Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina Agência AL

Facebook Flickr Twitter Youtube Instagram

Pesquisar

+ Filtros de busca

 

Revista Digital

Cadastro

Mantenha-se informado. Faça aqui o seu cadastro.

Whatsapp

Cadastre-se para receber notícias da Assembleia Legislativa no seu celular.

Aumentar Fonte / Diminuir Fonte
Publicado em 29/01/2015

Irmãos Lazier, comunistas ferrenhos!

Imprimir Enviar
Romualdo, Reinaldo e Iracema Lazier no sobrado da família, em União da Vitória. Os homens foram presos e a irmã indiciada no IPM do 5º BE.

Os documentos do Dops não deixam dúvida: os irmãos Reinaldo, Iracema e Romualdo Lazier também eram comunistas! No prontuário de Iracema (85), a anotação de 17 de março de 1969 registra que “o nome da fichada consta no relatório enviado pela Delegacia de Polícia de União da Vitória como sendo funcionária do INPS naquela cidade e, juntamente com Hermógenes Lazier, são considerados comunistas ferrenhos”.

Os três irmãos receberam a Agência AL no sobrado da família, em União da Vitória (PR). Em paz com a vida e bem humorados, conversaram longamente sobre os acontecimentos de 1964 e as consequências nas vidas dos protagonistas. “Até hoje eu não sei qual é o meu perfil ideológico, acho que sou um pouco conservador, um pouco progressista, mas comunista nunca cheguei a ser”, afirmou Romualdo (69), divertindo-se com a situação. Iracema definiu-se uma democrata, mas um e outro apontaram para o irmão mais velho: “o Reinaldo era simpatizante!”

De fato, quando Reinaldo (87) foi preso, juntamente com o irmão mais novo, em 10 de abril de 1964, ficou isolado em uma solitária improvisada na delegacia de União da Vitória. “Ele dizia, ‘Romualdo, devo ser muito perigoso, estou aqui na solitária!’” No depoimento que prestou aos militares do 5º BE, o então aluno do 3º ano do curso de História negou que fosse simpatizante e argumentou que o comunismo era uma utopia, “uma coisa impraticável”. Atualmente, Reinaldo sofre as agruras da idade e tem dificuldade para se lembrar dos acontecimentos de 50 anos atrás.

Iracema foi indiciada no IPM e depôs em 5 de maio de 1964. “Tinha pavor de ser chamada no quartel por política, depus uma vez só.” A octogenária explicou que por muito tempo não podia ver o número 64, sentia desconforto físico. “Me dava arrepios.” Ela riu quando a reportagem perguntou sobre o aniversário de 64 anos. “Nem lembrei, já tinha superado aquilo tudo.”

Não foi presa, mas tornou-se alvo de vigilância constante. “Eles me perseguiam, fotografavam, cuidavam de mim”, ironizou, esclarecendo que continuou levando uma vida normal, apesar da pressão psicológica a que foi submetida.

Como era funcionária pública federal, o registro no Dops virou um inconveniente à carreira. “Tinha um cargo comissionado, pediram para meu chefe tirar o cargo, mas ele não tirou. Então fiz um concurso interno para fiscal, pensei, ‘esse ninguém me tira’. Financeiramente eles (militares) me fizeram bem, quando pedi demissão nem sabiam como fazer lá em Curitiba”.

Em 1975, por sugestão da direção do INPS, Iracema fez o que se chamava “pedido de silêncio” à secretaria de Segurança Pública do Paraná. “Se você se comportasse bem por dez anos, limpava o nome”. O pedido foi deferido.

Romualdo não foi indiciado no IPM do 5º BE, mas, assim como os irmãos, sofreu com o preconceito. “Eu era mecânico, comecei a estudar e fui perseguido no colégio. Decidi estudar sozinho, abandonei a escola, não cheguei a terminar o ginásio. Depois fiz ginásio e científico tudo em um ano, passei porque estudei por conta.” Uma vez formado, Romualdo também entrou para o INPS e aposentou-se como agente da Previdência Social.

“Comecei como escriturário, passei para atendimento ao público, chefe de seção. Cada vez que era designado, tinham de consultar o Dops e, na hora da consulta, estava lá, não era recomendado ocupar cargos. Mas nenhum de nós tem mágoas pelo que aconteceu, inclusive nossa prisão”, garantiu, falando em nome dos irmãos, que sentados próximos, aquiesceram. “Mesmo sendo presos, perseguidos, não entramos com pedido de indenização”, justificou Romualdo.

Os crimes cometidos? Os três assinaram a famosa lista para legalizar o PCB e eram leitores do jornal “Novos Rumos”. Iracema não foi além disso. Reinaldo frequentou reuniões na casa de Hermógenes e de Ciro Costa.

Romualdo também participou de reuniões e foi o churrasqueiro da festa de aniversário de Hermógenes, na chácara de Ciro Costa. Essa churrascada e as fotografias dela viraram provas contra Ciro, apesar deste não ter participado da confraternização.

De acordo com o relato do fotógrafo Miguel Novakowski ao encarregado do IPM, em 31 de maio de 1964, a festa terminou em pregação comunista. “Hermógenes tinha na mão um livreto no qual se baseava para pregar a doutrina, dizendo como proceder em relação ao operariado, como comunizá-los”, descreveu o retratista contratado pelo aniversariante. “Me diverti muito nesse dia”, confessou o churrasqueiro, que lembrou das cenas descritas por Novakowski.

