09/11/2011 - 13h31min
Audiência pública debate a Comissão Nacional da Verdade
A Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, de Amparo à Família e à Mulher, presidida pela deputada Luciane Carminatti (PT), promoveu na noite dessa terça-feira (08), no Auditório Deputada Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa, audiência pública para discutir a abertura dos arquivos do regime militar e o apoio à Comissão Nacional da Verdade.
Além do propositor da audiência, deputado Dirceu Dresch (PT), estiveram presentes os parlamentares Angela Albino (PCdoB) e Sargento Amauri Soares (PDT). Também participaram do debate o procurador do Ministério Público Federal, Maurício Pessutto, a coordenadora do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça, Derlei de Luca; o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), João Moacir Corrêa Andrade; e João Paulo Wright, filho do ex-deputado Paulo Stuart Wright, desaparecido no período da ditadura militar.
O encontro reuniu representantes de universidades, sindicatos, organizações sociais, políticas e de direitos humanos, familiares de vítimas do regime militar provenientes de diversos municípios catarinenses e ex-presos políticos, entre eles os escritores catarinenses Salim Miguel e Eglê Malheiros.
O destaque da audiência ficou por conta das diversas propostas feitas pelos participantes. Entre elas estão a criação de um Memorial e de uma Lei da Memória Histórica em Santa Catarina, a instituição do Dia Estadual do Desaparecido Político (4 de setembro) e a moção de apoio para que a rodovia estadual SC-414 permaneça com o nome de Paulo Stuart Wright.
Apoiado pelos demais parlamentares, Dresch sugeriu a formação de um grupo de trabalho para a discussão das questões levantadas no encontro, a definição das competências do Legislativo catarinense e o encaminhamento das ações cabíveis.
Comissão Nacional da Verdade - O Projeto de Lei da Câmara 88/2011, que determina a sua criação, foi aprovado pelo Senado no último dia 26 e aguarda agora a sanção presidencial. O colegiado, que será composto por sete membros indicados pela presidenta da República, Dilma Rousseff, tem o prazo de dois anos de funcionamento para esclarecer os casos de violação dos direitos humanos ocorridos de 1946 a 1988. Compreende, portanto, o período de democracia após o Estado Novo de Getúlio Vargas (de 1937 a 1945), a ditadura militar (entre 1964 e 1985) e parte do governo de José Sarney (de 1985 a 1989). Segundo a proposta, a finalidade da Comissão da Verdade é garantir o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Audiência - No início da audiência, foi exibido o documentário “Lembrar para não esquecer jamais”, produzido pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Através de imagens, fotos, documentos e depoimentos, o vídeo narra a história de perseguidos pelo regime militar. Também explica a atuação da comissão para contribuir com a consolidação do Estado Democrático de Direito no país.
O procurador Maurício Pessutto afirmou que esse tema não pode ser esquecido. “Esses momentos tristes da nossa nação não podem ser relegados, precisam ser apurados. Não é apenas um direito, é um dever moral para a identificação e a construção da memória”, disse. Segundo Pessutto, é também agora um dever jurídico, pois recai sobre o Brasil uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O processo reconheceu a responsabilidade do governo brasileiro da época pelo desaparecimento das vítimas, pela situação de impunidade e pela falta de transparência em relação aos crimes cometidos.
Andrade, presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB/SC, reforçou o apoio da entidade à criação da Comissão da Verdade. “Não podemos conceber uma nação com traços de amnésia em sua história, obscuridade e situações não esclarecidas”, destacou. O advogado também levantou o debate sobre os casos de tortura que ocorrem no presente. “De coração, espero que essa comissão atinja seus objetivos para que consigamos também ver a situação dos que estão sendo torturados nos presídios hoje”.
A coordenadora do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça, Derlei de Luca, apresentou diversas propostas. Entre elas, a criação do Dia Estadual do Desaparecido Político (4 de setembro), a colaboração do MPF/SC à Comissão da Verdade, a participação de familiares na busca dos corpos no Araguaia, excluindo a presença da Polícia Federal. Solicitou ainda encaminhamentos referentes ao cumprimento das sentenças da Justiça brasileira e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Dizem que esse assunto é ‘chover no molhado’. Poderia ser, se este molhado não fosse sangue”, salientou.
Emocionado, Celson de Souza relembrou a época em que foi motorista e transportava presos políticos da ditadura em Florianópolis. “São mais de 30 anos de sofrimento, salvei muita gente, mas fico triste por perceber que a mordaça continua”, desabafou.
