IFC é pioneiro em formação de treinadores e instrutores de cães-guia
A constituição da dupla composta pelo labrador Kalil e o deficiente visual Jackson Pereira é resultado do trabalho desenvolvido pelo Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia (CFTICG), situado no Câmpus Camboriú do Instituto Federal Catarinense (IFC). Em iniciativa inédita na América Latina, a instituição pública oferece um curso gratuito de formação profissional na área.
A implantação de centros como esse no país é uma ação estabelecida pelo Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o “Viver sem Limite”, lançado em 2011 pelo governo federal. O Projeto Cães-Guia surgiu no ano anterior, no Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne). A proposta foi incorporada ao plano nacional com o apoio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) e da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD/SDH).
O Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia de Camboriú, em atividade desde o segundo semestre de 2012, é o primeiro implantado no país. A meta do "Viver sem Limite" é expandir a ação para diferentes regiões do Brasil, por meio da Rede de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
O segundo CFTICG foi inaugurado no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), na cidade de Alegre, no mês de agosto, com a oferta de 20 vagas à comunidade para curso técnico. Estão em processo de instalação outras cinco unidades, nos estados de Minas Gerais, Goiás, Ceará, Sergipe e Amazonas.
O intuito da política pública de estruturação dos CFTICG é aumentar a formação de profissionais capacitados para trabalharem no segmento e, consequentemente, o número de cães-guia em atuação no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2010 o número de pessoas com deficiência visual severa era de cerca de 6,5 milhões. Destas, 582 mil eram cegas. Já o número de cães-guia em atividade no país é próximo a 100, de acordo com uma estimativa informal de entidades ligadas ao atendimento às pessoas com deficiência visual.
O número de cegos na fila de espera por um cão-guia no Brasil é impreciso. O Cadastro Nacional de Candidatos à Utilização de Cães-Guia, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), soma 470 inscritos no ano passado, 40 deles de Santa Catarina. É preciso considerar ainda os deficientes visuais cadastrados em programas semelhantes desenvolvidos por organizações não governamentais (ONGs).
Outro objetivo do "Viver sem Limite" é difundir e ampliar a cultura de utilização desse recurso de assistência, o qual garante mais segurança e autonomia aos usuários com deficiência visual. O cão-guia facilita vários aspectos da vida cotidiana do usuário, como a utilização de transporte público, a travessia segura de ruas movimentadas e a proteção em relação a obstáculos.
Peculiaridades do projeto-piloto
O curso oferecido pelo Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia do Instituto Federal Catarinense é de pós-graduação, em nível de especialização. As vagas são destinadas a servidores da rede federal que atuarão nas outras seis unidades distribuídas pelo país.
O pré-requisito para ingressar no curso é que os funcionários sejam professores dos institutos federais, com ensino superior completo em qualquer área. "A graduação não é um limitador. Temos, por exemplo, servidores formados em Informática, Administração, Medicina Veterinária, Zootecnia e Geografia. Quem tem interesse vem para Camboriú, forma-se e volta para o seu centro para atuar na área. Essa foi a mabeira encontrada para viabilizar o projeto", comenta o coordenador pedagógico do curso, professor Paulo Martins.
As disciplinas ministradas abrangem temas como anatomia, fisiologia, comportamento e bem-estar animal. Os alunos também aprendem técnicas de criação e manejo dos cães. Além disso, têm aulas de Sociologia e Administração Básica e Aplicada. Ao longo do curso, são capacitados para selecionar os cães aptos ao treinamento, bem como fazer o acompanhamento junto às famílias socializadoras e às duplas formadas. "Os alunos aprendem todo o processo de socialização do cão, treinamento e adaptação com o usuário. São 2.700 horas de curso, mas eles fazem até mais, considerando o trabalho de acompanhamento", destaca Martins. O IFC disponibiliza, inclusive, alojamento para os estudantes no câmpus.
O curso tem duração de dois anos em período integral, o equivalente ao processo de treinamento de um cão-guia e a formação de uma dupla. Conforme Martins, a previsão é de que a formatura da turma precursora, iniciada em fevereiro de 2013, ocorra no segundo semestre de 2015. "Tivemos sete alunos, mas dois acabaram retornando, um para o Sergipe e o outro para o Ceará. Ultrapassamos um pouco o período de 24 meses em função do ciclo reprodutivo dos cães. Por isso, vamos concluir a primeira turma com 29 meses", explica.
A segunda turma do Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia do IFC também será composta por servidores dos institutos federais. "Ainda estamos na fase de preparar os profissionais para atuarem como professores nos outros centros. As aulas voltadas aos alunos de fora da rede, da comunidade em geral, serão realizadas mais para a frente", declara Martins.
Estrutura
O Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia do Instituto Federal Catarinense foi construído em uma área de aproximadamente 2,5 hectares no câmpus de Camboriú do IFC. Conta com um prédio central, que abriga o setor administrativo, um auditório e salas de aula.
No local também funciona uma maternidade, projetada com seis baias para alojar as matrizes, e uma clínica veterinária, onde são realizados todos os procedimentos de atendimento aos cães em qualquer fase do processo. No caso de algum animal apresentar sintomas de doença infectocontagiosa, há um prédio específico para o isolamento. Nesse espaço, o cão recebe o tratamento com qualidade e segurança, sem comprometer o bem-estar dos outros animais.
O centro compreende, ainda, um canil com 16 baias. Cada uma pode acomodar até três cães, conforme regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas. "Tudo aqui é pensado no bem-estar animal. O canil funciona como um alojamento provisório, onde colocamos os cães durante o período de treinamento, quando eles retornam das casas das famílias socializadoras", esclarece o aluno do curso Leonardo Goulart, servidor do Instituto Federal Goiano, câmpus Urutaí.
Também há a área de treinamento artificial (ATA), utilizada para dar suporte ao manejo dos animais e para as atividades de matilha. "De manhã tiramos os cães do canil, os alimentamos e deixamos na ATA para a interação com os outros animais e o banho de sol. Lá eles se divertem, desestressam. Só depois os pegamos para treinar."
Além disso, tem um centro de convivência, construído com dez suítes para hospedar os deficientes visuais selecionados para a adaptação com os cães treinados. Esse processo dura três semanas.
Os cães que foram desligados do programa ou aposentados são recebidos em uma área do centro destinada à adoção, até que a equipe encontre famílias hospedeiras.
Resultados iniciais
O projeto-piloto desenvolvido pelo Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia do IFC teve início com 48 filhotes das raças labrador retriever, golden retriever e flat-coated retriever. Destes, foram selecionados dois machos e seis matrizes (fêmeas) para reprodução. Dos 40 cães que começaram o programa, 18 foram efetivamente graduados como guias. "Até o fim de agosto totalizamos a entrega de 15 cães-guias", informa Martins.
Uma estimativa mundial aponta que apenas 30% dos cães que participam do programa de treinamento alcançam a graduação. O afastamento de um cão do projeto pode ser motivado por problemas comportamentais ou de saúde, como a displasia coxofemoral, uma anormalidade considerada comum em cachorros de grande porte.
De acordo com o coordenador pedagógico do curso, o Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia do IFC começou a desenvolver um programa de natalidade, com a intenção de evitar casos de displasia. "Estamos em um processo de melhoramento e seleção genética. Queremos identificar os animais sem displasia para fazer a reprodução entre eles e conseguir, no futuro, uma geração de filhotes de cães-guia."