Carta marca encerramento do Congresso Nacional do Parto Humanizado
FOTO: Bruno Collaço / AGÊNCIA AL
As atividades da quinta edição do Congresso Nacional do Parto Humanizado foram encerradas, na tarde desta sexta-feira (23), com a leitura da Carta de Florianópolis. O documento, elaborado com base no debate apresentado ao longo dos dois dias de evento, dá um panorama do setor e aponta diretrizes. O evento, realizado no Auditório Antonieta de Barros, debateu os limites, falhas e entraves para o sucesso da implementação das políticas de humanização do parto, o funcionamento das casas de parto e a viabilidade de implantação desse serviço no estado, bem como situações de risco e mortalidade materna, entre outros temas.
Segundo uma das organizadoras, Francieli Silvana Cardozo, a participação de médicos, enfermeiros, gestores públicos, pesquisadores, parlamentares, parteiras, entidades e outros profissionais foi fundamental para elaboração da carta. O documento será encaminhado às lideranças políticas estaduais e nacionais e reconhece que o Brasil vive um momento de dificuldades para implantação de políticas públicas que valorizem a humanização do parto e que há uma fragilidade nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, principalmente as mulheres negras e a comunidade LGBTQ+ são invisibilizadas socialmente e mais suscetíveis à violência.
Francieli destaca ainda que o documento destaca a importância da implementação das casas de parto normal e que aborto faz parte da ancestralidade, um fato da vida reprodutiva das mulheres. O evento foi promovido pela Comissão de Saúde em parceria com a Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira. Na abertura do Congresso, o presidente da Comissão de Saúde, deputado Neodi Saretta (PT), afirmou que a realização da quinta edição do Congresso do Parto Humanizado se justifica pela necessidade permanente de debater o assunto. “Santa Catarina ainda tem índices altíssimos de cesáreas, muito acima daquele que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde, e o importante é a orientação, o esclarecimento, para a mãe poder decidir livremente a forma de nascimento do seu filho.”
Casa de parto
No encerramento do Congresso, um dos assuntos que mais chamou atenção foi a viabilidade da instalação em Santa Catarina da primeira casa de parto natural (CPN), projeto que está em discussão avançada em Florianópolis. As enfermeiras obstetras de Brasília, Jussara Silva Vieira, do Rio de Janeiro, Ariana de Souza Rodrigues dos Santos, e de São Paulo, Francine Even de Souza Cavalieri, falaram da experiência para implantação das casas de parto em seus estados e as principais dificuldades.
Representando Santa Catarina, a presidente da Associação Brasileira de Enfermeiros Obstetras, Neonatais e Obstetrizes (Abenfo/SC), Juliana Jacques da Costa Monguilhott, falou das dificuldades para implantação da primeira casa de parto no estado, que já conta com terreno, projeto e até recursos previstos. “ Após dez anos de lutas e negociações, a casa de parto natural de Floripa já possui um local reservado para ela, no IFSC Florianópolis, e até mesmo verbas aprovadas na Câmara de Vereadores. Porém, hoje esbarra em um impasse: os centros de parto normal precisam ter uma maternidade de referência, para casos que exijam acompanhamento médico especializado, e até o momento nenhuma maternidade da cidade aceitou ser essa referência.”
Ela informou que a Defensoria Pública da União (DPU) marcou para o dia 29 deste mês, às 16h30, uma audiência de conciliação, na Justiça Federal, com a participação de integrantes do Centro de Parto Normal e dirigentes do Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), único estabelecimento a responder a proposta do projeto, e com representantes do Hospital Regional de São José, da Maternidade Carmela Dutra, das secretarias da saúde de Florianópolis e de Santa Catarina, para continuar as negociações e tentar resolver o impasse.