A prisão

“Nosso problema foi com a polícia paranaense”, explicou Romualdo, “eles nos prenderam em uma sexta-feira. Estava trabalhando quando um agente da polícia civil – o nome dele era Otto, tomávamos aperitivos juntos – chegou e disse, ‘Romualdo, sinto muito, mas tenho que te levar, o delegado Salussóglia quer falar com você”.

Um colega de trabalho de Romualdo avisou a família. “Nossa mãe, Julia Rosa, nem ligou, não se abalou, só disse ‘meus filhos nunca fizeram nada de mau’”, contou Iracema. “O Reinaldo ficou preso em uma cela pequena, uma solitária brasileira”, ironizou Romualdo. “A cela tinha uma janela comum tampada com tábuas, mas havia um nó na madeira, arrancamos ele”, lembrou Reinaldo, rindo das imagens que ele e o irmão guardaram daquele fim de semana fatídico.

Já Romualdo foi acomodado em uma cela maior, junto com seis presos, entre eles três vereadores do PTB de General Carneiro (PR). “No rádio disseram que os vereadores estavam com um caminhão de armas, tudo fantasia, tinham uma espingarda em casa”, afirmou Romualdo, criticando a cobertura da imprensa local.

“Ficamos na cela eu, os três vereadores, um sindicalista, um rapazote ladrão de bicicletas e o Zenóbio, que passava o dia no quartel, mas dormia na delegacia.”A reportagem localizou no Jornal “Caiçara” a notícia da prisão desse ladrão, que viveu uma cena escatológica na prisão. Chamava-se H.N.B., tinha 19 anos e era menor. “Roubava uma média de 20 bicicletas por mês, revendia por 30 mil cruzeiros. Seu lucro era fabuloso, mantinha uma amante e gastava a rodo”, noticiou o veículo.

De acordo com Romualdo, no fim da tarde de sábado o ladrão de bicicletas pediu para um policial comprar farinha de mandioca e trazer água quente. “Ele fez um pirão e comeu. Depois chegou o jantar dos presos, comeu de novo e ainda comeu aquilo que a mãe mandou. Teve uma congestão, começou a vomitar, urinar e a defecar. A cela era rebaixada alguns milímetros e ficou inundada. O Zenóbio não resistiu e começou a desmaiar. Eu e o Osvaldo (Souza Ferreira, secretário do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Madeira) erguemos o Zenóbio nos ombros para que pudesse respirar na janelinha do alto da cela. Lembro que ele estava muito assustado”, destacou Romualdo.

Apesar de passarem o fim de semana na delegacia, os irmãos Lazier sequer foram interrogados. “Na segunda-feira de manhã o delegado nos chamou, a única coisa que lembro é que ficamos em pé na frente dele e ele nos disse, ‘vocês já imaginaram se vocês estivessem no meu lugar, já tinham me matado’”, relatou Romualdo, esclarecendo que o policial insinuou que se os comunistas tivessem tomado o poder ele, delegado, seria executado. “Era gente conhecida da família”, deplorou o ex-preso político.

O episódio, contudo, marcou intensamente a vida dos irmãos. “Não tenho medo do presidente da República, mas do guarda ali na esquina. As pessoas queriam aparecer e diziam coisas absurdas. O jornal Caiçara dizia ‘prenda os Lazier que são comunistas’. O grande mal foi acabar com a política na universidade, era a inteligência do país”, opinou o irmão mais novo.

Excluídos (temporariamente) do convívio social

Assim como Leovina Lazier, que lembrou com tristeza o isolamento vivido após a prisão do marido, os primos dele igualmente experimentaram a exclusão social. “Os amigos e parentes sumiram. Não todos, o nosso primo Harolde Berton, que tem um filho que é padre, vinha todos os dias e a Aparecida “Cida” Godinho, do INPS, também vinha todos os dias”, contou Iracema.

“Hoje nós somos do Lions Clube, todo ano fazemos uma feijoada, o engenheiro Roberto Domit de Oliveira doa o feijão e nós ajudamos a preparar a festa”, informou Romualdo, ressaltando que a irmã é ainda mais popular nas cidades gêmeas. “Ela aposentou toda a velharia”, declarou, gracejando com a função de Iracema, que auditava os pedidos de aposentadoria em União da Vitória.

Há males que vêm para o bem

Falando sobre si mesmo, Romualdo citou o ditado popular de que há males que vêm para o bem. Ao instruir o processo de aposentadoria, não conseguiu comprovar o tempo que trabalhou em uma fábrica de esquadrias. “Era uma empresa sem registro, fui atrás do proprietário em Curitiba, sabia que tinha caixa dois, mas ele tinha queimado tudo”, declarou, admitindo que estava em um beco sem saída.

Inesperadamente o Dops o socorreu. “Entre os documentos de uma centena de pessoas que a delegacia de União da Vitória mandou para o Dops, lá estava Romualdo Lazier, empregado da fábrica de esquadria tal, prova concreta para justificar o tempo de serviço. O fim de semana (preso) valeu dois anos de trabalho”, comparou.

 

Voltar