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Publicado em 29/07/2021

A saga da heroína brasileira

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Anita Garibaldi retratada em telas que integram acervo da Casa de Anita

O Brasil, o Uruguai e a Itália comemoram neste mês de agosto o bicentenário de nascimento de Ana Maria de Jesus Ribeiro, que ficou internacionalmente conhecida como Anita Garibaldi, a maior heroína brasileira e “Mãe da Itália”, por ter participado de diversas batalhas ao lado do marido Giuseppe Garibaldi. Para celebrar a data, uma série de eventos nos países que têm relação com a trajetória histórica de Anita Garibaldi, a heroína dos dois mundos, estão sendo desenvolvidos por meio do projeto internacional “Uma rosa para Anita em seu bicentenário”.

A iniciativa, que tem como objetivo divulgar e promover a imagem, a saga e os fatos protagonizados por ela, decorre de um convênio internacional celebrado entre o Museu Renzi, de Borghi (Itália), que é representado por Andrea Antonioli e Gianpaulo Grilli, e o Instituto Cultural Anita Garibaldi (CulturAnita) de Laguna (Brasil), representado por Leo Felipe Nunes e pelo historiador Adilcio Cadorin, sob a coordenação do governo do Estado de Santa Catarina. O projeto prevê a realização de eventos em todas as cidades catarinenses, gaúchas, uruguaias, italianas e de San Marino, comemorando a memória da personagem histórica nascida em Laguna em 30 de agosto de 1821.

De acordo com o historiador Adilcio Cadorin, somente em Santa Catarina já foram ou estão sendo desenvolvidos 160 eventos, como exposições, lançamento de livros, inaugurações, sessão solene na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), no dia 23 de agosto, e séries televisivas contando a saga desta mulher que é símbolo da coragem dos catarinenses. Cadorin lançará dois livros: “Anita Garibaldi, guerreira das repúblicas e da liberdade”, já na quinta edição, e “Anita: uma homenagem aos 200 anos da heroína”, em edição trilíngue, em coautoria com André Antonioli.

A rosa símbolo
A rosa de Anita, uma planta híbrida símbolo das comemorações do bicentenário, foi desenvolvida pelo botânico italiano Giulio Pantoli, que usou a figura de Anita Garibaldi como inspiração. Na Itália, os direitos de reprodução da rosa estão com o Museu Renzi, que franqueou autorização para que o CulturAnita pudesse clonar e distribuir o híbrido no Brasil e na América do Sul.

Os brotos foram trazidos no final de 2018 para o Brasil e adaptados à realidade climática do país pelo botânico Leonardo Borges, de Laguna. Em agosto de 2019 foram iniciados os plantios das primeiras rosas geradas em Imbituba, Laguna e Tubarão e, em 2020, nas cidades de Florianópolis, Garopaba, Curitibanos, Anita Garibaldi e Lages.

A Revolução Farroupilha
Para entender os fatos históricos que tornaram a lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro conhecida internacionalmente como Anita Garibaldi é preciso saber sobre a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha, conforme sugere o historiador Adílcio Cadorin. A guerra regional, de caráter republicano, contra o governo imperial do Brasil, na então província de São Pedro do Rio Grande do Sul, resultou na declaração de independência da província como estado republicano, dando origem à República Rio-Grandense. Estendeu-se de 20 de setembro de 1835 a 1º de março de 1845.

Durante a Revolução Farroupilha, o guerrilheiro italiano Giuseppe Garibaldi, a serviço da República Rio-Grandense, participou da tomada do porto de Laguna, na então província de Santa Catarina, onde conheceu Anita e por quem se apaixonou, decidindo lutar pela independência gaúcha e de outros territórios. Eles ficariam juntos pelos próximos dez anos, período em que Anita seguiria Garibaldi em seus combates em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai (Montevidéu) e Itália.

