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27/09/2023 - 07h00min

Como SC se transformou em referência na doação e transplante de órgãos

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Nos últimos 18 anos, Santa Catarina foi líder nas doações e transplantes em 14; em outros quatro, ficou em segundo lugar
FOTO: Rodolfo Espínola/Agência AL

Santa Catarina tem muitos indicadores que a destacam positivamente no cenário nacional. Um deles é comemorado nesta quarta-feira (27), Dia Nacional da Doação de Órgãos. Há 18 anos, o Estado figura entre os líderes na doação e transplante de órgãos e tecidos, com índices similares aos países que mais se destacam nesse quesito.

Conforme o coordenador da Central Estadual de Transplantes (SC Transplantes), Joel de Andrade, nesses 18 anos, Santa Catarina foi líder em 14 e vice-líder em quatro. Esses resultados são atribuídos à adoção do modelo espanhol, considerado um dos mais bem-sucedidos no mundo.

Andrade explica que o modelo consiste na disponibilização, nos hospitais doadores, de profissionais de saúde capacitados a lidar com um processo complexo, que começa na detecção de possíveis doadores, o diagnóstico de morte encefálica, a manutenção desse doador até a retirada dos órgãos e a concordância dos familiares com a doação.

Joel de Andrade, coordenador estadual da SC Transplantes“A entrevista familiar é a etapa mais difícil e complexa”, afirma o coordenador. “Treinamos as equipes de profissionais da saúde a exaustão, em especial as habilidades de comunicação entre os coordenadores de transplantes e a família.”

A capacitação contínua das equipes também é apontada como um dos fatores do sucesso catarinense. Em 2007, 70% das famílias não autorizavam a doação. Atualmente, menos de 30% não concordam. A meta é atingir 10%, como ocorre na Espanha, referência mundial na doação de órgãos.

Mesmo com os resultados positivos, o coordenador acredita que há espaço para avanços, como a melhoria na comunicação com as famílias e na detecção de potenciais doadores. “Detectamos muitos doadores, mas nas auditorias que fazemos, notamos que há pacientes que não são detectados”, comenta.

Decisão é da família
No passado, qualquer pessoa podia deixar expressa no documento de identidade a vontade de ser doador. Atualmente, isso não é mais possível. Mesmo que tenha o desejo de doar, cabe à família a decisão final. O coordenador da SC Transplantes explica que é preciso haver consenso dentro da família sobre a autorização. “Se temos um caso em que são quatro filhos e um não autoriza a doação, nós não fazemos”, exemplifica.

Os profissionais de saúde que se envolvem nesse processo destacam a importância das famílias conversarem abertamente sobre o tema.

Victor Monteiro Rodrigues, coordenador médico da comissão de transplantes do Hospital Santo Antônio “As pessoas têm de aprender sobre o morrer. Culturalmente, a gente não conversa sobre isso”, comenta o médico intensivista pediátrico Victor Monteiro Rodrigues, coordenador médico da comissão de transplantes do Hospital Santo Antônio de Blumenau. “A possibilidade da doação é um direito de cada pessoa. Cabe a nós dar a oportunidade de exercer esse direito em um momento em que não podemos mais expressá-lo.”

“Uma regra fixa de todo esse processo é que quando alguém deixa claro para a família que quer ter seus órgãos doados, a família respeita essa vontade, mesmo num momento muito difícil”, completa Joel de Andrade. “Para quem tem um doador na família, basta respeitar a vontade dele.”

Desafios
O treinamento constante ajuda a derrubar mitos envolvendo a doação de órgãos. A enfermeira Marjana Almeida Herpich, coordenadora de transplantes do Hospital Santo Antônio de Blumenau, explica que um dos principais está relacionado à maneira como o corpo do doador será devolvido à família após a retirada dos órgãos.

Marjana Almeida Herpich, coordenadora de transplantes do Hospital Santo Antônio“Qualquer captação de órgãos e tecidos é um procedimento seguro e o corpo do doador será entregue do mesmo jeito que ele estava ao falecer”, comentou. “A família poderá fazer o velório normalmente e se despedir da maneira adequada.”

