Audiência pública debate o direito à moradia própria em Santa Catarina
FOTO: Vicente Schmitt/Agência AL
O drama das comunidades e ocupações ameaçadas de despejo em Santa Catarina foi discutido em uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa na noite desta terça-feira (31), com o auditório Deputada Antonieta de Barros lotado de representantes de 11 ocupações organizadas no estado, onde há uma estimativa de mais de 2 mil famílias somente na região Grande Florianópolis, que atualmente são protegidas pela lei do Despejo Zero, prorrogada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) até o final de junho. No final do evento, foi apresentada a Carta Aberta dos Movimentos de Moradia e Campanha Despejo Zero, com sete propostas para amenizar os problemas da população nas ocupações organizadas.
O deputado Fabiano da Luz (PT), líder da bancada do partido na Alesc, e proponente da audiência pública, enfatizou que o momento é delicado pois o inverno está próximo e estas famílias de ocupações organizadas estão em uma situação de precariedade, sendo que um despejo só aumentaria o problema. “A audiência pública teve como objetivo ouvir as famílias e se os órgãos de Justiça estão dispostos a prorrogar o prazo que vence no final de junho ou se vão manter a data de 30 de junho para que as famílias se mantenham nestas áreas ocupadas.” Participaram também da audiência a deputada licenciada, Luciane Carminatti (PT), e o deputado Adriano Pereira (PT).
O desembargador Selso de Oliveira, coordenador estadual do Programa Lar Legal (Ceprolar), representando o desembargador João Henrique Blasi, presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, enfatizou que o programa Ceprolar tem ajudado na regularização fundiária, na titularização de áreas já ocupadas pelas famílias e que ainda estão com irregularidade na documentação. “Estão sendo entregues milhares de títulos de propriedades, regularizando a propriedade destas moradias e isso é um dos mecanismos que existe atualmente para colaborar, por parte do Judiciário, com essa problemática tão sensível e tão relevante para a população.”
O representante do Brigadas Populares e do Movimento Despejo Zero, Jefferson Maier, afirmou que há uma situação bem grave em Santa Catarina, onde o déficit é o tema técnico que vai resumir as condições inadequadas e precárias de moradias. “Hoje o que nós temos, lembrando que como se calcula esse déficit é superestimado, a gente não consegue uma boa aproximação por falta de dados, pela dificuldade de fazer pesquisas em campo. O déficit habitacional no estado que temos calculado pela Secretaria de Desenvolvimento Social é estimado em 203 mil moradias, mas há outros cálculos que vão nos mostrar que há um déficit de mais de 260 mil moradias no estado, com isso temos mais de 600 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social em Santa Catarina.”
Ele diz que este é um problema que não se vê, é uma “cidade” que não existe, que está na periferia dos grandes municípios e que, em sua opinião, o governo do Estado não quer encarar. Afirma ainda que o movimento que representa entende que o problema do déficit habitacional é tão complexo que não há apenas uma proposta para sua solução. “O que se critica na literatura, nas discussões técnicas dos movimentos, é que o Brasil falhou em propor um modelo único de construção da casa própria. A gente tem que avançar em modelos diferentes, que saiam da lógica da habitação como mercadoria para modelos que tenham essa relação casa/proprietário, enfim as soluções são diversas, e está na hora de buscar uma solução para Santa Catarina.”
No documento entregue pelo movimento aos deputados, os líderes lembram que o prazo da lei do despejo zero novamente está se esgotando, sem, contudo, as famílias das ocupações organizadas que vivem em extrema situação de vulnerabilidade social, desempregadas e sem moradia, terem seu direito constitucional à moradia digna assegurada. “Neste sentido, recorremos ao estado de Santa Catarina, que tem como função a promoção do bem-estar social, da dignidade da pessoa humana, da assistência social e da promoção e observação do direito constitucional à moradia digna, algumas propostas no sentido de garantir a dignidade às famílias das Ocupações: Amarildo, Anita Garibaldi, Beira Rio, Carlos Marighella, Contestado, Elza Soares, Fabiano de Cristo, Marielle Franco, Mestre Moa, Vale das Palmeiras e Vila Esperança.”
Encaminhamentos da Carta Aberta dos Movimentos de Moradia e Campanha Despejo Zero
1- Seja realizada a criação de um grupo de trabalho interinstitucional para debater a questão habitacional da Grande Florianópolis, compondo-se de movimentos sociais, representantes de ocupações urbanas, defensoria pública, secretário estadual responsável pela pasta de habitação ou representante do mesmo, advogados e comissão de direitos humanos da OAB/SC;
2- A propositura de projeto de lei estadual que, levando em consideração a manutenção dos efeitos socioeconômicos da pandemia, crie garantias excepcionais ao direito de moradia das famílias em situação informal, suspendendo o cumprimento de reintegrações de posse e demais despejos em todo o estado de Santa Catarina, até pelo menos 31/12/2022, utilizando-se como paradigma a Lei nº 14.216/21 (Lei do Despejo Zero) e a recente decisão na ADPF nº 828 do Supremo Tribunal Federal;
3- Seja realizada a abertura de mesa de negociação permanente entre entidades da sociedade civil organizada, movimentos sociais, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB/SC, governos estadual e municipal e secretarias competentes, órgãos de assistência social, garantindo que todo processo de reintegração só possa ocorrer após a realização de uma mesa de negociação com o governo do estado e município competente, garantida a presença da União, se relevante, para a resolução do conflito;
4- O envio de ofícios, separada ou conjuntamente, pelo gabinete de deputados e deputadas comprometidos com a defesa do direito à moradia digna à população, pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina e/ou pela Alesc, ao governo do estado de Santa Catarina e a SDS – Secretaria de Desenvolvimento Social, requisitando divulgação dos dados referentes ao déficit habitacional no Estado, atualizados com os números dos anos de 2020 e 2021, bem como dos programas e projetos habitacionais de moradia popular em andamento;
5- A realização, pela Alesc, de estudo sobre a possibilidade de recomposição do fundo habitacional estadual e, sendo possível, a requisição de orçamento estadual para a recomposição do fundo habitacional estadual para o ano de 2023;
6- O envio de ofício, separada ou conjuntamente, pelo gabinete de deputados e deputadas comprometidos com a defesa do direito à moradia digna à população, pela Alesc e/ou pela Alesc, ao governo municipal de Palhoça para garantir serviços de saúde e educação para as famílias da Ocupação Marighella;
7- O envio de ofício, separada ou conjuntamente, pelo gabinete de deputados e deputadas comprometidos com a defesa do direito à moradia digna à população, pela Comissão de Direitos Humanos da Alesc e/ou pela Alesc, ao governo municipal de São José para requisitar o agendamento de reunião entre a prefeitura municipal de São José e as famílias da Ocupação Contestado.