Edy Santos da Costa: fora do foco da imprensa e dos militares
A repressão aos simpatizantes do PCB na ex-Porto União da Vitória em 1964 desencadeou ondas de preconceito e acusações, inclusive pela imprensa escrita e falada. Entretanto, apesar de indiciada no IPM do 5º BE, dona Edy Santos da Costa (1933-1993), esposa de Ciro Sebastião da Costa e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, não foi associada ao comunismo pelos militares nem pela imprensa local, que concentrou suas baterias contra Hermógenes, Ciro, Zenóbio, os irmãos Lazier e o prefeito de União da Vitória, Domício Scaramella, do PTB.
Atualmente, há quem maximize e quem minimize o papel de Edy nos acontecimentos de meio século atrás. O coronel Rubens Bom, comandante do 5º BE em 1964, ao ser interrogado pela reportagem sobre Ciro Costa respondeu com ironia: “tenho a impressão de que as ideias eram da mulher”.
Com efeito, além de singularmente bela, Edy foi uma das primeiras mulheres a concluir o curso de Filosofia na Universidade Federal do Paraná, em 1954. Nos anos de graduação conheceu várias correntes do pensamento político, autores que estavam presentes nas aulas dadas por Edy na Faculdade de Filosofia de União da Vitória, onde lecionou desde os primeiros anos da instituição.
Para a professora Terezinha Wolff, Edy foi poupada porque “ninguém ousaria falar mal da filha da dona Edith e do seu Arthur”, um casal muito querido nas gêmeas do Iguaçu.
“Conheci a Edy Costa, a forma como agia. Era superinteligente, fundou a Apae de Porto União e fez o nome com o trabalho de professora. Ela deu aula para o Hermógenes Lazier. Lembro dos comentários na época, (os militares) foram na faculdade e interferiram na sala de aula. Ela fumava bastante, depois fumou mais ainda”, descreveu Terezinha Wolff, destacando “que as ideias (marxistas) eram mais dela”.
Iracema Lazier, aluna de Edy na faculdade, afirmou que “na aula ela não manifestava simpatia (pelo comunismo)”. Porém, a octogenária garantiu que “Ciro e a esposa foram convertidos ao marxismo pelo Hermógenes”.
Aldair Muncinelli (70), aluna de Edy na faculdade e depois companheira de Apae, não acredita na hipótese. “Nunca demonstrou”, justificou. Ciro Costa, em tom de brincadeira, afirmou que a mulher “era contra” suas ideias e descreveu a reação de Edy à negativa do Dops ao pedido para lecionar Educação Moral e Cívica: “você que é comunista e a prejudicada sou eu”.
O tenente Severino Brancaleone é outro ex-aluno que acha que Edy não era simpatizante do PCB. “Ela lecionava Filosofia e se envolvia com os filósofos, tinha muitos livros de Marx, de Lênin, mas o interesse era acadêmico”, justificou Brancaleone, não disfarçando sua admiração pela ex-professora e depois colega de magistério na faculdade.
“Ela tinha autoridade intelectual, era respeitada, uma pessoa de postura. Nunca comentou sobre o marido. A Edy não era comunista, ela conhecia as teorias”, garantiu o ex-agente da S2 do 5º BE.
Um detalhe factual também parece corroborar a tese de que Edy não era simpatizante do partidão. Ela não estava presente na festa de Hermógenes, realizada na chácara que herdou de seu Arthur Santos. Preferiu visitar a irmã Elair e o cunhado Deni Schwartz, em Francisco Beltrão.
Segundo o relato de Ciro, Hermógenes pediu-lhe a chácara emprestada para comemorar o aniversário. “Ia fazer uma festa, mas eu não pude ir à churrascada. A Edy tinha ido a Francisco Beltrão visitar a irmã e eu só podia buscar ela no sábado. Naquele tempo as estradas eram ‘desgracidas’, tinha de ir em um dia e voltar no outro. Voltei no domingo e não pude ir à festa”.
Se fosse simpatizante, Edy faltaria à festa de aniversário do líder pecebista?
O depoimento da esposa de Ciro ao tenente Ronaldo Cunha Costa é lacônico e parece ter convencido o “caçador de comunistas” de que falava a verdade. Afirmou que fora professora de Hermógenes, que o ex-aluno, o marido, Zenóbio Karpowicz, Reinaldo Lazier e Antonio Garbos reuniam-se em sua casa para discutir política. E um detalhe importante, afirmou que foi constrangida a assinar a lista para legalizar o PCB.
O tenente Brancaleone contou à reportagem que estava de serviço no dia em que Edy depôs no IPM do 5º BE. De acordo com o militar da reserva, ela e os outros depoentes ficaram alojados em barracas em uma área interna do quartel. “A Edy estava sentada no chão, olhou para mim como que dizendo ‘olha eu aqui, me ajude Brancaleone’. Mas eu não podia fazer, nem falar nada”, afirmou.
A professora Edy continuou lecionando no ensino médio e na faculdade – era titular da cadeira de História da Filosofia e exerceu a chefia do Departamento de História –, mas na década de 1970 voltou aos bancos escolares e formou-se em Psicologia.
Daí em diante, além da sala de aula, dedicou-se à psicologia clínica, trabalhando horas a fio nas Apaes de União da Vitória e Porto União. Hoje Edy é nome de biblioteca em União da Vitória e uma unanimidade entre aqueles que a conheceram – uma mulher brilhante e incansável lutadora.
Vidas que se cruzam
As vidas dos protagonistas desses acontecimentos de 1964 já tinham se cruzado antes e continuou assim depois. O coronel Bom, por exemplo, chegou à cidade em 1948, ainda aspirante. Apaixonou-se pelo Rio Iguaçu, adquiriu um barco e comprou o motor de 5 Hp de seu Arthur, pai de Edy.
Para ir ao 5º BE, o jovem militar passava em frente à residência da família Santos. Nessa época, o flerte nas ruas era footing e o tenente chamou a atenção da irmã mais nova de Edy, Elair. “Eu a chamava de minha noiva, ela me esperava passar todos os dias”, revelou Rubens Bom.
Anos mais tarde, já major e comandante do 5º BE, viajou a Francisco Beltrão para uma reunião com o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste, dirigido por Deni Schwartz, marido de Elair. “No fim do dia as pessoas que estavam trabalhando foram até a casa do Deni. Ele me esperou na porta e disse, ‘você não entra aqui’”, declarou Rubens Bom, divertindo-se com a lembrança da saia justa.
Ciro Costa contou que anos mais tarde sua empresa de extração de areia foi contratada pelo comandante do 5º BE. Indagado, o ex-militar não lembrou do fato. Todavia, conduziu a reportagem até a janela da sala de sua residência, quase sobre o leito do Iguaçu, e mostrou, entre a casa e o rio, uma pequena área coberta pela grama. “Tinha uma piscina ali, mas uma enchente encheu ela de lama e achei melhor cobrir tudo com areia. Contratei alguém para fazer isso, mas não lembro do doutor Ciro”, afirmou. Era Ciro Sebastião da Costa.