A dificuldade em aceitar a morte do ente querido também está entre os desafios enfrentados pelas equipes. “Os familiares ficam na dívida se houve de fato uma morte encefálica, se não há nada ainda que possa ser feito para reverter a situação”, relata a nefrologista Elisângela Biazoto Massa, coordenadora de transplantes no Hospital Marieta Konder Bornhausen de Itajaí. “É difícil para a família aceitar, principalmente quando são pacientes jovens.”

O coordenador da SC Transplante acrescenta que há famílias que não aceitam esperar o tempo necessário para a retirada dos órgãos e tecidos. “Mas a recusa por uma doação nunca é culpa da família, sempre é culpa da estrutura que atende essa família desde a internação desse paciente”, comenta Andrade.

Caso Fausto Silva
No mês de agosto, o apresentador de TV Fausto Silva foi internado em São Paulo com problemas cardíacos. Os médicos diagnosticaram que ele precisaria de um transplante de coração, que foi feito em poucas semanas. A rapidez da operação e a condição financeira do apresentador suscitaram uma série de teorias, entre elas a de que Faustão teria furado a fila de transplantes.

O coordenador da SC Transplantes afasta qualquer tipo de privilégio. “Nesses 18 anos que estou na SC Transplantes, vi dezenas de pessoas anônimas que conseguiram um órgão em 36, 24 até 12 horas”, relata Joel de Andrade. “Quem conhece o sistema de transplantes, sabe que ele funciona, que é sério, auditável e confiável."

A ordem de chegada não é o único fator que interfere na fila de espera por um órgão. A gravidade do caso e a idade do receptor também são levadas em consideração. Assim, uma pessoa que esteja em estado mais grave terá prioridade mesmo que tenha entrado depois na fila.

Outra polêmica envolvendo o transplante de Faustão foi a divulgação da identidade do doador. Um decreto federal de outubro de 2017 proíbe expressamente a identificação de doador e receptor, mesmo que haja uma vontade das partes.

“Foi lamentável que tenha ocorrido essa divulgação”, afirma o coordenador. “Descumpre completamente a norma e criou um desconforto para as centrais de transplantes, pois famílias nos procuraram dizendo que para uma celebridade foi feita identificação e para elas, não.”

Andrade defende o sigilo. “Nos países mais avançados na questão do transplante, há a regra de confidencialidade”, diz Andrade. “O direito da família do doador em saber para onde foi o órgão esbarra no direito de outro em não querer saber essa informação.”

Exemplo
O fotógrafo Antonio Carlos Mafalda costuma dizer que tem duas idades: 74 anos e 9 anos. A primeira está relacionada ao seu nascimento. A segunda, referente ao transplante de fígado ao qual se submeteu.

Numa manhã em 2013, Mafalda amanheceu ensanguentado. Levado para o hospital, teve que ser transferido a São Paulo, onde lhe foi dado o diagnóstico: câncer de fígado. Os médicos lhe deram oito meses de vida. Somente um transplante o salvaria.

“Muda toda a sua vida. Eu nem sabia o que era um transplante. De repente, eu estava na fila de espera. É terrível”, diz.

Antonio Carlos Mafalda, submetido a um transplante de fígado há nove anosMafalda se apegou à fé e à ciência. A primeira tentativa de transplante não deu certo, pois não havia sangue e plaquetas. Cinco dias depois, a segunda tentativa foi bem-sucedida, apesar de uma rejeição inicial ao órgão.

“Falar de doação é falar de vida. Todos são potenciais doadores”, afirma. “Pense que alguém da sua família pode precisar um dia. É importante se conscientizar desse grande ato de amor que você pode fazer pelo próximo.”

Desde que se recuperou do transplante, Mafalda retornou ao trabalho normalmente. Ele também se engaja em ações para incentivar a doação de órgãos.

“Doar é um ato de coragem e amor. É uma nova oportunidade para a vida.”

Marcelo Espinoza
Agência AL

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