Congresso discute boas práticas para o parto humanizado hospitalar
Os resultados positivos obtidos com a incorporação de boas práticas para o parto humanizado nos hospitais foram abordados na mesa de debate que abriu o último dia de atividades do 2º Congresso Nacional do Parto Humanizado, na manhã desta sexta-feira (17), na Assembleia Legislativa. O evento é uma iniciativa da Comissão de Saúde do Parlamento catarinense.
As debatedoras apresentaram as experiências vivenciadas no Hospital Santo Antônio, de Blumenau, na Maternidade Carmela Dutra e no Hospital Universitário (HU), ambos de Florianópolis. Destaque para o relato da enfermeira obstetra Vera Bonazzi, do Hospital Sofia Feldman (HSF), de Belo Horizonte (MG), considerado referência em parto humanizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Definição
Conforme a ginecologista e obstetra Roxana Knobel, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as boas práticas na assistência são baseadas em evidências científicas para promover melhores resultados obstétricos e prevenir desfechos neonatais negativos. “Estudos mostram a melhor forma, a mais segura, a que proporciona melhores resultados maternos e perinatais, para o bebê”, disse. “Basicamente, são formas de não intervenção. Ou seja, acreditar que o parto é um evento fisiológico, que a mulher é capaz de parir e o bebê é capaz de nascer. Mas ter sempre cuidado, ficar vigilante para, caso surja qualquer complicação, poder intervir prontamente”, complementou.
Sofia Feldman
O HSF atende cerca de 1.000 partos por mês e possui uma das maiores unidades de neonatologia do país em número de internações. Com assistência humanizada à mãe, ao bebê e à família, é referência para o Ministério da Saúde, que, por meio do Programa Rede Cegonha, propõe mudanças no modelo assistencial praticado no Brasil. “Possibilitar que o nascimento ocorra num ambiente humano, acolhedor, vinculante, prazeroso e seguro é contribuir para que o potencial do nascimento de mudar o mundo e de construir a paz aconteça”, ressaltou Vera.
O hospital é uma fundação filantrópica 100% SUS que serve de modelo de boas práticas para uma assistência respeitosa, centrada no usuário e baseada em evidências científicas. “Mesmo trabalhando 100% SUS, conseguimos realizar o que acreditamos, o que a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde recomendam, e o que a população deseja, que é assistência humanizada, de qualidade e, principalmente, digna. Temos que lutar pelo SUS, que existe para cuidar de todos, não somente dos pobres”, frisou a enfermeira obstetra.
O Sofia Feldman oferece assistência multi e interdisciplinar, favorece a presença do acompanhante em tempo integral, incentiva o parto normal – inclusive com acesso ao parto na água –, possibilita livre escolha para a posição no trabalho de parto e parto, proporciona métodos não farmacológicos para alívio de dor (uso de bola de pilates, escada Ling, cavalinho, banquinho “U”, banho morno, massagens corporais, exercícios respiratórios) e práticas integrativas (acupuntura, reflexologia, escalda-pés, reiki, auriculoterapia), estimula o aleitamento materno, mantém um programa de doulas comunitárias, entre outras ações.
O setor de estatísticas do HSF registrou, neste ano, 74,4% de partos naturais, 2,3% com fórceps ou vácuo extrator e 23,3% cesáreas. As mulheres atendidas pela instituição tiveram, em 96,7% dos casos, a presença de acompanhante de sua livre escolha. O índice de analgesia é de 23,7% e a taxa de episiotomia, um corte cirúrgico realizado na região do períneo para facilitar a passagem do bebê, é de 2,6%. “Esse setor é de extrema importância para mostrar à sociedade o que está sendo feito. Também é fundamental para avaliarmos os dados e trabalharmos para melhorar o atendimento.”
Atuando no Sofia Feldman desde 1999, Vera declarou ser apaixonada pelo trabalho desenvolvido pela instituição. Embora seja um exemplo para todo o país, ela comentou que o hospital também enfrenta dificuldades. “Lá não é um mar de rosas, temos muitos problemas, dificuldades financeiras, de relacionamento interpessoal, como todas as instituições hospitalares, mas lutamos para superar os obstáculos.”
A enfermeira obstetra mostrou fotografias da estrutura física do Sofia Feldman, que conta com 186 leitos, mas destacou que o principal é o comprometimento da equipe profissional. “Não esperamos que copiem o Sofia Feldman, mas que levem essas vivências de trabalho compartilhado, colaborativo, entre os vários profissionais que atuam nessa área para outros locais.”
Hospital Santo Antônio
Considerado referência no serviço materno-infantil, para gestação de alto risco e prematuridade, o Hospital Santo Antônio de Blumenau atende 14 municípios da Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí. A instituição contabiliza uma média mensal de 300 nascimentos. De janeiro a março de 2016, foram realizados 912 partos, sendo 642 normais e 270 cesáreos.
O centro obstétrico do Santo Antônio conta com uma equipe multidisciplinar, composta por médicos e enfermeiros, além de profissionais das áreas de nutrição, assistência social e psicologia para serviços complementares. O diferencial da instituição é, na avaliação da enfermeira Roberta Salvador, a presença de 16 enfermeiras obstetras, distribuídas em quatro turnos. “A incorporação delas na equipe faz toda a diferença para a mudança na qualidade da assistência”, ressaltou.
