Aplicativo desenvolvido em SC vai auxiliar autistas em três idiomas
Quando Gabriel tinha apenas sete meses de vida, seus pais notaram que ele seria uma criança especial. Embora saudável, o menino não ficava em pé. Com dois anos, veio o diagnóstico: autismo. “Mudou tudo na nossa vida”, conta a mãe, a empresária Eleonora Zamboni. “Mudamos a maneira de agir, passamos a falar de forma mais calma, não fazemos barulho. Fizemos em casa um ambiente mais tranquilo. Mudamos o quarto, colocamos materiais e brinquedos pedagógicos no quarto dele.”
Hoje, aos 8 anos, Gabriel tem, como todos da sua idade, uma rotina diária a cumprir: acordar, escovar os dentes, brincar, tomar banho, comer, estudar.... Só que enquanto para outras crianças realizar essas tarefas, depois de um tempo, torna-se algo automático, para Gabriel, na condição de autista, é um desafio diário. “É uma rotina diferente das outras crianças. Ele não consegue fazer de forma automática, temos que lembrá-lo do que ele tem que fazer.”
Também como tantas outras crianças, Gabriel é um apaixonado por tecnologia. De olho nessa paixão, seu pai, o empresário Paulo Sergio Zamboni, teve uma ideia: desenvolver um aplicativo que pudesse, de alguma forma, ajudar o filho na realização das tarefas diárias. Paulo procurou o terapeuta ocupacional Régis Nepomuceno e lhe apresentou a ideia.
“Levando em consideração que ele [Gabriel] tem facilidade grande com tecnologia, pensei em buscar algo que pudesse auxiliá-lo no dia a dia. Conversei com o Régis para que ele pudesse aplicar sua metodologia em um aplicativo para tablet. Eu tenho experiência no desenvolvimento de aplicativos e pensei em materializar algo que pudesse contribuir para meu filho e para outras crianças autistas”, conta o empresário.
O aplicativo consiste na exibição das principais tarefas que a criança precisa realizar, diariamente, nos sete dias da semana. Por meio de imagens dela mesma, a criança consegue visualizar o que fazer, por exemplo, ao acordar, ao escovar os dentes, ao trocar de roupa. Ao tocar “Escovar os dentes”, a criança se vê nas fotos, num passo a passo de como deve fazer para a escovação, desde onde está a escova, passando pela colocação do creme dental, etc. O mesmo acontece para todas as outras tarefas.
“Nós decidimos que o aplicativo seria 100% personalizável para que qualquer criança possa entender que aquelas atividades representam o seu dia a dia”, explica Régis. “Se eu falo das roupas do Gabriel, eu preciso ter fotos da roupa do Gabriel para que ele veja que estamos falando da rotina dele. Para quem não tem autismo, é automático pegar uma tarefa e realizar. O autista precisa se programar e planejar o que está executando na sequência lógica de realização.”
Régis explica que o aplicativo não é indicado apenas para autistas; qualquer pessoa com déficit ou distúrbio de atenção pode utilizá-lo. “A rotina tem que ser explorada com todas as crianças. A gente aprende através da rotina. Ela é o meio onde a criança vive, aprende. A personalização da rotina e a organização são importantes para o entendimento e para a exploração das tarefas do dia a dia.”
Paulo informa que, inicialmente, o aplicativo, chamado “Minha Rotina”, estará disponível já neste mês, mas apenas para download para o iPad, o tablet da Apple, em três idiomas: português, inglês e espanhol. A expectativa é de que até o fim do ano esteja disponível a versão Android para os demais dispositivos. “A gente quer que esse aplicativo seja um marco na questão do comportamento, da interação social, mas principalmente que ele possa ajudar essas crianças”, resume.
Opiniões
Segundo a neuropediatra Katia Werneck Seitz, o autismo é um transtorno do desenvolvimento neurológico que apresenta um conjunto de características e sintomas relacionados principalmente à comunicação e à ocorrência de comportamentos repetitivos, fixos e restritos.
“Esses sintomas aparecem logo nos primeiros meses de vida. O bebê não olha nos olhos da mãe, não expressa sorriso, não se interessa por pessoas e se interessa por objetos. Esses sinais vão ficando mais evidentes com o passar do tempo com a falta de comunicação verbal e não verbal, caminhadas e pulos sem motivo aparente, crises de birra, irritação”, comenta a médica.
Estima-se atualmente que 1% da população seja autista. Não há cura e o tratamento consiste em terapias que aumentem a comunicação, organizem rotinas e deem mais independência ao portador desse transtorno. Para a neuropediatra, o desenvolvimento de aplicativos tem apresentado bons resultados e se transformou num importante instrumento para o tratamento do autismo.
Opinião semelhante tem a terapeuta ocupacional Letícia Figueiredo Cansian. Para ela, os aplicativos podem dar mais autonomia aos autistas, pois eles passam a ser menos dependentes de outras pessoas para o desenvolvimento de suas rotinas. “As crianças, em geral, já têm um interesse maior pela tecnologia. Se elas têm interesse, fica mais fácil estimular as tarefas que estão no aplicativo”, acredita a terapeuta.
Agência AL