O balão do vovô, uma história de luto e de amor
Nas páginas de um livro infantil, toda a dor de uma família que não vai mais ser a mesma depois da pandemia de Covid-19, mas que conseguiu transformar o luto em amor à escrita. É a história de um pai e avô que o novo coronavírus levou e que virou balão no livro que a filha escreveu para que os netos, Gabriel (6) e Bernardo (4), entendessem o desaparecimento do avô e não o esquecessem.
Essa é a história da jornalista Marcela Lin, 37 anos, que transformou a dor do luto da família numa linda história que vem sendo compartilhada por centenas de leitores que já adquiriram o livro “O Balão do Vovô”, que foi a forma encontrada por ela para homenagear o pai, Maurício (65), mais conhecido como seu China, que faleceu devido à Covid-19 em agosto de 2020. O livro, editado pela Frida Editora, de Florianópolis, tem 28 páginas e apesar de ter sido inspirado por uma dor, fala sobre amor e já está em sua quarta edição. “Meu pai está voando e vivo nesta história que já chegou à Espanha, Estados Unidos, Austrália e Canadá.”
Ela conta que em julho de 2020 toda a família, apesar de ser unida e costumar se reunir nos finais de semana e nas folgas, estava cumprindo todo o regramento para evitar a Covid. “Com a pandemia a gente se afastou. O meu pai era hipertenso e todos estavam preocupados.” Mas então a avó dela, que tinha 91 anos e se chamava Merina, faleceu em decorrência de um derrame. “Nunca tinha perdido alguém tão próximo, rompemos com o isolamento social e fomos ao hospital.”
Uma semana após o sepultamento da avó, o pai de Marcela começou a apresentar os primeiros sinais do vírus. Seu China chegou a ir ao hospital, apresentando febre, mas logo foi liberado. Como não se recuperou e tinha comorbidades, ele retornou ao hospital e foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde sobreviveu por 18 dias. “Mesmo na UTI, nos primeiros dias, conseguimos manter contato via celular. A gente continuou separada, a mãe e meu irmão na casa deles e eu e minha família na nossa. Esse vírus é traiçoeiro, ele chegou a melhorar e nos dar esperança, mas no dia 22 de agosto, acabou falecendo.”
Com muita dor, a família enterrou a avó e depois o pai, em menos de um mês. Sem que a família pudesse se despedir, com caixão fechado, seu China logo foi cremado. “Foi uma despedida solitária, sem poder receber abraços e carinho dos amigos e parentes. Senti muita dor e raiva. Estava me sufocando, não era uma fatalidade a morte dele. Quando me dei conta, comecei a escrever no bloco de notas do celular e depois no perfil do Instagram @vivendomeuluto. Ele não era um número, e sim uma pessoa, com sua história.”
A inspiração para o livro surgiu quando uma amiga resolveu enviar para ela, que não recebia ninguém, um balão com uma cesta de alimentos. “Quando olhei da sacada do meu apartamento vi somente o balão. Fiquei emocionada, recolhi os alimentos e falei para meus filhos que o balão era o vovô. Eles adoraram e começaram a brincar o dia inteiro com o balão de pega-pega e pediram à noite para dormir com o vovô.”
Quando soube pelo Instagram que uma amiga havia aberto uma editora em Florianópolis, Marcela enviou a ela a história inspirada no balao.
Marcela pediu para a mãe, Maria Angélica, a Magé, ilustrar a história. “Imagine a minha dor e a da minha mãe, que viveu 39 anos casada com meu pai. A ilustração a ajudaria”, relembra. Depois, o irmão, Ricardo Lin, que é design, pediu para diagramar o livro e o filho, Gabriel, que estava aprendendo a escrever, fez o título. “Transformamos a dor do luto em amor, foi o amor que nos manteve, e transformamos esse sentimento em algo concreto. Fico vendo o livro por aí e sinto que meu pai está vivo, após tanta dor.”
O balão agora é um símbolo da presença de seu China na família. Na cerimônia em que jogaram as cinzas dele no mar, lá estava o balão. Em todas as datas especiais, como Natal, réveillon e aniversários, ele também está presente para alegria dos netos e felicidade dos demais. “Não foi nada planejado, mas aconteceu uma transformação da dor em amor.”
Sobre o futuro, Marcela não esconde que se encantou em escrever, em extravasar os seus sentimentos na escrita. “Como jornalista, estava acostumada a textos falando dos outros e agora esse livro me empoderou e quero mostrar minha opinião. Passei a me ver como escritora.”
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Ritual de despedida familiar
A psicóloga e professora da UFSC Ivânia Jann Luna, autora do livro “A quem devo confiar minha tristeza? Faces e perspectivas do cuidado ao luto”, publicado pela editora Brazil Publishing, explica que “na contemporaneidade, a vivência de um luto é pessoal, privativa e intransferível quanto à construção de significados e narrativas sobre a perda bem como propósitos de vida. Ao mesmo tempo, é uma vivência pública, na qual o enlutado escolhe espaços de sociabilidade e de confiança para externalizar a sua dor e cogerir os sentidos da sua perda”.
Sobre a forma que a família da jornalista Marcela Lin encontrou de vivenciar o luto, publicando o livro “O balão do vovô”, ela avalia que foi um recurso de enfrentamento muito significativo para essa família. “Porque eles vão dando significado a esse pai, esse esposo, esse irmão, esse avô, por meio do livro. Então, de certa forma isso une a família em um objetivo comum e no luto. Às vezes, cada familiar tem sua dor e quando não há possibilidade dessa comunicação, dessa integração, como esse recurso de escrever um livro, cada um fica sozinho em sua dor.”
Ela considera que o livro foi um ritual de amor e de despedida que essa família fez. “Essa família construiu um recurso de enfrentamento, de apoio coletivo. Vão se despedindo, criando uma união familiar e mantendo a memória viva deste pai na família. A perda aconteceu, ele não está mais aqui, mas de certa forma ele está presente neste livro, esse luto está ativo e está sendo elaborado.”
Para a psicóloga, durante a pandemia da Covid-19 os lutos que estamos vivendo têm trazido muitos desafios para as pessoas. “Não é só um luto só. Falamos de várias perdas, desde o momento que essa pessoa foi internada e os rituais que se seguiram, onde as famílias não puderam criar maneiras de se despedir. Orientamos as pessoas a olharem para seu luto, viver esse momento. As pessoas são estimuladas a esquecer dessa dor, mas precisam viver essa dor em sua integridade, muitas vezes com raiva, tristeza, ter um ritual de despedida significativo, para falar aquilo que não puderam quando essa pessoa estava no hospital. As pessoas têm que viver esse luto.”
Assista abaixo à Reportagem Especial da TVAL sobre o livro "O balão do vovô"