A revolução, que com o passar do tempo adquiriu um caráter separatista, influenciou movimentos que ocorreram em outras províncias brasileiras, irradiando influência para a Revolução Liberal que viria a ocorrer em São Paulo em 1842 e para a revolta denominada Sabinada em 1837, na Bahia, ambas de ideologia do Partido Liberal da época. Inspirou-se na recém-findada guerra de independência do Uruguai, mantendo conexões com a nova república do Rio da Prata, além de províncias independentes argentinas, como Corrientes e Santa Fé. Chegou a expandir-se à costa brasileira, em Laguna, com a proclamação da República Juliana, e ao planalto catarinense de Lages.

Encontro com Giuseppe Garibaldi
Anita Garibaldi era filha de Bento Ribeiro da Silva, um modesto tropeiro e comerciante de Laguna, descendente de família portuguesa vinda dos Açores, e de Maria Antônia de Jesus. Com a morte de seu pai, aos 14 anos Anita foi obrigada a se casar com o sapateiro Manuel Duarte de Aguiar. O casamento foi celebrado no dia 30 de agosto de 1835, na Igreja Matriz de Santo Antônio dos Anjos, mas durou apenas três anos, pois o marido se alistou no exército imperial e Anita voltou para a casa de sua mãe.

Anita tinha 18 anos quando encontrou Giuseppe Garibaldi. Com 32 anos, o italiano integrava as tropas farroupilhas de David Canabarro, que chegaram em julho de 1939 para tomar Laguna e formar a República Juliana. Ao chegar a Laguna, a bordo da embarcação Itaparica, tomada do inimigo e armada com sete canhões, Garibaldi observava com uma luneta as casas da barra de Laguna.

“Observou então, em um grupo de moças que passeava, uma jovem cujo rosto conquistou sua imaginação e seu coração. Providenciou um barco, foi até a margem e depois até o local onde a tinha visto, porém não a encontrou. Tinha perdido a esperança de encontrá-la, quando um habitante local o convidou a ir a sua casa para um café. Garibaldi aceitou e naquela casa encontrou a jovem que procurava. Assim Garibaldi relata o encontro em suas memórias”, conta o historiador Adílcio Cadorin.

Batismo de fogo
Em 20 de outubro de 1839 Anita decidiu seguir Garibaldi, subindo a bordo de seu navio para uma expedição militar. Em Imbituba recebeu o batismo de fogo, quando a expedição corsária foi atacada pela marinha imperial do Brasil, conforme relata o historiador. Dias depois, em 15 de novembro, Anita confirma sua “coragem sem fim e seu amor heroico a Garibaldi” na famosa batalha naval de Laguna, contra Frederico Mariath, na qual se expõe a grande risco de morte, atravessando uma dúzia de vezes a bordo de uma pequena lancha de combate para trazer munições em meio a uma verdadeira carnificina. Anita também combateu ao lado de Garibaldi em Santa Vitória. Depois passou o Natal de 1839 em Lages.

Cadorin relata ainda que em 12 de janeiro de 1840 Anita participou da Batalha de Curitibanos, na qual foi feita prisioneira. Durante a batalha, Anita provia o abastecimento de munições aos soldados. O comandante do exército imperial, admirado de seu temperamento indômito, deixou-se convencer a deixá-la procurar o cadáver do marido, supostamente morto na batalha. Em um instante de distração dos guardas, ela tomou um cavalo e fugiu. Após atravessar a nado com o cavalo o rio Canoas, chegou ao Rio Grande do Sul, e encontrou-se com Garibaldi em Vacaria, oito dias depois.

Em 16 de setembro de 1840 nasceu no estado do Rio Grande do Sul, na então vila e atual cidade de Mostardas, o primeiro filho do casal, que recebeu o nome de Menotti Garibaldi, em homenagem ao patriota italiano Ciro Menotti. Doze dias depois, o exército imperial, comandado por Francisco Pedro de Abreu, cercou a casa para prender o casal. Anita fugiu a cavalo com o recém-nascido nos braços e alcançou um bosque nos arredores da cidade, onde ficou escondida por quatro dias, até que Garibaldi a encontrou.