Carta de Florianópolis
Nós, entidades, organizações, profissionais da área de saúde, doulas, mães e pais, gestores públicos reunidos em Florianópolis nos dias 22 e 23 de agosto no 5º Congresso Nacional de Parto Humanizado,
Reconhecemos:
Que o Brasil ainda vive no debate da humanização do parto e pontuamos que vivemos um momento de dificuldades políticas e intenso retrocesso.
Estamos em um momento de fragilidade no que tange os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Que as mulheres negras e a comunidade LGBTQ + são invisibilizadas socialmente e ainda mais suscetíveis à violência obstétrica.
Percebemos a possibilidade no retrocesso dos casos de aborto legal com as leis e PECs em tramitação no congresso nacional, acentuando ainda mais a violência de gênero. Que a falta de acesso ao aborto seguro é uma causa de morbimortalidade materna evitável, sendo mais atingidas as pessoas vulnerabilizadas.
Que a proibição do medicamento misoprostol é um dificultador significativo no acesso ao aborto seguro.
Mesmo nos casos de aborto legal previsto as mulheres têm dificuldades de acesso a esse serviço e a assistência humanizada do mesmo.
Que o aborto faz parte da ancestralidade é um fato da vida reprodutiva das mulheres.
Que o aborto é dominado pelo modelo do patriarcado tornando-se um grande tabu na nossa sociedade com uma política punitivista. Que o atendimento ao aborto tende a ser mais violento que o atendimento ao parto. A inoperância dos comitês de mortalidade materna e a participação da sociedade civil.
Que a equipe multidisciplinar com autonomia relacional é fundamental para viabilizar o acesso à saúde integral no período gravídico puerperal.
Que é necessário ampliar acesso à assistência humanizada
Que a violência obstétrica é uma violência de gênero.
Ainda há uma disparidade preocupante entre índices de cesarianas e de partos.
Implementação dos centros de partos normais para desmedicalização do parto, redução do alto índice de cesarianas e iatrogenia.
A importância dos centros de parto normal para aumento de satisfação materna.
Que a implementação de casas de parto normal, mudam o modelo de assistência obstétrica.
Recomendamos:
Que é necessário ampliar a atuação das enfermeiras obstétricas/obstetrizes na assistência perinatal o que é valorizado nos centros de parto normais.
Um congresso somente sobre os direitos sexuais reprodutivos.
A urgência da criação de Fóruns perinatais no Estado.
Ampliar o acesso a formações de doulas de forma popular, acessível, colaborativa e/ou gratuitos.
Melhorias de condições de trabalho aos profissionais da saúde e a sensibilização desses profissionais por meio de uma formação mais humanitária com matérias que abrangem discussões em relação aos currículos de direitos humanos, sexuais reprodutivos, abordo, ética e violência e atualização baseados em evidências científicas.
Articulação e fortalecimentos das frentes e entidades feministas e lutas pelos direitos das mulheres a fim de fazer frente a esse momento de retrocesso de direitos.
A procedência da ADPF 442, que descriminaliza o aborto no primeiro trimestre de gestação.
E rejeição de todos os PLs e PEC que extinguem os casos de acordos legais já previstos.
Legalização do aborto seguro, ampliação dos casos de aborto seguro por meio de uma assistência humanizada e gratuita bem como a liberação da comercialização do misoprostrol.
Fortalecimento dos comitês da saúde reprodutiva da mulher, tais como rede cegonha, mortalidade materna. Com a participação da sociedade civil, e os profissionais envolvidos na assistência.
A importância e urgência da implementação de Centros de parto Normal no Estado.
O veto a PL 434/2019 pelo governador do estado de São Paulo, que refere-se à lei do direito a cesariana a pedidos nos SUS.
Nos comprometemos
Viabilizar o congresso dos direitos sexuais e reprodutivos
Manter o congresso do parto humanizado com maior participação de diversas áreas profissionais.
Fomentar a criação de fóruns Perinatais.
Engajamento junto aos movimentos sociais feministas.
A enviar a carta para o governador de São Paulo, da recomendação do veto a PL 434/2019.