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14/11/2023 - 09h40min

Audiência pública tem críticas às abordagens da Polícia Militar

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Audiência foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Família da Alesc
FOTO: Vicente Schmitt/Agência AL

Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Família (CDHF), que aconteceu no fim da tarde de segunda-feira (13), na Alesc, para discutir o Plano Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), acabou em críticas às abordagens da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) nas comunidades vulneráveis.

“Desenvolvemos um projeto de monitoramento de violência policial e vamos protocolar um relatório que traz as mortes violentas em abordagens no Morro do Mocotó. São 12 jovens negros e pobres que morreram. Fomos buscar nas ações judiciais e nas ações policiais para ver como isso foi tratado. Constatamos que o tratamento é diferente, que 90% dos casos foram arquivados de plano, mas são mortes com intervenção da PM que sobe o morro atrás de drogas”, relatou Cynthia Pinto da Luz, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos.

Segundo Cynthia, o estudo também verificou alto nível de violência policial, omissão de socorro, violação das cenas dos crimes e intimidação de testemunhas.

“Mesmo que a família chame o Samu, a PM muitas vezes impede que o Samu suba o morro. A colheita de provas é inservível, as famílias são intimidadas, não conseguem prestar depoimento com segurança, não conseguem ver o familiar, toda sorte de violência que vai além da execução sumária”, lamentou a advogada, que pediu à comissão da Alesc abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar as abordagens violentas.

Luzia Cabreira, advogada, foi além e acusou o Estado de adotar duas políticas de segurança pública.

“Uma segurança para a maioria de vocês e uma segurança pública para a população da periferia. Isso é o sistema, as pessoas não fazem ideia do que é a violência policial. Todo dia polícia no morro, drones à noite, uma polícia violenta, que mata, isso não é algo que acontece por acaso, é pensado para conter a população pobre, que está confinada e controlada”, disparou Luzia.

Vanda Pinedo, do Movimento Negro Unificado, e Mire Chaves, ativista social, também denunciaram a violência policial, enquanto Moisés Nascimento, da Frente da Juventude Voz da Favela, pediu o afastamento dos policiais envolvidos em cenas violentas.

“Nossa comunidade não vem aqui, tem retaliação depois, a voz do povo é silenciada, não vem porque tem medo, é perseguido. Essa segurança não nos defende, ela nos ataca todos os dias, como pode essa polícia ser a melhor do Brasil?”, questionou Pinedo.

“A violência policial sempre foi extrema dentro das comunidades e para os povos negros, já levei coronhada. A PM ataca nossa juventude quando vai comprar pão na venda”, desabafou Mire Chaves.

“No dia 27 de outubro houve uma operação sem nenhum tiro, com bloqueio de milhões de reais, operação que aconteceu nos Ingleses. Usando inteligência a gente consegue trabalhar e poupar vidas. E os policiais com histórico de violência precisam ser afastados, precisam de acompanhamento psicológico”, avaliou Moisés.

Rafaela dos Santos Silva, da ONG Unidos Pela Igualdade e moradora do Morro da Mariquinha, cobrou apuração das mortes dos jovens Vitor e Gustavo, respectivamente moradores do Siri e da Mariquinha, na capital, e pediu mais investimentos em esportes e educação nas escolas das comunidades periféricas.

“Tem oportunidade tanto para o bem, quanto para o mal. Tem o tráfico, mas tem o esporte e a educação. O estado é cruel com os pobres, as unidades socioeducativas não garantem a ressocialização, são insalubres, faltam profissionais, a gente quer mais. Peço Justiça e mais oportunidades nas comunidades, mais vagas de emprego, quanto mais ocuparem a cabeça, menos irão para o crime”, pontuou Rafaela.

A palavra do Judiciário
O desembargador João Marcos Buch, a juíza Ana Cristina Borba Alves, da Vara da Infância e Juventude de São José, e o promotor Eder Cristiano Viana, de Joinville, representaram o Judiciário na audiência.

“Para mim essa audiência foi essencial, são problemas que persistem. Fui no morro conversar e um adolescente me pediu pela polícia de forma receosa. Temos de parar e ouvir, dessa forma não está funcionando, é preciso proteger a todos indistintamente”, observou Buch, que reconheceu a contundência do relatório apresentado pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos.

“Durante 15 anos presenciei e ouvi muita coisa, mas não só a polícia, o Ministério Público (MPSC), o Judiciário, a Defensoria Pública, sempre podemos fazer a diferença para o bem e para o mal”, apontou Ana Cristina, que contou o caso de um adolescente que pediu para conhecer o policial que o abordou. “Vim aqui porque quero saber quem foi o policial que me abordou e que mudou a minha vida, sentou comigo e mudou a minha vida.”

