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Publicado em 29/01/2015

Há 50 anos Exército prendia comunistas em Porto União

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Sede do 5º BEC Bld em Porto União. Em 1964 a unidade centralizou a perseguição aos simpatizantes do PCB no Planalto Norte catarinense.

Enquanto grande parte dos brasileiros acompanhou pelo rádio o golpe de 1964, a antiga Porto União da Vitória viveu sua própria “revolução”. “O trabalho dos delegados Salussóglia e Paulo Grande e do capitão do Exército Salazar e seus auxiliares foi coroado de êxito. Além do acadêmico Hermógenes Lazier, preso como comunista, estiveram presos seu irmão, Cláudio, seu primo Reinaldo e o telegrafista da Rede Ferroviária, Zenóbio Karpowicz”, descreveu o jornal Caiçara, edição nº 125, de abril de 1964.

Segundo o periódico, “a atenção do povo estava voltada para a prisão dia-a-dia anunciada do advogado e professor do Colégio Tulio de França, doutor Ciro Sebastião da Costa”, que não se encontrava na cidade, pois “todos os elementos presos confessaram participar de reuniões comunistas na chácara do advogado”.

Esta história quase esquecida de perda da liberdade política, de perseguição e punição ideológicas no interior de Santa Catarina e Paraná tem origem no início de 1962, quando Hermógenes e Karpowicz coletaram assinaturas para legalizar o Partido Comunista Brasileiro (PCB), na ilegalidade desde 1947.

O juiz da comarca não endereçou o “abaixo-assinado” ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Então Hermógenes requereu ao escrivão eleitoral de União da Vitória, em 10 de maio de 1962, a devolução das listas. O documento foi parar na 2ª Seção (S2) do 5º Batalhão de Engenharia de Combate de Porto União. Com os militares no poder, a unidade instaurou um inquérito militar (IPM) para investigar a “infiltração comunista” na região.

Há tempos os militares monitoravam os simpatizantes do PCB. “Principalmente o Hermógenes era acompanhado, eram ações de investigação, ele sempre estava sendo investigado porque se envolvia muito com a juventude”, garantiu Severino Brancaleone, tenente da reserva, que em 1964 era um dos sargentos lotados na S2 do 5º BE. “Conheci ele de vista, às vezes cumprimentava, era muito atuante e todo mundo achava que era comunista”, explicou o ex-militar.

Com efeito, Lazier não escondia sua simpatia pelo marxismo, articulava a participação de simpatizantes do partido comunista nos sindicatos, nas câmaras de vereadores e era correspondente do jornal Novos Rumos, editado e distribuído pelo PCB. Foi o primeiro a ser preso e permaneceu confinado no presídio do Ahú, em Curitiba, até o início de junho de 1964 à disposição do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

Karpowicz foi preso logo em seguida. Durante o dia ficava no 5º BE e a noite era levado para uma cela da delegacia de polícia de União da Vitória. Os irmãos Reinaldo e Romualdo Lazier foram presos pela polícia civil paranaense em 10 de abril e passaram o segundo fim de semana desse mês na mesma delegacia. Ciro Costa foi detido e interrogado quatro dias depois, fichado no Dops, no serviço secreto do Exército e liberado em seguida, mas continuou à disposição do 5º BE, obrigado a acompanhar os depoimentos de testemunhas e indiciados.

Dezenas de pessoas foram ouvidas, a maioria subscritores da lista de 1962. O processo se arrastou até abril de 1969 e terminou com a condenação de Hermógenes, Ciro Costa e Zenóbio Karpowicz a um ano de prisão, cumprido pelos três em Curitiba, no Ahú, e no quartel da Polícia Militar, em Porto União.

