18/05/2009 - 08h50min
“Da porta de casa para o longe”
“No dia 28 de abril de 1895, a Sociedade São Rafael despachou para o Brasil a primeira parte de emigrantes, composta por 41 famílias, ao redor de 240 pessoas. Esses emigrantes procedem de algumas aldeias da região de Lwów, mas, na maioria, de duas aldeias vizinhas: Bilka Krolewska e Bilka Szlachecka. Cada família é composta em média por seis pessoas com variação de idade dos 6 anos até homens com 40 anos ou mais.” O trecho foi retirado de uma matéria publicada no jornal “A Voz do Povo” e relata a partida de uma das levas de poloneses que deixaram seu país para viver e trabalhar no Brasil. O documento foi encontrado recentemente em Varsóvia, capital da Polônia, e é uma das preciosidades guardadas pelo pesquisador Wilson Rodycz, responsável pela tradução do material.
O texto, intitulado “Da porta de casa para o longe”, descreve com riqueza de detalhes os sentimentos dos que partiam e dos que ficavam. É o que expressa o seguinte trecho: “Às 5 horas da tarde toda essa multidão, na companhia de parentes e amigos que vieram para despedir-se, chegou em carroças...e foi o início de emocionantes cenas de despedida dos futuros brasileiros”. A matéria fala das orações feitas por todos os presentes, do choro, dos discursos e da resignação. E ainda conta que entre os emigrantes havia alguns bastante esclarecidos sobre as condições que encontrariam no Brasil, pois leram tudo a respeito do país de destino: “Predominantemente são pobres. Perguntados sobre qual era a expectativa com respeito ao Brasil, todos eles, sem exceção, sabem que os espera um trabalho muito pesado e que ‘grandes tesouros’ é pura conversa fiada.”
Um desses emigrantes escreveu para sua família pouco depois de chegar ao Brasil. Assinada por Marcin Bigas, camponês de Bilka Szlachecka, a correspondência é de 11 de setembro de 1985 e informa que não houve mortes durante a viagem marítima.
Mas a sorte durou pouco. Algum tempo após o desembarque, duas meninas morreram vítimas da tuberculose e, após a instalação nos chamados barracões imigratórios, na colônia de Lucena – nome original de Itaiópolis, quando ainda pertencia ao Paraná –, mais 10 crianças e três mulheres também foram a óbito. “Para cada família cabe ao redor de 50 morgas (medida antiga de agricultura daquele país) de mato. A terra aqui é muito boa e o ar é puro. Ao redor de Lucena moram alguns milhares de poloneses. Estão indo muito bem. Têm belas propriedades e gado. Entretanto, contam quanta miséria tiveram que passar e quantas pessoas perderam”, narrou o camponês, conforme tradução feita por Rodycz, que possui uma carta do documento original.
Um pouco desse drama certamente foi vivido pelo bisavô do pesquisador, Walentin Rodycz, que veio para o Brasil em companhia de sua esposa, Catarzina, e dois filhos, instalando-se onde hoje é Itaiópolis. “É certo que eles vieram por motivações econômicas. De acordo com o recenseamento feito no mesmo ano de 1895, só nas levas de 1891 e 1895 chegaram à região 1.600 pessoas, em sua maioria agricultores, sapateiros e ferreiros”, explica. Wilson Rodycz está animado com o material encontrado recentemente em Varsóvia e enviado a ele por um amigo. “Estudo este movimento migratório, por hobby, há 30 anos, e é empolgante ler uma descrição tão rica daquele momento que mexeu com a história dos dois países.”
Cultura e tombamento
Com base em seus estudos, ele afirma que muito dos hábitos trazidos pelos colonos poloneses estão preservados, mas praticamente só nas pequenas cidades. Exemplo disso é a própria cidade de Itaiópolis, onde a cultura polonesa continua muito viva “porque há um gosto natural pela preservação”. Essas características originais são perceptíveis nas formas de produção, na religiosidade, na gastronomia, no uso da língua, no folclore, na arquitetura e nos detalhes de decoração das casas.
Tanto que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) promoveu o tombamento, em 2007, do conjunto urbano formado por 31 edificações da localidade Alto Paraguaçu, onde é mais forte a presença de descendentes de imigrantes poloneses. Entre estas edificações está a Igreja de Santo Estanislau, cuja construção durou de 1915 a 1922. No alto da torre principal da igreja um detalhe: a águia branca em fundo vermelho da bandeira da Polônia.
Também por iniciativa do Iphan, Itaiópolis passou a fazer parte do projeto “Roteiros Nacionais de Imigração”. Em Santa Catarina, 19 localidades fazem parte do roteiro.
Simultaneamente aos estudos para o tombamento, estudantes do Curso Técnico de Conservação e Restauração de Pinturas Murais, da Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), organizaram o livro “Patrimônio Arquitetônico e Artístico do Município de Itaiópolis”. A pesquisa está completa e só espera por patrocínio para ser publicada. “É importante as pessoas terem esse trabalho em mãos para entenderem a importância de suas casas para a história da cidade, de Santa Catarina, do Brasil e da Polônia”, destacou Wilson Rodycz. (Andréa Leonora/Divulgação Alesc)*
*Leia também as matérias “Primeira sessão solene da Assembleia em Itaiópolis marca comemorações pelo Dia Estadual da Imigração Polonesa”, “Itaiópolis vive a expectativa de novos investimentos” e “Um pouco da história da Polônia veio de navio para o Brasil”.