A juíza da Infância e Adolescência defendeu abordagens não violentas e o recurso à gentileza.

“Temos de pensar em fazer a diferença, hoje é dia mundial da gentileza, que se pense em fazer uma abordagem mais gentil, que a gente se encharque de humanidade e tenha um olhar especial para a juventude periférica. Da nossa clientela, um ou dois são jovens de classe média, o restante é todo da periferia”, informou a magistrada.

A palavra da PMSC
O coronel Julival Queiroz de Santana, chefe do Comando Regional da Polícia Militar, com sede em Florianópolis, representou a instituição policial barriga-verde.

“Estamos abertos a ouvir e a PMSC como instituição é a melhor do país, os indicadores que falam isso”, registrou Santana, que reconheceu a existência de pontos de vistas divergentes, mas sinalizou para um consenso mínimo em torno das abordagens.

Segundo o comandante, apesar dos direitos fundamentais estarem assegurados no papel, “a realidade fática nega os direitos”. O oficial também ponderou que os policiais avaliam os riscos antes de abordarem os cidadãos.

“Para a PMSC quando a comunidade traz a violência falamos que o que fazemos é o uso diferenciado, legal e legítimo da força, mas sempre vamos ter bons e maus profissionais. Com a corporação acima de 10 mil profissionais, temos problemas, mas temos o dever ético e legal de investigar e responsabilizar os infratores da violência policial, os desvios serão apurados”, garantiu coronel Santana.

O representante da PMSC recomendou que diante de “desvios de comportamento” os cidadãos acionem as ouvidorias, o MPSC e a Defensoria Pública.

“Desafio a me visitar, de todas as denúncias, nenhuma passa ilesa”, afirmou Santana.

Cynthia Pinto da Luz respondeu imediatamente ao desafio proposto pelo comandante regional da PMSC. De acordo com a ativista, no caso dos 12 processos investigados pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, nenhum policial foi sequer indiciado.”

A palavra dos parlamentares
Vanessa da Rosa (PT), que presidiu a audiência pública, e Luciane Carminatti (PT) criticaram a ausência da ação do Estado nas comunidades vulneráveis.

“É muito triste ver crianças alcançarem o Estado sem ser pela escola, pelo médico, mas pelas abordagens policiais. Respeitamos o trabalho da PMSC, não é somente esta a questão, quando falamos de abordagens de jovens há um recorte racial muito especifico no Brasil, são os jovens negros e negras que mais morrem na nossa sociedade, 65% das mortes em abordagens policiais acometem jovens negros”, revelou Vanessa.

“É nas comunidades que o Estado precisa entrar mais forte, tem de entrar para quem mais precisa, tem de estar presente onde mais se faz necessário, mas não com chicotadas, com oportunidades”, argumentou Carminatti.

A deputada citou o caso do orçamento previsto para 2024 e revelou que os valores não dão conta das demandas mais simples da sociedade.

“O orçamento para social é vergonhoso, não se faz sistema socioeducativo com migalhas, aqui o comandante falou de que teria de estar na mesa a Secretaria de Assistência Social. É isso, a gente precisa olhar para o governo como um ente de políticas públicas”, advogou a parlamentar, que questionou a Secretaria de Estado da Educação (SED). “Será que mapearam as escolas que mais precisam ter ou mapearam as mais fáceis de ter ensino integral?”.

Sobre o Sinase
Houve um consenso entre os participantes da audiência pública de que o Plano Sinase, instituído em 2015, ainda não saiu do papel.

“O Plano Estadual de Socioeducação foi aprovado em 2015 e de lá para cá continua no papel, não está sendo executado da forma como tem de ser. A gestão do atendimento não está acontecendo adequadamente e o próprio Plano prevê a formação de um grupo que faça o monitoramento e a revisão do Plano”, descreveu Erli Camargo, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, que sugeriu a formação imediata do referido grupo.

Também foi sugerida à Comissão de Direitos Humanos e Família da Alesc o apoio às famílias vítimas da violência e aos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), bem como a separação administrativa entre “meio aberto” e o “meio fechado”, entre o Departamento de Administração Socioeducativo (Dease) e a Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa (SAP).

Também foi indicada a contratação de psicólogos e assistentes sociais para atuarem nas unidades socioeducativas.

Vitor Santos
AGÊNCIA AL

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