O contexto da época

Em 1961, segundo o IBGE, a área urbana das gêmeas do Iguaçu somava cerca de 30 mil habitantes. As cidades possuíam importante entroncamento ferroviário, ligando a estrada deferro São Paulo-Rio Grande – que corta de norte a sul a região meridional do país – aos portos de Paranaguá (PR) e São Francisco do Sul. Essa via férrea foi o principal corredor de exportação da madeira e erva mate, exploradas no Planalto Norte catarinense e Sudoeste paranaense no século 20.

Além da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, onde Hermógenes cursava História, havia dois importantes sindicatos, o dos ferroviários e o dos oficiais artesãos e trabalhadores nas indústrias de madeiras, serrarias e de móveis. Por isso o interesse do PCB.

Por outro lado, Porto União tinha e tem dois importantes colégios, Santos Anjos, das freiras, e São José, dos padres, ambos sob forte influência alemã. Vários dirigentes e professores desses educandários possuíam parentes e amigos na Alemanha, dividida entre comunistas e capitalistas apenas 15 anos antes da queda de João Goulart.

O confronto de ideias era inevitável e atingiu o clímax em 5 de abril de 1964, depois do golpe, quando as cidades se uniram na “Marcha da família, com Deus e pela vitória da liberdade”. Cerca de 10 mil pessoas saíram da Praça Coronel Amazonas, em União da Vitória, atravessaram os trilhos e subiram a Rua XV de Novembro até a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias, em Porto União, para celebrar o êxito da “revolução”.

Embora a marcha tenha sido um sucesso de público, o Livro Tombo da paróquia de Porto União contém um registro negativo dos acontecimentos. “Infelizmente, apesar de todos os nossos esforços, não conseguimos que elementos corruptos de projeção na cidade, tomassem parte ostensiva na organização e na frente desta passeata”, lamentou o pároco daquele tempo, indicando a disposição da igreja local de isolar, segundo apurou a Agência AL, maçons e alguns petebistas, bem como o esforço de parte deles para ajustar-se à nova ordem, aderindo à passeata.

O tenente Ronaldo Cunha Costa, que presidiu o IPM, também observou que alguns brizolistas, “no momento decisivo da revolução, apegaram-se convenientemente aos elos da vitória, neles se firmando para garantir o nome”.

Terezinha Wolff (79), que naquele tempo já era professora, comparou o humor das ruas em 1964 com o período que se seguiu à declaração de guerra ao nazi-fascismo em 1942. “Na segunda guerra, a banda da polícia militar tocava embaixo da janela das escolas para atrapalhar as aulas em alemão, queimavam livros na rua, queimaram na frente da nossa casa”, descreveu, contrapondo que “em 1964 não havia percepção de revolta, não havia medo, só quatro ou cinco eram comunistas”.

De acordo com Eduardo Wacholz (69), nos primeiros dias de abril as pessoas comentavam a prisão de Hermógenes, cujo paradeiro somente foi descoberto um mês depois, pela esposa, Leovina. “O Lazier foi para a cadeia, está preso, diziam.” Odilon Muncinelli (74) ponderou que os comentários eram feitos “à boca pequena”, porque “ninguém queria se envolver com o comunismo”.

Para Muncinelli, as prisões arbitrária se as condenações atemorizaram as pessoas de alguma forma relacionadas às esquerdas. “Em 1961 também assinei uma lista para legalizar o partido comunista. Estudava Direito em Curitiba. Passei muitos anos temeroso em relação ao caso”, justificou.

Talvez por isso, o tom de alívio e comemoração expressos pelo pároco de Porto União ao descrever a queda de Goulart no Livro Tombo: “De capital importância para o futuro da Pátria e da Igreja no Brasil foi a revolução de 31 de março, que culminou com a deposição do presidente João Goulart e com ele o comunismo que estava ameaçando tomar conta do país. A vitória foi levada a efeito pela democracia brasileira, tendo como esteios a mulher brasileira e a força armada”, resenhou o padre, fixando em tinta e papel sentimentos que naqueles dias predominaram em Porto União da Vitória.

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