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Publicado em 08/09/2022

A ferida aberta do desaparecimento do pai não fecha

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João Paulo se emociona ao falar do pai. “O sofrimento nunca termina, está no dia a dia, e o fato de não haver os restos mortais para enterrar é um trauma a mais, como sempre acontece nessas situações”

Emocionado, o analista de sistema, João Paulo Wright, 59 anos, filho de Paulo Stuart Wright, não esconde a ferida daqueles que perderam seus entes queridos durante o regime militar (1964-1985) e lamenta que tenha convivido muito pouco com o pai, principalmente no período em que ficou na clandestinidade no Brasil.

“O sofrimento nunca termina, está no dia a dia, e o fato de não haver os restos mortais para enterrar é um trauma a mais, como sempre acontece nessas situações”, conta o filho, ao visitar o Plenarinho da Assembleia Legislativa. “Sempre que venho a Florianópolis visito o Plenarinho, uma homenagem prestada pelo Parlamento depois que restituíram o seu mandato.”

João Paulo nasceu em Florianópolis, mas reside em Curitiba, para onde a família se mudou após o desaparecimento de Paulo Stuart Wright, em 1973. Nascido um ano antes do golpe de 1964, João Paulo avalia que o desaparecimento do pai esfacelou a família. “Uma vez um repórter me perguntou como eu reagiria se meu pai aparecesse na porta de casa”, conta. “Por um momento, tive a sensação de que aquilo era possível.”

Quando ainda era criança, ele revela que sua mãe, Edimar, reuniu ele e a falecida irmã, Leila Cristina Wright, e como uma “bruxa” disse que o pai estava morto. “Para nós foi naquele momento que ficamos sabendo da morte dele, mesmo que o tio Jaime e outras pessoas ficassem procurando por ele.”

Ele acredita que a vida de sua família seria diferente se o pai estivesse presente, porque os pais influenciam nas decisões dos filhos. “Meu pai fez muita falta, especialmente para minha mãe e minha irmã. A ditadura provocou um desmonte familiar. Tivemos a proteção da mãe e nos abrigamos numa chácara perto de Curitiba. Era um paraíso natural, com escola próxima. Tivemos uma boa formação, mas o sofrimento voltou com a abertura política, quando entendemos melhor o que aconteceu com o país.”

Sem entrar em detalhes, ele diz que a irmã faleceu em 1997, num crime brutal em Curitiba e que isto teria ocorrido pela situação da família. “A Leila morreu de um crime violento, uma perda. Eu, com 34 anos, era o último, veja o peso da ditadura. Todos morreram jovens. O pai morreu com 40, mãe com 50. Todas relacionadas com a ditadura. A minha mãe perdeu saúde com a saída do pai, teve diabete. A Leila ficou desamparada, desprotegida. Falta composição familiar. A família foi afetada pela ditadura. Na carne, na vida. Isso é bem difícil.”

No período da clandestinidade, conta João Paulo, os encontros com o pai eram espaçados e às vezes ele marcava e não aparecia, por questão de segurança. “Quando eu tinha dez anos, meu pai foi sequestrado em São Paulo e nunca mais foi visto. Foi dramático, angustiante para mim e minha irmã Leila.”

João Paulo diz que uma vez, num destes encontros, o pai justificou a ausência. “Me lembro que ele disse que estava fazendo o melhor para o país, que ele tinha uma luta que envolvia a todos no país e a família e que a ausência era necessária.”

Relação com o tio
O reverendo Jaime WrightPara João Paulo, casado há mais de 30 anos com Eliane Maria Machado e pai de Bianca, Francis e Paul, uma das figuras importantes na história de seu pai foi o falecido tio Jaime, irmão de João Paulo Wright. Reverendo da Igreja Presbiteriana, logo após o desparecimento do político catarinense, envolveu-se diretamente na busca do seu irmão, procurou a Igreja Católica e junto a Dom Evaristo Arns foi um dos lutadores contra o regime militar. “O tio Jaime sempre esteve envolvido com direitos humanos, a casa dele era cheio de gente de toda América latina e era um apaixonado pelo irmão.”

O pastor morreu em 1999 em Vitória, no Espírito Santo, vítima de infarto. “Ele influenciou a história do país, sempre atuou na América Latina na defesa das pessoas. A história do meu pai é conhecida em muito em função do tio Jaime. Ele tinha dupla nacionalidade e correu todo o Brasil inteiro dando palestras... fez um grande trabalho. Faz uma falta enorme, tinha um conhecimento e era uma pessoa muito respeitada.”

Mãe presente
A mãe de João Paulo faleceu em 1987, vítima de diabetes. Para ele, a Edimar fez a coisa certa e mesmo numa sociedade conservadora da época continuou com o trabalho social desenvolvido pelos pais. “Em Curitiba, pensavam que meu pai era contrabandista, confundiam com comunista, e mesmo assim ele foi professora e dava aula em sala múltiplas e hoje, existe até um colégio com o nome dela na cidade.”

João Paulo, no espaço que leva o nome do pai; ao fundo, a imagem mais conhecida de Paulo StuartDe acordo com João Paulo, a mãe era muito ativa na área da educação. “Mesmo com a perda do pai, ela continua ativa, com os ideais dele, de ajudar o próximo. Ela era chamada de bruxa, sensitiva.”

Sobre o presente e o futuro, João Paulo diz que ainda tem metas. “Estou fora da política partidária, mas quero lutar pela preservação da memória dos meus pais. Quero conhecer as cooperativas de pesca que meu pai criou no litoral catarinense. Ele e minha mãe foram dois missionários que vieram dos Estados Unidos e da Europa para dar melhores condições de vida ao povo. Viver com sua falta é um aprendizado diário. Lembro que minha irmã Leila, ainda criança, ia com ele nos comícios em Florianópolis. Gostaria de fazer um velório para ele, com todas as cerimônias de praxe.” 

A ideia, diz João Paulo, é dar mais atenção ao Instituto João Paulo Wright, em Florianópolis, e futuramente atuar em defesa da educação, tanto em Santa Catarina como no Paraná.

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