26/05/2010 - 16h22min
Audiência pública debate falhas do sistema prisional no atendimento a pessoa com deficiência mental
A morte por espancamento de uma pessoa com deficiência mental, no presídio Santa Augusta, em Criciúma, foi tema de audiência pública realizada pela Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, de Amparo à Família e à Mulher e pela Comissão de Segurança Pública, na noite de segunda-feira (24), no auditório da Unesc. O morador de Nova Veneza Valcir Ghislandi, 56 anos, estava detido por suspeita de assédio sexual e foi espancado até a morte no dia 1º de março, por outros presos, porque não quis dividir um pacote de biscoitos.
A reunião foi solicitada pelo deputado licenciado Valmir Comin (PP) e presidida pelo deputado Kennedy Nunes (PP). A mesa de autoridades contou ainda com a presença do deputado Décio Góes (PT); do representante da Associação dos Magistrados, Giancarlo Nones; do advogado da vítima, Rodrigo Mello; de Leandro da Rosa, da Subcomissão de Direitos Humanos da OAB/SC; do diretor geral do Departamento de Administração Prisional (Deap), Adércio José Velter, que no ato representou o Secretário de Justiça e Cidadania, Justiniano Pedroso; do diretor do Hospital de Custódia, Nédio Becker; do representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Laércio Ventura; Daniel Preve, representante da reitoria da Unesc, e de Juceir dos Santos, supervisor do Presídio Regional de Criciúma. Familiares da vítima e moradores de Nova Veneza acompanharam o evento.
Com o propósito de esclarecer os fatos ocorridos e cobrar a apuração das responsabilidades, a audiência pública deve gerar desdobramentos que não ocorreriam, caso não houvesse a atuação do Parlamento, na opinião do conselheiro de Direitos Humanos, Laércio Ventura. Ele informa que, por não proteger uma pessoa com deficiência mental, o sistema prisional catarinense violou a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. “Ghislandi jamais poderia ter sido preso em uma unidade prisional comum, por sua condição de deficiente mental que vivia sobre a tutela de parentes”, disse Ventura.
Moradores de Nova Veneza manifestaram sua indignação com o ocorrido, durante a audiência. Na visão do advogado da família, a morte de Ghislandi foi consequência de vários erros judiciais. Ele precisaria ter passado por uma avaliação de sanidade mental que ocorreria no Hospital de Custódia, em Florianópolis. Como esse procedimento demoraria, a família e moradores do município arrecadaram recursos para transferi-lo para uma clínica psiquiátrica, mas a juíza substituta Karina Maliska não autorizou a transferência. Ghislandi acabou sendo espancado até a morte no presídio, por negar-se a dividir um pacote de biscoitos que havia recebido da família. Ele era inocente da acusação de assédio sexual, conforme atestaram os exames feitos na menina que supostamente teria sido molestada.
O diretor do Deap, Adércio Velter, informou que foi aberto inquérito para verificar o culpado pela morte de Ghislandi. Ele reconheceu a importância de dar atendimento diferenciado às pessoas com deficiência mental, tanto pela periculosidade quanto pela vulnerabilidade que podem apresentar.
Parlamentares e encaminhamentos
Na condição de membro da comissão, Kennedy Nunes falou sobre a importância do debate, tendo em vista que em Santa Catarina existem 14 mil presos, entre eles 2 mil mulheres. Para o parlamentar, casos de presidiários com deficiência mental precisam de atenção dobrada, uma vez que o Hospital de Custódia e Tratamento Psicológico (HCTP), em Florianópolis, possui apenas 147 leitos. “A falta de leito impossibilitou que o senhor Valcir Ghislandi realizasse o exame mental, sendo encaminhado para o presídio, gerando a fatalidade”, frisou.
Como encaminhamento da reunião, pregou-se a união de forças entre a Assembleia Legislativa, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), Associação dos Magistrados Catarinenses e Tribunal de Justiça para que o governo do estado abra mais vagas no Hospital de Custódia.
Na oportunidade, Kennedy informou que a intenção não é mudar a legislação, mas buscar a compreensão dos juízes em determinadas casos, como a falta do laudo que comprova a deficiência mental do detento. “No caso do seu Valcir, ele não tinha o laudo do HCTP, mas tinha todo um histórico que comprovava sua deficiência, entre eles o fato dele ser aluno da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) desde criança”, explicou.
Na opinião do deputado Décio Góes, a audiência pública cumpriu o papel de dar visibilidade a essa questão, que foi muito grave e chocou o Estado. “Infelizmente a vida dele não pode ser restabelecida, mas esperamos que o caso sirva de lição para que o sistema carcerário seja avaliado e aprimorado”, disse. O parlamentar fez um apelo às autoridades da segurança pública estadual para que se apurem os fatos.
Como encaminhamento, foi encaminhada indicação ao governo do estado para que assine o Plano de ações Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil, do governo federal, e se comprometa a criar o Comitê de Combate à Tortura, que está sendo proposto pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da presidência da República. Góes ainda propôs, como encaminhamento, que seja criado um fórum estadual de combate à tortura, o qual seria responsável por avaliar os centros de detenção e presídios existentes no Estado.(Lisandrea Costa/Tatiani Magalhães/Divulgação Alesc)