“Essa fuga de Mostardas foi retratada pelo escultor Rutelli em um monumento em homenagem a Anita, no Janículo, em Roma. É o único monumento em Roma em homenagem a uma mulher, visitado diariamente por centenas de turistas, e os seus restos mortais estão neste local”, complementa o historiador.

Cidadão do mundo
Giuseppe Garibaldi nasceu em 1807, em Nizza (Atual Nice, hoje pertencente à França), em uma família de marinheiros de Gênova, então principal porto do Reino da Sardenha. Muito jovem, começou a trabalhar como aprendiz e depois como marinheiro em navios comerciais que navegavam no Mediterrâneo e no Mar Negro. No navio, entrou em contato com as ideias políticas reformistas que inflamaram a Europa do século 19, relata o historiador Adílcio Cadorin.

Em 1833, Garibaldi (com 26 anos) navegou de Marselha para a Rússia com o navio mercante Clorinda. Nessa viagem pelo Mediterrâneo, o líder do grupo, Emile Barrault, ilustrou a Garibaldi algumas das ideias que defendia: pacifismo, igualitarismo, equidade entre homens e mulheres e amor livre. Cadorin diz que, anos depois, Garibaldi explicaria ao escritor francês Alexandre Dumas, que escreveria as memórias do general italiano, como um conceito de Barrault foi particularmente decisivo para sua formação política.

"O homem que defende seu país ou que ataca outro não passa de um soldado", disse Garibaldi ao autor do romance “O Conde de Monte Cristo.” Ele acrescentou que “o homem que, ao se tornar cosmopolita, adota a humanidade como sua pátria e vai oferecer sua espada e seu sangue a todos os que lutam contra a tirania, é mais que um soldado: é um herói".

Garibaldi continuou viajando pelo Mediterrâneo com nome falso, até que em 1836 pegou um navio para o Rio de Janeiro. No Brasil, passou a comercializar macarrão, consolidou sua formação política, entrou para a maçonaria e conheceu o militar e líder separatista Bento Gonçalves da Silva. Quando Bento Gonçalves foi nomeado presidente da República do Rio Grande, que desejava se separar do Brasil imperial, acabou sendo preso por se rebelar. Sua prisão deu início à Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos (1835-1845) no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

No Uruguai
O historiador Adílcio Cadorin destaca a importância da participação da Anita Garibaldi e Giuseppe Garibaldi para a independência do Uruguai. Em 1841, quando a situação militar da República Rio-Grandense tornou-se insustentável, Garibaldi solicitou e obteve do general Bento Gonçalves da Silva a permissão para deixar o exército republicano. Anita, Giuseppe e Menotti se mudaram para Montevidéu, no Uruguai. Eles receberam um rebanho de 900 cabeças de gado, em Viamão (RS), das quais, depois de 600 quilômetros de marcha, 300 chegaram a Montevidéu, em junho de 1841.

No Uruguai, em 1842, dois anos e meio após seu encontro, o casal legalizou sua união, na igreja de São Francisco de Assis, em Montevidéu. A certidão de casamento era exigida pela constituição do Uruguai a quem aspirava cargos públicos. No início de sua estadia em Montevidéu, Garibaldi atuou como professor de matemática e Anita como dona de casa e mãe. Garibaldi foi indicado comandante da pequena frota uruguaia, que combatia a potente esquadra naval argentina, comandada pelo almirante William Brown.

No Uruguai nasceram os outros três filhos do casal: Rosa (1843), Teresa (1845) e Ricciotti Garibaldi (1847). Rosa faleceu aos 2 anos por asfixia, causada por uma infecção na garganta. Ali se revelou outro lado da Anita, de acordo com o historiador. Garibaldi passou a ser um líder da independência do Uruguai e sua casa, apesar de pobre, muitas vezes virou centro de reuniões dos líderes do movimento. Ela participava efetivamente definindo estratégias de combate, de igual para igual.