A atuação das enfermeiras obstétricas contribuiu, segundo Roberta, para a diminuição da taxa de cesariana e a redução do número de intervenções no trabalho de parto e parto. A equipe médica fica resguardada aos casos de alto risco. A atuação das também proporcionou maior satisfação das mulheres com o processo de parturição e credibilidade da população na assistência prestada. “Ainda não está perfeito, mas nós podemos mudar essa realidade. Assistimos mulheres se transformando, não fazemos o parto. Na verdade, me vejo como uma parteira. É preciso se empoderar para empoderá-las”.
Indicadores do Hospital Santo Antônio - Rede Cegonha
Parto normal | 71% |
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Cesariana | 29% |
Uso de ocitocina | 27% |
Dieta sob livre demanda | 62% |
Episiotomia | 2% |
Uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor | 67% |
Contato imediato pele a pele efetivo | 74% |
Hospital Universitário
O HU de Florianópolis iniciou as atividades em 1995, baseado em uma série de princípios básicos que norteiam a assistência, como a atuação integrada de equipe interdisciplinar – qualificada, treinada e supervisionada continuamente – para prestar um atendimento adequado à mulher, ao recém-nascido e à família.
A instituição oferece, desde 1996, a possibilidade de parto verticalizado, com a rotina de enfermagem de levar a mulher para conhecer as salas de parto e permitir que escolha a de sua preferência. “O HU foi muito vanguarda”, comentou Roxana.
A médica apresentou dados comparativos da realidade nacional e do Hospital Universitário sobre boas práticas para o parto humanizado hospitalar. Ela usou como referência a pesquisa “Nascer no Brasil”, de 2011, e o levantamento sobre nascimentos no HU de 2010 a 2013, além da observação prática.
Roxana ressaltou que o HU tem uma taxa de cesáreas de 35,6%, número abaixo da média brasileira (51,9%). Segundo a médica, avanços foram conquistados com a incorporação de boas práticas, como a presença de acompanhante de escolha da mulher, o uso do partograma, a utilização de medidas não farmacológicas para alívio da dor, além de evitar a episiotomia de rotina e a posição de parto litotômica (paciente com as costas na cama).
Na avaliação da ginecologista e obstetra, alguns aspectos ainda precisam ser melhorados no Hospital Universitário. Ela citou o jejum, o uso de ocitocina no trabalho de parto e de analgesia farmacológica. “Minhas propostas são investir em treinamento e educação continuada da equipe, valorizar os recursos humanos, promover o feedback da equipe e a transdisciplinaridade e conhecer as taxas do serviço.”
Indicadores Brasil x HU
Brasil | HU | |
Alimentação | 25,6% | variável (conforme equipe de plantão) |
Movimentação | 46,3% | praticamente todas as parturientes recebem orientação para livre movimentação |
Procedimentos não farmacológicos para alívio da dor | 46,3% | 97,3% |
Presença do acompanhante em toda a internação | 18,8% | 97,3% |
Uso do partograma | 44,2% | todas as parturientes em trabalho de parto |
Ocitocina | 38,2% | 62% das mulheres tiveram partos induzidos |
Analgesia peridural | 31,5% | variável (conforme a equipe de plantão) |
Parto em posição de litotomia | 91,7% | 11,7% |
Episiotomia | 56,1% | 5,22% |
Cesarianas |
45,5% (risco habitual) 51,9% (todas as mulheres) |
35,6% |
Partos naturais | 5,6% | sem dados |
Carmela Dutra
A Maternidade Carmela Dutra, de Florianópolis, tem uma média mensal de 338 partos, sendo 64% normais e 38% de alto risco, de acordo com dados da pediatra Lissandra da Silva Mafra Andújar.
Na opinião da médica, o nascimento de um bebê representa a mais dramática transição fisiológica da vida humana. “Em nenhum outro momento o risco de morte ou lesão cerebral é tão elevado. O nascimento seguro e o início de vida saudável são o coração do capital humano e do progresso econômico do país.”
As intervenções necessárias para reduzir a morbidade e a mortalidade neonatais pautaram a apresentação da pediatra. Segundo Lissandra, são registrados 2,9 milhões de óbitos neonatais por ano no mundo. No Brasil, de 2005 a 2010, foram notificados entre 5 e 6 mortes precoces por dia. “As medidas de prevenção primária incluem a melhora da saúde materna, o reconhecimento de situações de risco e recursos humanos capacitados para atender o parto e identificar complicações obstétricas. Além disso, pontuo a reanimação neonatal imediata e o tratamento das complicações do processo asfíxico.”
A rotina da instituição estabelece que todos os partos de risco habitual são assistidos por pediatra e todos os partos de alto risco são assistidos por neonatologista. Na avaliação de Lissandra, uma assistência adequada requer uma equipe treinada em reanimação neonatal, o conhecimento das condições associadas à necessidade de reanimação ao nascer, assim como a preparação, o teste e a disponibilização de todo o material indispensável antes do nascimento de qualquer recém-nascido.
Conforme a pediatra, 1 em cada 10 recém-nascidos necessita de ajuda para iniciar a respiração efetiva, 1 em cada 100 precisa de entubação traqueal e 1 em cada 1.000 requer entubação acompanhada de massagem cardíaca e ou medicação.
Ao mostrar o projeto de ampliação da maternidade, que prevê o aumento no número de leitos (UTI neonatal, cuidados intermediários convencionais e canguru), Lissandra fez um apelo. “É um sonho. Dos 21 leitos atuais passaremos para 45. Temos esse projeto há 10 anos, mas ainda não conseguimos sensibilizar os governantes para executar a obra.”
Rádio AL