonos italianos, alemães e poloneses. De acordo com o professor Meurer, os italianos se fixaram na atual sede do município e no Rio Azul. “Nesses locais o traje de festa é o italiano, não falta gritaria, truco, mora, vinho, nem polenta”, brincou Meurer.

Os poloneses
Os herdeiros da Polônia homenagearam Janusz Korczac (1878/1942), um pedagogo e diretor de orfanato em Varsóvia, pioneiro na defesa dos direitos das crianças. Elegantes em seus trajes coloridos, desfilaram cantando músicas do folclore polonês. Conforme explicou o professor Meurer, eles vieram de Curitiba (PR) e de Itaiópolis e se fixaram nas comunidades de Rio da Prata e Varaneira.

Apesar do sobrenome evidenciar a origem, Samira Drozdek (11) desfilou com os alemães. “Ela queria ir de cavalo e não havia outros cavaleiros no grupo polonês, por isso ela escolheu os alemães”, justificou a mãe, dona Claudete, explicando que a filha, apesar de morar em apartamento, possui quatro cavalos. “Este se chama Canivete”, contou Samira, que mesmo de vestido cavalgou como se fosse uma tropeadora veterana.

Os brasileiros
Joseph de Anchieta, o jesuíta que virou santo, chamava os naturais da terra de “brasis”. E foram indiozinhos, com cocares e saias de penas, gritando como nos filmes de Hollywood, que puxaram o bloco dos brasileiros. Depois vieram os tropeiros, que desde a segunda década do século XX, cruzaram os vales do Taió com mercadorias e gado, percorrendo velhas trilhas indígenas e abrindo caminho para as estradas e rodovias que atualmente cortam o lado oeste do Alto Vale do Itajaí.

Segundo a historiadora Zélia de Andrade Lemos, de Curitibanos, os primeiros não-índios que avistaram os “campos embaixo da serra” foram os jagunços do Contestado, “que desde 1914 dominavam estas paragens”. A história oficial conta que o fazendeiro Antonio Haro “Bibi” Varela, ainda em 1916, perseguindo índios que atacaram suas propriedades, encontrou a passagem da Serra Geral em Rio Azul e foi atraído pelos vales férteis espalhados ao longo da base da cadeia de montanhas. “Os brasileiros fundaram a comunidade de Santa Maria”, destacou o professor Meurer, ponderando que muitos deles eram posseiros e que foram desalojados das terras para dar lugar ao imigrante de origem europeia.

A importância do colono para a economia local
A agricultura e a pecuária representam cerca de 70% da atividade econômica de Rio do Campo. O secretário de Agricultura, Tarcísio Kulkamp, revelou que o fumo é a principal fonte de renda, seguido do leite, do arroz e da carne. “Hoje tem cerca de mil vacas leiteiras”, estimou o secretário, explicando que a alimentação delas consiste em aveia e azevém no inverno, capim sudão no verão, além de gramíneas e suplemento alimentar no cocho. “Dá trabalho e custa dinheiro”, brincou Kulkamp.

Conforme o gerente da Cresol local, Sérgio Gorges, 70% dos 950 associados à cooperativa de crédito no município são colonos. “Conhecemos todos”, afirmou Gorges, que elogiou os sócios, destacando que o banco opera com recursos do Pronaf, do governo federal, e empresta por 10 anos com juros de 2% ao ano. “A inadimplência é baixa”, informou o gerente, creditando o não pagamento a safras frustradas.

Casos vivos na memória local
A Agência AL interrogou diversos moradores de Rio do Campo sobre relatos do passado. Evandina “Vanda” Claudino (64) contou vários. Nasceu em Anitápolis, pai caboclo e mãe alemã, aos cinco anos mudou-se para Rio do Campo. “Era tudo mato, com picadas para cavalo. Fizemos cinco posos de Anitápolis até a Barra Nova, sempre embaixo de grandes árvores”, contou.

Segundo dona Vanda, nessa época havia índios na região. “Tinha muitos, eles roubavam os tatus que papai pegava nas armadilhas. Éramos crianças, eles só de tanga, lembro como se fosse hoje, gritando ‘iup, iup, iup, iup’ e jogando merda amarela na gente para pegar os tatus. Às vezes a gente saía em disparada, com medo, e eles ficavam com a caça”, descreveu Evandina.

O contato era frequente e nem sempre beligerante. “Éramos várias crianças, quando brigávamos entre nós e os índios viam, ficavam bravos, jogavam coisas na gente até pararmos com a discussão”, revelou Vanda, ressaltando que não admitiam que negassem seus pedidos e quando recusavam algo que lhes interessava “não deixavam ninguém dormir naquela noite”. Várias vezes a casa de Vanda foi assediada por “bugres” contrariados. Em uma oportunidade apenas as crianças estavam em casa. “Gritamos que só tinha criança na casa, que a mãe tinha saído para ganhar nenê. Não sei se entenderam, mas foram embora”, contou.

De acordo com a sexagenária, nessa época sua família também vivia à moda indígena. Moravam em uma casa construída com taquaras fincadas no chão, com xaxim nas bases e esteiras de folhas de girivá forrando as paredes. “Para não entrar bicho”, explicou. O teto era construído com papuã, fixado pelas raízes em ripas de taquaras, sobrepostas umas às outras, tudo amarrado com cordas de imbira. “Moramos assim mais de trinta anos”, afirmou Evandina.

Além da espingarda, facas, foices, machado e outras ferramentas trazidas à América pelo europeu, parte do aparato de uso doméstico dos “brasis” foi incorporado pelos imigrantes. “Lá em casa tinha peneiras, cestos, balaios, pilão, panela de barro”, enumerou Evandina, destacando também o uso do milho, do feijão e da mandioca, alimentos da cozinha indígena, originários da América.

Evandina se emocionou ao comparar as mãos-de-pilão de madeira, usual entre os imigrantes, com as mãos-de-pilão de pedra utilizadas pelas índias. “Eram lindas, bem polidas e redondinhas”, descreveu, revelando que além de descascar arroz, socou muita cangica e quirera no pilão, cozendo-as após em panelas de barro, como faziam as mulheres índias.

Já Gilmar Waldrich, empresário, contou que logo que se instalou nos campos embaixo da serra, o fazendeiro “Bibi” Varela procurou fazer amizade com os índios e convidou-os para uma churrascada. “Chegaram na hora que estavam tirando a buchada da vaca. Avançaram nas tripas ainda quentes e com uma mão tiravam tudo que havia dentro e com a outra comiam ali mesmo”, contou Gilmar.

Vítor Santos
Agência AL

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