Segundo Dresch, aproximadamente 400 pessoas foram presas em Santa Catarina na época da ditadura e cerca de 14 ainda estão desaparecidas. Sargento Soares comentou sobre o sofrimento dos familiares dos desaparecidos. “A tortura psicossocial continua até hoje”, disse.
O parlamentar se mostrou preocupado com as limitações impostas à Comissão da Verdade, como o fato de não ser possível apresentar denúncias. “Da forma como está, fica o receio de que não se consiga nem investigar o que aconteceu”, ressaltou.
Sargento Soares e Angela Albino afirmaram ainda que aqueles que respaldaram a ditadura militar permanecem no comando político do Brasil. Na opinião do deputado, os indicados para compor o colegiado farão pressão para travar o debate. “As mesmas forças que fizeram o golpe, executaram os arbítrios e definiram o papel das Forças Armadas na Constituinte são as que não vão deixar que a discussão avance”, declarou.
A deputada Luciane também questionou as dificuldades encontradas no país para avançar no debate do tema. “O sentimento é de que seja uma comissão de meia verdade, pois o tempo é curto e não se pode denunciar. Esperava-se muito mais deste processo de reconciliação nacional”, destacou. “O que mais me preocupa é o cinismo das pessoas, as gerações que não conhecem essa história”, acrescentou.
Para Dresch, “a mobilização da sociedade depende dos nossos esforços para fazer essa pressão para que a Comissão da Verdade possa realmente saber a verdade”.
Paulo Stuart Wright – Também compareceu à audiência João Paulo Wright, filho do ex-deputado Paulo Stuart Wright, desaparecido no período da ditadura militar.
Ele salientou que o resgate da memória não se refere apenas aos nomes, mas às atitudes dos personagens dessa história. “Todos os que passaram por essa penúria tinham em comum um grande espírito público”, disse.
João Paulo também questionou os motivos pelos quais o país não consegue resolver o problema dos desaparecidos. “Essas iniciativas de resgate nos dão um pouco de alento. No entanto, este capítulo da história precisa ser encerrado, mas jamais esquecido”, enfatizou.
A vida de Paulo Stuart Wright foi descrita por Ricardo Maes, integrante do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça. Ele defendeu a manutenção da Lei 15.450, sancionada em janeiro de 2011, a qual denomina Rodovia Paulo Stuart Wright a SC-414, que faz a divisa dos municípios de Penha e Balneário Piçarras. Maes entregou à mesa uma proposta de moção de apoio para que o nome da rodovia não seja alterado e que o PL 199/2011 seja retirado da pauta da Casa. “Aprovar o PL 199 é cassar Paulo pela segunda vez”, disse.
A deputada Angela condenou a proposta de alteração do nome da rodovia e sugeriu o resgate da exposição em homenagem ao ex-deputado realizada na Assembleia há mais de dez anos.
Manifestações - A Comissão Nacional da Verdade recebeu críticas de Roberto Niella, perito criminal que participou de uma comissão semelhante no Equador. Após relatar a sua experiência, Niella discordou da composição do colegiado e do tempo de funcionamento determinado. “O Brasil não pode se conformar com apenas sete pessoas”, disse.
De acordo com ele, a Comissão da Verdade do Equador, criada em 2006, foi composta por um secretário executivo, quatro comissionados, sendo eles representantes dos Direitos Humanos, um comitê de suporte formado por familiares e membros do Estado e uma equipe de trabalho com mais de 30 profissionais, entre psicólogos, advogados, sociólogos, peritos independentes e outros. Além disso, contava com a participação de consultores nacionais e internacionais.
Fernando Ponte, professor da Universidade Federal de Santa Catarina no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, propôs a criação de uma Lei da Memória Histórica no âmbito estadual. De acordo com Ponte, essa legislação poderia instituir a obrigatoriedade do ensino crítico sobre o período do regime militar e determinar a derrubada dos monumentos ligados à ditadura.
O professor também entregou um documento à mesa com a proposta de criação de um Memorial em Santa Catarina. Segundo ele, essa iniciativa já existe em outros estados, como Rio Grande do Sul e São Paulo. Sobre a Comissão da Verdade, Ponte afirmou que “é imprescindível que no Legislativo se implante uma comissão de acompanhamento da Comissão Nacional, em respeito à memória deste Estado”.
Exposição – Os participantes da audiência puderam conferir uma exposição de painéis de fotografias com o perfil de dez catarinenses mortos e desaparecidos no período do regime militar no Brasil. Os painéis também retratam a história da resistência à ditadura no país. A iniciativa foi do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça, um grupo formado por familiares das vítimas, dirigentes sindicais, parlamentares, representantes da sociedade civil e militantes dos direitos humanos. (Ludmilla Gadotti)