Anita se destacou como enfermeira nesse período, sendo precursora da organização dos serviços de enfermagem nos exércitos nos quais lutou ao lado de Garibaldi. Nessa época Anita também adquiriu cultura, aprendendo a ler e a escrever em cinco línguas: português, italiano, francês, espanhol e dialeto piemontês. “Quando a Anita saiu de Laguna não sabia nem ler e nem escrever, as suas primeiras cartas eram ditadas”, complementa o historiador.

Na Itália
Em 1846, Garibaldi tentou enviar Anita e as crianças para longe, para ficarem com sua mãe em Nice, mas obteve um parecer negativo do Ministério dos Negócios Estrangeiros do rei Carlos Alberto, em junho de 1846. Mais tarde, com os legionários italianos planejando voltar para casa – e graças ao recolhimento de fundos organizado, entre outros, por Stefano Antonini –, Anita, com seus três filhos e outros familiares dos legionários partem finalmente em um barco, em janeiro de 1848, com destino a Nice, onde foram confiados por um tempo aos cuidados da família de Garibaldi.

Cadorin conta que em fins de 1847 Anita partiu com seus três filhos para a Itália, sendo seguida pelo marido poucos meses depois. Na Itália, Anita deu múltiplas demonstrações de aprimoramento intelectual, aparecendo como esposa do herói italiano, cuja estrela começava a brilhar internacionalmente.

Em 9 de fevereiro de 1849 ela presenciou com o marido a proclamação da República Romana, mas a invasão franco-austríaca de Roma, depois da batalha no Janículo, obrigou-os a abandonar a cidade. Com 3.900 soldados (800 deles a cavalo), Garibaldi deixou Roma. “Em sua perseguição saíram três exércitos (franceses, espanhóis e napolitanos) com 40 mil soldados. Ao norte lhes esperava o exército austríaco, com 15 mil soldados. Anita e o marido tinham que enfrentar a guerra e lutar para salvar o território italiano. Mesmo grávida do 5º filho, ela enfrentou tudo até o fim”, relata o historiador.

Ele enfatiza que Anita, grávida pela quinta vez e muito doente, não aceitou os conselhos de permanecer em San Marino para se restabelecer. “Não queria abandonar o marido, quando quase todos o abandonaram. Acompanhado de poucos fiéis, ziguezagueando pelos pântanos ao norte de Ravenna, fugindo dos austríacos, Garibaldi vê definhar rapidamente a mulher.”

Anita, no final da gravidez, tentou não ser um peso para o marido, querendo deixá-lo despreocupado para lutar sozinho na guerra – ela poderia ir morar com a mãe dele, como seus filhos moravam, mas suas condições de saúde pioraram quando atingiram a República de San Marino. Ela e Garibaldi decidiram não aceitar o salvo-conduto oferecido pelo embaixador americano e continuaram a fuga, pois não teriam como lutar contra milhares de soldados e, se fossem presos, morreriam na cadeia.

Morte
Em 1849, Garibaldi e Anita seguem para os combates em Roma, mas são perseguidos, e durante a fuga de Roma, vestida de soldado e grávida de oito meses, Anita Garibaldi adoece em Orvieto, próximo à província de Ravenna, acometida por febre tifoide, e não resiste. Anita Garibaldi faleceu em Mandriole, Itália, no dia 4 de agosto de 1849. Caçado pelos austríacos, sem nem sequer poder acompanhar o sepultamento da esposa, Garibaldi saiu outra vez para o exílio e nos dez anos em que esteve fora da Itália, os restos mortais de Anita foram exumados sete vezes. Em Roma, na colina de Gianicolo, em sua homenagem, foi erguido um monumento equestre, onde foram enterrados seus restos mortais.

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